"Até agora o regime [de salvamento no mar] era para situações excecionais. O navio, o capitão do navio, estava obrigado a fazer salvamentos no mar e isto tem séculos", mas atualmente há navios que "vão navegar em condições que não são adequadas e portanto há uma situação em que o naufrágio é quase previsto, é como que premeditado. E como é premeditado pode-se pôr a questão se não se está a abusar deste dever de salvamento", sugere o professor da Faculdade de Direito.

Fernando Loureiro Bastos disse à Lusa que o assunto deve ser clarificado sob pena de desvirtuar o Direito Internacional, nos casos em que o salvamento surge em situações de perigo intencional.

As questões surgiram a propósito do navio Lifeline que, durante seis dias, foi obrigado a permanecer em alto mar com mais de 230 migrantes a bordo por ter sido rejeitada autorização para atracar nos portos de Malta e Itália. O Lifeline foi finalmente recebido no porto maltês de La Valetta, mas está a ser acusado por vários países de desrespeitar as leis internacionais.

Em causa, como explicou o professor da Faculdade de Direito, da Universidade de Lisboa, estão as diferentes perspetivas sobre esta mesma questão: a do direito internacional - que exige o salvamento de pessoas e bens em risco de naufrágio e a intervenção humanitária - e a do direito dos países impedirem o desembarque nas suas costas. Por vezes, como aconteceu com o Lifeline, estas perspetivas entram em rota de colisão.

O direito de asilo num determinado Estado não é sinónimo de direito de admissão, já que o Direito Internacional outorga aos Estados o poder discricionário de admitir estrangeiros no seu território, adiantou o também diretor de Estudos da Sociedade Portuguesa de Direito Internacional.

"Os Estados costeiros, como Itália têm o direito de admitir ou não navios nos seus portos e isto cruza-se com a questão de saber se aquelas pessoas não têm desde logo um estatuto especial porque foram salvas de uma situação de naufrágio. É como se tivéssemos dois regimes jurídicos em paralelo que, neste momento, há necessidade de serem cruzados", destacou, assinalando que as regras "não foram feitas" para situações como a que se vive atualmente no Mediterrâneo e que seria "utilíssimo" um tratado europeu sobre a matéria que defina quem tem o direito e o dever de proceder ao salvamento, regras de admissão nos portos, etc.

"Infelizmente estas regras do Direito Internacional, às vezes não evoluem com a rapidez que devem evoluir. A partir do momento em que vemos que o perigo decorre de uma situação intencional era muito bom que se pudessem criar regras específicas", salientou o investigador do Centro de Investigação de Direito Público, acrescentando que as embarcações que atravessam o Mediterrâneo sem condições normais de navegabilidade podem "levar a uma situação de naufrágio", pondo em causa "o espírito do direito internacional nesta matéria".