Portugal está a “passar dos limites”, pelo menos no que diz respeito aos limites por si impostos no que toca ao controlo da pandemia.

Recordemos: Para que o desconfinamento possa prosseguir — ou, pelo menos, manter-se — é necessário que o país se mantenha abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes e com o índice de transmissibilidade, o R(t), abaixo de 1.

Ora, conforme o mais recente boletim da Direção-Geral da Saúde hoje nos aponta, o verde continua a tomar tons perigosamente amarelados na matriz gráfica. Isto porque o R(t) já se encontra a 1,03 a nível nacional — na última sexta-feira, estava nos 0,95.

Nas últimas semanas, temos visto concelhos a avançar e recuar nos seus níveis de (des)confinamento por conta da ditadura das métricas pandémicas: este fim de semana, Montalegre e Odemira dão um passo atrás, enquanto Resende dá um à frente. No entanto, se as tendências de aumento e recuo dos casos se têm circunscrito a nível local, há um movimento de fundo que pode tornar-se preocupante às portas do verão.

O "aumento dos valores do índice de transmissibilidade deve ser acompanhado com atenção durante a próxima semana pois pode sinalizar o início de um período de crescimento da epidemia", lê-se no relatório das chamadas “linhas vermelhas” da pandemia, elaborado pela DGS e pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, já o tinha frisado ontem, após o Conselho de Ministros, e agora são as autoridades de saúde a alertar para o mesmo: embora tenuamente, é possível que o número de casos em Portugal esteja a começar a crescer.

A esse respeito, nenhuma zona do país inspira mais cuidados que a região de Lisboa e Vale do Tejo, onde o R(t) é já de 1,11 — é quase laranja — e se verifica “uma tendência crescente, mais acentuada” que nas outras regiões, o que tem contribuído para a subida da média nacional.

O que explica este aumento? Essa é a questão incómoda do momento. Além dos riscos de transmissibilidade naturalmente decorrentes das regras menos estritas do desconfinamento, avolumam-se as suspeitas de que os festejos do título de campeão nacional do Sporting no passado dia 11 possam ter contribuído para mais casos.

É certo que as celebrações ocorreram a nível nacional, mas foi em Lisboa onde se deram as maiores concentrações. Tanto o epidemiologia Manuel Carmo Gomes como o matemático Óscar Felgueiras defendem que os festejos do Sporting estão relacionados com o aumento.

“Há aqui uma coincidência temporal com os festejos que houve do Sporting e há uma forte probabilidade de haver aqui uma associação. O que se observa claramente é que este aumento é algo significativamente diferente do comportamento do resto do país. Num concelho grande, como é o caso, não basta um ou outro surto, tem de haver mais do que isso. Lisboa tem meio milhão de pessoas, tem de haver aqui um fenómeno de dimensão maior a explicar isso e é legítimo pensar que há aqui uma associação com os festejos”, disse Felgueiras ao Público.

Já Carmo Gomes não foi tão perentório, mas fala em “forte plausibilidade” na ligação entre os dois fatores à TSF, especialmente porque “há um salto na incidência do grupo dos 20 aos 29 anos” em Lisboa e Vale do Tejo.

Esta leitura, porém, não é unânime entre os especialistas — Tiago Correia, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Lisboa, por exemplo, rejeita a tese —, nem o próprio Governo a subscreve: Mariana Vieira da Silva negou-a ontem e a DGS adiantou na quarta-feira que “não existe reporte de surtos relacionados com os festejos do Sporting”.

O que é certo é que, apesar dos apelos dos especialistas para que os participantes nos festejos se testassem em massa, as autoridades de saúde registaram uma redução do total de despistes na última semana: um total de 256.868, o que representa menos 5.674 do que os 262.542 testes realizados nos sete dias anteriores.

Ainda estará bem presente na memória dos habitantes da Área Metropolitana de Lisboa o incremento de restrições que viveram no verão passado enquanto o resto do país desconfinava — resta saber se a situação agora volta a repetir-se.