Os dois arranjaram-se para sair bem na fotografia, mas não houve sorrisos entre os recém-casados. O motivo é óbvio: a união de espanhola e de um austríaco foi o único casamento celebrado no campo de concentração nazi de Auschwitz.

A recordação de um doce intervalo no meio da escuridão: o casamento autorizado pelos nazis desses dois amantes, registado no dia 18 de março às 11 da manhã de 1944 pelo serviço de registo civil do campo.

"Como ocorreu um evento tão singular?", pergunta o autarca social-democrata de Viena, Michael Ludwig, no preâmbulo do catálogo da exposição.

"Rudolf Friemel, designado para a manutenção dos veículos da SS, tinha melhores condições de detenção que os demais presos", explica Ludwig. "Mas o privilégio excecional de poder casar-se permanece inexplicável até hoje", acrescenta.

O anúncio da cerimónia foi um raro momento de alegria para muitos presos, que enviaram aos noivos cartões comoventes, agora mostrados ao público.

Margarita Ferrer Rey, que morava na Áustria com o filho do casal, então com três anos, o pai e o irmão do detido foram notificados por telegrama e autorizados a viajar para Auschwitz.

Rudolf Friemel, enviado para este campo de extermínio em 1942, foi um conhecido resistente anti-fascista — lutou ao lado das Brigadas Internacionais contra as forças franquistas na Guerra Civil Espanhola, em 1936. Parte da resistência em França, foi detido no final de 1941 pela Gestapo, a polícia secreta nazi, e enviado para Auschwitz.

Lá, foi autorizado a deixar o cabelo crescer e usar um traje civil para o seu casamento. Um recinto, localizado no bordel do campo, foi disponibilizado ao casal para a noite de núpcias.

Mas o feliz hiato durou pouco. Por ter ajudado a organizar uma tentativa de fuga, Rudolf Friemel foi enforcado em dezembro, deixando cartas e poemas angustiantes para a sua esposa e filho, que foram morar na França após a guerra.

Esses documentos de grande valor histórico foram doados em 2017 por um neto, Rodolphe Friemel, de 48 anos, que carrega o nome do avô e concordou em entregá-los para garantir a sua preservação.

"Administrativamente, este casamento é importante porque sem ele não teríamos todos estes arquivos", explica à AFP por telefone do sul da França, onde mora. Mas "o mais interessante", continua ele, "é que se vê que pode haver amor no meio do horror".

"Talvez os meus avós tenham feito tudo isto com o único propósito de se verem novamente", pondera, décadas após a morte de Margarita, em 1987.