Entre 1962 e 1965 ocorreu o Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII, que haveria de participar apenas na primeira sessão, sendo as restantes três presididas pelo seu sucessor, o Papa Paulo VI. Participaram mais de dois mil bispos de todo o mundo que procuraram atualizar a doutrina da Igreja Católica, tendo em conta a sociedade contemporânea. Com temas variados — desde aspetos litúrgicos à relação com as religiões não-cristãs —, saíram deste encontro 16 documentos: quatro constituições, nove decretos e três declarações.
Um dos decretos incide sobre os meios de comunicação social e tem como título “Inter Mirifica”, datando de 4 de dezembro de 1963. Nele é referido que os meios de comunicação social “podem atingir e mover não só cada um dos homens mas também as multidões e toda a sociedade humana”, podendo também ser considerados um instrumento da Igreja para “pregar a mensagem de salvação”.
Neste sentido, e para que o documento e os conceitos nele presentes não fossem esquecidos, foi implementado um Dia Mundial que “deve celebrar-se em cada ano em todas as dioceses do mundo, a juízo do Bispo”. Assim, há 52 anos que o Papa decreta o Dia Mundial das Comunicações Sociais, celebrado na solenidade da Ascensão, 40 dias depois da Páscoa (embora agora assinalada liturgicamente, em alguns países, no domingo seguinte).
A 24 de janeiro de cada ano, dia de São Francisco de Sales — padroeiro dos jornalistas, escritores e de quem trabalha nos meios de comunicação — o Papa deixa uma mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, definindo também um tema.
Celebrado este ano a 13 de maio de 2018, o tema do Dia Mundial das Comunicações Sociais é inspirado num versículo do Evangelho de São João: “A Verdade vos tornará livres (Jo 8, 32). Fake news e jornalismo de paz”. Com este apelo para “prevenir a difusão das notícias falsas e para redescobrir o valor da profissão jornalística e a responsabilidade pessoal de cada um na comunicação da verdade”, o Papa Francisco pretende chamar a atenção para o mundo que nos rodeia.
A história das “fake news” não é nova, também está escrita no Génesis
Para Francisco, as notícias falsas podem ser definidas como “informações infundadas, baseadas em dados inexistentes ou distorcidos, tendentes a enganar e até manipular o destinatário”. Por isso, é preciso olhar com atenção e perceber quando isto acontece.
“Não é tarefa fácil, porque a desinformação se baseia muitas vezes sobre discursos diversos, deliberadamente evasivos e subtilmente enganadores, valendo-se por vezes de mecanismos refinados. Por isso, são louváveis as iniciativas educativas que permitem aprender como ler e avaliar o contexto comunicativo, ensinando a não ser divulgadores inconscientes de desinformação, mas atores da sua descoberta”, lê-se na mensagem.
A técnica das notícias falsas segue a “lógica da serpente”, diz o Papa. “Trata-se da estratégia utilizada pela serpente — «o mais astuto de todos os animais», como diz o livro do Génesis (cf. 3, 1-15) — a qual se tornou, nos primórdios da humanidade, artífice da primeira fake news, que levou às trágicas consequências do pecado, concretizadas depois no primeiro fratricídio (cf. Gn 4)”.
Olhando para a atualidade, como ligar tudo isto às fake news? O Papa Francisco considera que “este episódio bíblico revela assim um facto essencial para o nosso tema: nenhuma desinformação é inofensiva; antes pelo contrário, fiar-se daquilo que é falso produz consequências nefastas. Mesmo uma distorção da verdade aparentemente leve pode ter efeitos perigosos”, referiu.
Estas notícias “propagam-se com grande rapidez e de forma dificilmente controlável”, pelo que é preciso agir. É preciso “educar para a verdade”, diz o Papa. E é precisamente isso que espelha o Evangelho de São João, quando é referido “a Verdade vos tornará livres”.
O convite para um jornalismo de paz
Lutar contra as notícias falsas não é impossível. Para Francisco "o melhor antídoto contra as falsidades não são as estratégias, mas as pessoas: pessoas que, livres da ambição, estão prontas a ouvir e, através da fadiga dum diálogo sincero, deixam emergir a verdade; pessoas que, atraídas pelo bem, se mostram responsáveis no uso da linguagem”.
É aqui que o jornalista, “guardião das notícias”, tem um papel fulcral, diz. “No mundo atual, ele não desempenha apenas uma profissão, mas uma verdadeira e própria missão. No meio do frenesim das notícias e na voragem dos furos jornalísticos, tem o dever de lembrar que, no centro da notícia, não estão a velocidade em comunicá-la nem o impacto sobre a audiência, mas as pessoas. Informar é formar, é lidar com a vida das pessoas”.
Por isso, Francisco deixa um apelo à Comunicação Social. “Desejo convidar a que se promova um jornalismo de paz, sem entender, com esta expressão, um jornalismo ‘bonzinho’, que negue a existência de problemas graves e assuma tons melífluos. Pelo contrário, penso num jornalismo sem fingimentos, hostil às falsidades, a slogans sensacionalistas e a declarações bombásticas; um jornalismo feito por pessoas para as pessoas e considerado como serviço a todas as pessoas, especialmente àquelas — e, no mundo, são a maioria — que não têm voz”, pede Francisco.
É preciso “um jornalismo que não se limite a queimar notícias, mas se comprometa com a procura das causas reais dos conflitos, para favorecer a sua compreensão e a sua superação através de processos virtuosos; um jornalismo empenhado a indicar soluções alternativas ao aumento do clamor e da violência verbal”, conclui o Papa Francisco.
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