Há um Clube Fantástico. É o clube de leitores da Caminho, editora que traz à estampa os livros de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, com o seu grupo de amigos que, lá está, vive há anos as mais incríveis aventuras, seja atravessando o Douro num túnel do Porto a Gaia, seja fugindo do Tritão no topo da Serra de Sintra. Está-se escrevendo, porém, um novo capítulo, que em vez de trazer as gémeas e os rapazes, traz um primeiro-ministro, um semanário, um presidente da República e um par de partidos da esquerda.
Na segunda parte da entrevista que António Costa deu ao ‘Expresso’, o primeiro-ministro faz dois ultimatos: primeiro, questionado sobre a possibilidade de existir um problema de "vacatura à direita" caso Marcelo Rebelo de Sousa decida não se recandidatar nas próximas eleições presidenciais, admite "um problema grave no conjunto do país, que dá isso por adquirido e se sente confortável com o Presidente”; depois, sobre o Orçamento do Estado 2021, disse, para a esquerda, que “se não houver acordo, é simples: não há Orçamento e há uma crise política. Aí estaremos a discutir qual é a data em que o presidente [da República] terá de fazer o inevitável”.
O “inevitável”, contudo, é algo que o próprio Marcelo passou a semana a afastar, mesmo antes da publicação da entrevista. Ainda na sexta-feira, na abertura da Feira do Livro do Porto, Marcelo Rebelo de Sousa explicou que quando afirmou que ao clima de pandemia e de crise económica e social não fazia sentido juntar uma crise política disse aquilo que “qualquer pessoa sensata diria”.
Num recado sobretudo dirigido aos parceiros de esquerda do PS no parlamento, António Costa considera que "quem não quer assumir responsabilidades deve dedicar-se a outra atividade", porque a atividade política requer "assunção de responsabilidades". "Os outros partidos não querem ter responsabilidades pelo desemprego de janeiro de 2022? Quem foge das responsabilidades relativamente aos problemas foge da responsabilidade de definir as soluções. Se queremos que haja menos desemprego em 2022, temos de atempadamente definir as políticas", defendeu.
Confrontado com o cenário de os partidos de esquerda deixarem o PS e o Governo sozinhos com o PSD na viabilização do Orçamento do próximo ano, o primeiro-ministro disse que não irá pedir aos sociais-democratas que votem contra ou que se abstenham.
"O que quero deixar muito claro, e já o deixei ao PCP e ao BE, é que, se sonham que vão colocar o PS na condição de ir negociar com o PSD a continuação do Governo, podem tirar o cavalinho da chuva, pois não negociaremos à direita a subsistência deste Governo", frisou António Costa.
Mas Catarina Martins deixou outro recado: “Não é o primeiro ultimato sobre crise política. Não resolve nada e não mobiliza ninguém. Precisamos, isso sim, de respostas fortes à crise sanitária, social e económica", pode ler-se numa publicação feita hoje pela coordenadora do Bloco de Esquerda na rede social Twitter. A líder do BE acrescentou, na publicação em que reagia à entrevista de António Costa, que as respostas à crise devem acontecer "desde logo, no OE2021" [Orçamento do Estado para 2021], e que o seu partido "concentra-se nas soluções para o país".
Na quinta-feira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já tinha pedido diálogo para a viabilização do Orçamento do Estado para 2021, que considerou um instrumento fundamental para a aplicação dos fundos europeus, e avisou que não vai alinhar em crises políticas.
Em declarações aos jornalistas, no início de uma visita, desta vez, à Feira do Livro de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "o Presidente da República não vai alinhar em crises políticas, portanto, desenganem-se os que pensam que, se não houver um esforço de entendimento, vai haver dissolução do parlamento no curto espaço de tempo que o presidente tem para isso, que é até ao dia 8 de setembro".
"Isso é uma aventura. Em cima da crise da saúde e da crise económica uma crise política, era a aventura total. A alternativa seria uma crise a prazo, isto é, o Presidente empossado no dia 09 de março, seja ele quem for, estar a dissolver para eleições em junho. Isto não existe, isto é ficção. Portanto, uma crise política ou a ameaça de crise política é ficção", acrescentou.
“Quando disse que, neste clima que é de pandemia e de crise económica e social, não fazia sentido juntar uma crise política disse aquilo que acho que qualquer pessoa sensata diria, disse aquilo que sinto que está na cabeça dos portugueses”, disse o chefe de Estado, já ontem, no Porto.
Estas são as premissas da história. As personagens alinham-se, o enredo desenha-se. Todavia, parece ainda estarmos apenas a subir a curva dramática desta aventura.
Comentários