A TAP, que voltou à esfera do Estado em 2016, após a reversão da privatização pelo Governo de António Costa, tem sido alvo de críticas do executivo, com destaque para o ministro da tutela, Pedro Nuno Santos.
Hoje, o primeiro-ministro afirmou que a Comissão Executiva da TAP tem o dever legal de "gestão prudente" e disse que "não tem credibilidade" um plano de rotas sem prévia informação sobre a estratégia de reabertura de fronteiras de Portugal, depois de a companhia aérea ter revelado as retomas de voos que prevê para junho e julho.
Ao final do dia, o Conselho de Administração do grupo indicou que irá "ajustar" o plano de retoma de rotas anunciado, garantindo que este ficará “subordinado aos constrangimentos legais” à mobilidade, por causa da pandemia de covid-19.
A companhia aérea é detida a 45% pelos privados da Atlantic Gateway (Humberto Pedrosa e David Neeleman), em 50% pelo Estado, através da Parpública, e em 5% pelos trabalhadores, mas a gestão, assegurada pela Comissão Executiva, cabe aos privados.
Entre os pontos que têm suscitado dúvidas ao Estado está a atribuição de prémios em ano de prejuízos, a forma como será dado apoio para minimizar as consequências da pandemia e o novo plano de retoma de rotas.
São estes os "desacordos" entre a TAP e o Governo:
Os resultados pouco satisfatórios:
Os prejuízos que a TAP tem vindo a acumular durante a atual gestão já motivaram críticas do Governo. Em fevereiro, ainda antes de a pandemia de covid-19 se disseminar em Portugal, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, disse que o orçamento que a comissão executiva da TAP apresentou ao Conselho de Administração, onde o Estado está presente, para 2018 e 2019 previa lucro e que o prejuízo de 105,6 milhões de euros "não foi um desvio qualquer".
"O orçamento da TAP que a Comissão Executiva apresentou ao Conselho de Administração para 2018 e para 2019 previa lucro. Aquilo que nós tivemos não foi um desvio qualquer, de lucro para mais de 100 milhões de euros de prejuízo", referiu o ministro.
Questionado sobre as afirmações do presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, de que a companhia não terá lucros nos próximos dois anos, o ministro das Infraestruturas reconheceu que uma empresa que faz um investimento grande, como a renovação da frota de aeronaves, "precisa de um conjunto de anos até poder ver os resultados positivos dessa aposta estratégica".
No entanto, Pedro Nuno Santos admitiu que "a verdade é que a TAP continua a dar prejuízos avultados", o que não estava previsto no orçamento de 2018 e 2019.
Os prémios atribuídos
Há aproximadamente um ano, a Lusa noticiou que que a companhia aérea pagou prémios de 1,171 milhões de euros a 180 trabalhadores, incluindo dois de 110 mil euros atribuídos a dois quadros superiores.
A Comissão Executiva da TAP justificou a atribuição dos prémios com o "programa de mérito" implementado pela companhia, que diz ter sido "fundamental" para os resultados atingidos em 2018, mas o assunto acabou por gerar polémica, não só entre os sindicatos da empresa, mas também com o Governo.
O Ministério das Infraestruturas e da Habitação falou mesmo em "quebra de confiança entre a Comissão Executiva e o maior acionista da TAP, o Estado português".
Mais recentemente, em fevereiro, Pedro Nuno Santos relacionou a atribuição de prémios com os resultados da companhia. "Diz o bom senso que, perante um quadro destes em que é prometido o lucro e o resultado final é de prejuízo acima de 100 milhões de euros, que se abstivessem de distribuir prémios, por respeito para com o povo português e para com a esmagadora maioria dos trabalhadores da TAP que não vão receber nada", reiterou Pedro Nuno Santos.
Pedro Nuno Santos relembrou que o Estado não está representado na Comissão Executiva, que tem a competência de determinar a política remuneratória, embora haja uma comissão de recursos humanos onde está também presente.
"A única coisa que posso dizer neste momento é que nós estamos representados no Conselho de Administração", afirmou o ministro, insistindo que, nesta fase, o Governo quer ser "muito claro e assertivo" sobre o facto de achar "imoral que se distribuam prémios a uma pequena minoria de trabalhadores de topo da TAP, numa empresa que tem um universo de 10 mil trabalhadores".
Por sua vez, Antonoaldo Neves disse que o pagamento de prémios "foi feito com base num processo claro, alinhado com as melhores práticas, e não é primeira vez que uma empresa ou a própria TAP paga prémios em anos de prejuízos". O gestor falou, em julho do ano passado, no parlamento, acrescentando que isso aconteceu também no passado quando a empresa era 100% detida pelo Estado.
A intervenção por causa da pandemia
A pandemia de covid-19, que levou à quase paralisação da atividade da TAP e ao 'lay-off' da maioria dos seus trabalhadores, colocou a companhia numa posição complicada, com o Estado a analisar soluções, mas não sem avisar sobre as consequências para a gestão privada.
No dia 29 de abril, Pedro Nuno Santos afirmou no parlamento que qualquer intervenção na TAP "implicará que o Estado português, através do Governo, acompanhe todas as decisões que serão tomadas nos próximos tempos com impacto relevante na vida e no futuro da empresa", afirmou o governante, que adiantou que está a ser estudado o modelo de apoio.
"A música agora é outra no que diz respeito à TAP", afirmou, sublinhando que a companhia aérea, "sem intervenção pública, não tem qualquer possibilidade de sobreviver".
"É bom que todos sejamos conscientes que a nossa missão será salvar a TAP e não nenhum acionista em particular, obviamente que estamos disponíveis e interessados que os nossos parceiros na empresa acompanhem qualquer intervenção na empresa, mas têm de acompanhar", caso contrário isso terá "necessariamente consequências na relação societária" da empresa, alertou.
O ministro colocou depois, em maio, a dívida da TAP nos 3,3 mil milhões de euros, incluindo mil milhões de euros de endividamento financeiro líquido e o resto em contratos de 'leasing' de aviões.
"Precisamos, no momento zero, de fazer uma intervenção de emergência que garanta a liquidez da empresa", acrescentou o governante, no Parlamento.
De acordo com Pedro Nuno Santos, uma "intervenção de emergência" na TAP não pode esperar muito mais e só depois se fará um plano estratégico, de restruturação e de negócios.
No dia 13 de maio, o secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, disse que o Governo espera ter uma decisão sobre a injeção de dinheiro na TAP, companhia aérea que quase parou devido à covid-19, em meados de junho, esperando que haja uma melhor "fundamentação técnica" do pedido de auxílio da companhia aérea ao Estado até ao final do mês.
O secretário de Estado do Tesouro referiu que "o pedido de auxílio tem de partir da administração da TAP", referindo que o executivo já recebeu um pedido inicial que versava sobre "várias matérias", uma das quais a "garantia [pública] a um empréstimo que a TAP pretende obter", no valor de 350 milhões de euros.
O primeiro-ministro, António Costa, assegurou no início de maio que só haverá apoio à TAP com "mais controlo e uma relação de poderes adequada", mas assegurou que a transportadora aérea continuará a "voar com as cores de Portugal".
A gestão de apreciação "negativa"
Pedro Nuno Santos tem vindo a alertar para problemas de gestão do grupo TAP.
"Não é por eu ser ministro que vou passar a dizer que a empresa foi bem gerida. Eu faço uma apreciação já negativa dos resultados que a nossa empresa TAP já vinha a apresentar antes da covid-19. Eu acho que a empresa TAP, já antes da covid-19, não estava bem, que a empresa não estava a ser bem gerida antes da covid-19, pronto está dito aquilo que eu acho", afirmou, em abril, no parlamento.
E acrescentou que o Governo optará pela solução para a TAP que melhor defender "o povo português e a economia do país".
A retoma de rotas
O plano de retoma de rotas, a partir de junho, apresentado esta semana pela transportadora transformou-se num novo ponto de fricção com o Governo central e com vários autarcas do Norte, tendo em conta que a maioria dos voos terão como destino ou origem o aeroporto de Lisboa.
O primeiro-ministro afirmou hoje à Lusa que a Comissão Executiva da TAP tem o dever legal de "gestão prudente" e "não tem credibilidade" um plano de rotas sem prévia informação sobre a estratégia de reabertura de fronteiras de Portugal.
António Costa começou por frisar que "a gestão das fronteiras é responsabilidade soberana do Estado português" e que a presente pandemia de covid-19 "exigiu e exige por tempo ainda indeterminado a imposição de restrições na circulação nas fronteiras terrestre, marítima e aérea".
"Não tem credibilidade qualquer plano de rotas definido pela TAP sem a prévia informação sobre a estratégia de reabertura de fronteiras definida pela República Portuguesa", acentuou o primeiro-ministro.
António Costa disse mesmo ver-se "obrigado a recordar à Comissão Executiva da TAP os deveres legais de gestão prudente e responsável da companhia".
Na segunda-feira à tarde, também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que "acompanha a preocupação manifestada por vários partidos políticos e autarcas relativamente ao plano de retoma de rotas da TAP, em particular no que respeita ao Porto".
Este plano foi criticado pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, e autarcas de municípios como Gondomar, Valongo e Vila Real e por dirigentes do PS, do PCP e do BE, entre outros.
Já no final do dia de hoje, o Conselho de Administração da TAP anunciou que irá "adicionar e ajustar os planos de rota anunciados para este momento de retoma por forma a procurar ter um serviço ainda melhor e mais próximo a partir de todos os aeroportos nacionais onde a TAP opera”.
Os administradores indicaram ainda que este plano “considerando o período difícil que Portugal atravessa, ficará, naturalmente, subordinado aos constrangimentos legais que existam quanto à mobilidade das pessoas e ao transporte aéreo”.
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