A pergunta paira no ar, numa Washington nervosa e dividida.
Os livros de história vão registar que a maioria do Senado dominado pelos republicanos absolveu o presidente das duas acusações apresentadas contra ele: abuso de poder e obstrução ao Congresso.
Para Trump, o veredicto apoia a sua alegação de que não fez nada de errado, ao pressionar a Ucrânia a investigar o seu rival eleitoral democrata Joe Biden. Vários republicanos reconheceram que o comportamento de Trump foi incorreto, mas não viram nele justificação suficiente para impor um impeachment.
Apenas um dos senadores republicanos, Mitt Romney, rompeu fileiras para condenar a atitude do seu correligionário e votou contra no julgamento político.
Com o encerramento do processo de destituição, os críticos de Trump dizem que é provável que, agora, o presidente abuse do poder do seu cargo, sem temor.
"Não vai mudar", disse Adam Schiff, o congressista democrata que dirigiu o processo. "Um homem sem caráter, ou bússola ética, nunca vai encontrar o seu caminho", criticou.
Estrategista republicano que se opõe a Trump, Rick Wilson publicou ontem, numa coluna no jornal "Daily Beast", que imaginou um Trump "enlouquecido e sem freios", a sonhar que "a vingança se aproxima".
Regras quebradas
Desde a sua surpreendente ascensão ao poder em 2016, Trump procurou atuar nas brechas jurídicas e violar normas — ou, segundo os críticos, as leis.
Trump é oriundo de um contexto empresarial, no qual está acostumado a obter o que quer. Como personalidade de um reality show ("O aprendiz"), interpretou a personagem de um chefe omnipotente que demitia funcionários com o movimento de um dedo.
Sem experiência política, o magnata menosprezou claramente as tradições, os intermináveis protocolos e regras, assim como as inúmeras camadas de segurança que cercam e caracterizam a Presidência.
Nos primeiros dias de gestão — informou o jornalista Bob Woodward —, os seus ajudantes tinham de retirar documentos-chave do escritório de Trump antes que ele pudesse assiná-los. Entre estes papéis estava uma carta que colocava fim, abruptamente, a um acordo comercial com a Coreia do Sul.
Um a um, foram desaparecendo do núcleo decisório da Casa Branca os nomes que confrontavam a sua opinião. Quando não renunciavam, como fez o agora ex-secretário da Defesa James Mattis, foram demitidos, como o então conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton.
Fora da Casa Branca, Trump também fez valer a sua vontade.
Uma grande investigação sobre a sua relação comercial e política com os russos e as acusações de que a sua campanha eleitoral fez um conluio com os agentes do Kremlin terminaram num escândalo que não causou danos graves.
Nem mesmo o processo de impeachment resistiu.
Lições aprendidas?
A senadora Susan Collins fez parte do grupo de legisladores republicanos que criticaram as ações de Trump em relação à Ucrânia. Ela espera, porém, que a experiência o faça moderar a sua conduta futura.
"Acredito que o presidente aprendeu algo com este caso", opinou. "O presidente foi acusado e essa é uma grande lição", completou.
Outra senadora republicana, Joni Ernst, afirmou que Trump, provavelmente, "passará pelos canais adequados" a partir de agora, quando fizer contactos com personalidades estrangeiras, ao contrário da sua inadequada postura com o presidente da Ucrânia.
Schiff e muitos outros democratas não têm tanta confiança.
"Fez isto antes e voltará a fazer", apontou o legislador democrata.
Maureen Dowd, uma colunista veterana do jornal "The New York Times", crítica frequente de Trump, referiu-se ao republicano como um "Godzilla" pronto para se tornar selvagem.
"O Partido Republicano perdeu agora qualquer controlo que poderia exercer sobre este presidente, qualquer supervisão que poderia ter", escreveu.
Já o professor de Ciência Política, John Mueller, da Universidade Estadual de Ohio, disse à AFP que Washington pode respirar com um certo alívio.
"Duvido que Trump se sinta mais livre", considerou Mueller. "Ele já atropelou as normas da imigração, tarifárias, etc. Pode ser que tenha aprendido a sua lição", completou.
*Por Sebastian Smith / AFP
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