A colossal campanha de vacinação recorre a duas vacinas: a Covaxin, desenvolvida pela empresa de biotecnologia Bharat Biotech e pelo Conselho Indiano de Pesquisa Médica, e a Covishield, da AstraZeneca e Universidade de Oxford, ambas produzidas pelo Instituto Serum da Índia.
Cerca de 300 milhões de pessoas (o equivalente à população dos Estados Unidos) deverão ser inoculadas até julho, na primeira fase da campanha de vacinação, num país com 1,3 mil milhões de habitantes.
A Covaxin recebeu aprovação de emergência no início de janeiro, antes da conclusão dos ensaios da fase 3.
O Governo indiano indicou que a vacina desenvolvida no país foi aprovada em “modo de ensaio clínico”, o que significa, na prática, que a campanha de vacinação substitui a fase 3.
O anúncio chocou a organização independente que fiscaliza o setor farmacêutico, a All India Drug Action Network (AIDAN).
De acordo com Prabir Chatterjee, médico e especialista em programas de imunização em Bengala ocidental, a aprovação também “irritou muitos médicos e cientistas de topo”.
“Suponho que a vacina da Bharat Biotech, depois de ser avaliada, poderia ser a melhor, a mais barata e a mais prática para os países em desenvolvimento”, disse o médico à agência de notícias France-Presse (AFP). “Mas (…) penso que não deveríamos iniciar o processo de vacinação e utilizá-la antes de ter sido testada”, defendeu.
O laboratório indiano, um dos mais importantes a nível mundial, já forneceu mais de três mil milhões de vacinas contra doenças como a encefalite japonesa e a hepatite B, mas tem tido dificuldades nos ensaios clínicos da Covaxin, tendo recrutado apenas metade dos 26.000 voluntários necessários.
Os críticos denunciam igualmente abusos no recrutamento de voluntários, em alguns casos feito em comunidades pobres, a troco do pagamento de 750 rupias (cerca de seis euros), como aconteceu no estado de Bhopal, sem esclarecer os participantes sobre os riscos associados.
Um funcionário de um parceiro local do laboratório, Rajesh Kapur, disse à AFP que todos os protocolos foram respeitados e que os participantes foram informados sobre os ensaios antes de darem o seu consentimento informado.
No entanto, dez participantes ouvidos pela AFP disseram que não foram informados do objetivo específico das injeções ou dos riscos envolvidos.
“Eles não disseram uma palavra [sobre os ensaios]. Deram a injeção, deram o dinheiro e pediram-me para sair”, contou Mannsingh Parihar, de 70 anos, à AFP.
O septuagenário foi vacinado no dia 21 de dezembro, antes de ser pago pelo “tratamento contra a covid”, juntamente com mais quatro pessoas, não tendo recebido qualquer formulário de consentimento, apesar de ser obrigatório em ensaios farmacêuticos.
A imprensa indiana também noticiou casos semelhantes denunciados por organizações não-governamentais (ONG).
“Não foi obtido consentimento informado, não foram registados efeitos adversos, não foi feita nenhuma vigilância e não foi realizado nenhum acompanhamento”, disse à AFP a ativista social Rachna Dhingra.
“Os ensaios clínicos devem ter uma certa qualidade. Requerem procedimentos apropriados e uma coleta de dados adequada”, apontou o investigador em bioética e políticas de saúde Anant Bhan. “Quando isso não acontece, é evidente que a qualidade e a fiabilidade dos dados poderão ser postas em causa”, frisou.
A Bharat Biotech não respondeu às questões enviadas pela AFP.
Desde o início da pandemia, a Índia contabilizou mais de 10,5 milhões de casos do novo coronavírus (10.527.683), mantendo-se como o segundo país com mais infeções, atrás dos Estados Unidos, que no último balanço contavam com mais de 23 milhões.
Com um total de 151.918 mortes, a Índia é o terceiro país do mundo com mais óbitos, a seguir aos Estados Unidos e ao Brasil, de acordo com a contagem da Universidade norte-americana Johns Hopkins. O país tem atualmente 213.027 casos ativos da doença.
Só no último dia, a Índia registou 191 mortos e 15.590 infetados, segundo o Ministério da Saúde indiano.
A pandemia de covid-19 provocou pelo menos 1.979.596 mortos resultantes de mais de 92,3 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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