As chamas chegaram depressa a Louriceira, no concelho de Mação, como chegam quase sempre.
Ao início da tarde de quinta-feira, o vereador da Câmara de Mação, Vasco Marques, procurava convencer uma família com um idoso, duas mulheres e duas crianças pequenas a sair.
"Estavam em pânico e insistiam em ficar. Diziam que a casa ardia e que perdiam tudo: a casa, as carrinhas, o cão e as cabras. Gritavam: "Nós não vamos para o lar"", conta à Lusa o vereador, que ameaçou que levava as crianças à força se o resto da família não quisesse sair.
Só quando o lume cercou a casa é que fugiram. No jipe de Vasco Marques, foram sete pessoas, com o vereador sentado no colo do avô da família, que tinha medo que o condutor, um primo seu, "não fosse capaz de passar pelo meio das chamas".
Para trás, sabia que ficavam cinco pessoas: duas irmãs com uma casa em bom estado, um pai e um filho com condições para lutar e Pedro Silva, que queria salvar a casa dos pais, entretanto retirados.
Assim que chega à localidade mais próxima - Serra - certifica-se que a família fica bem e recebe a notícia de que havia oito mortos na Louriceira. Lembra-se dos cinco que lá ficaram, pensa que também bombeiros poderão ter morrido e recorda-se da última imagem que tinha de Pedro, cercado pelo lume, antes de sair da localidade.
Pedro Silva, de 39 anos, assim que chegou à casa dos seus pais viu-se rodeado pelas chamas, que apareciam de todos os lados.
"Só tive tempo de esticar as mangueiras, ligar o motor e tentar apagar o que conseguisse. Nunca pensei em desistir. Pensei sempre em aguentar até ao fim", realça o habitante de Vila de Rei, mas natural daquela aldeia de Mação, que foi recebendo várias chamadas de familiares que pensavam que tinha morrido.
Não havia tempo para atender o telemóvel. "Ou apagava as chamas ou falava com as pessoas".
Durante todo o tempo, apenas pensava na filha, de sete anos.
"Pensava que, um dia mais tarde, a casa poderia ser para ela e que se poderia lembrar que o pai tentou salvar a casa. Era o meu pensamento. Não pensava em mais nada", conta, de voz embargada, limpando os olhos escondidos por detrás de uns óculos de sol.
Cercado, com o lume a "rebentar por todo o lado", deitou-se no chão com a agulheta da mangueira para tentar conter as chamas. Não conseguiu e o fumo já não o deixava respirar.
"Atirei-me para dentro do tanque", diz, apontando para um pequeno tanque que mal dá para uma pessoa, junto à casa dos pais.
Ficou lá submerso durante "cinco a dez segundos". Foi o que bastou para se salvar, garante.
O incêndio acabou por passar e a casa dos pais de Pedro, condutor numa empresa em Chão de Codes, salvou-se.
Já na aldeia da Serra, o vereador Vasco Marques, depois de saber do rumor de mortos, ganha coragem e, juntamente com o primo, regressa à Louriceira, por uma pequena estrada, com eucaliptos a arder dos dois lados, para se certificar que estava toda a gente viva.
Confirma os primeiros quatro, no centro da aldeia, mas faltava Pedro Silva, que tinha combatido as chamas numa zona mais afastada, no cimo de outro monte.
"Não via o Pedro". Decidiu passar por uma zona ainda com algumas chamas para chegar ao local onde o tinha visto.
Encontrou-o "sujo, molhado, mas vivo e isso era o mais importante. Demos um grande abraço e chorámos".
Aquele abraço, depois de ter pensado no pior, foi "a maior alegria" que teve nos últimos dias, conta.
"Não me vou esquecer disto", vinca Pedro Silva, que agora olha para o negrume à volta da casa dos pais e diz que gostava que a sua filha ficasse pelo concelho.
Diz, mas não acredita no que diz.
"Não há futuro aqui para a minha filha. As pessoas daqui têm que fugir para outro lado".
As casas devolutas que arderam na Louriceira, nota Vasco Marques, foram em tempos de pessoas que por ali viveram.
"Há 20 anos, a Louriceira teria o triplo dos habitantes. Mas as pessoas são cada vez menos. O fogo é mais um motivo para que as pessoas desistam", lamenta.
Por João Gaspar, da Agência Lusa
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