O decreto-lei n.º 17/2020, publicado hoje em Diário da República (DR) e que entra em vigor na sexta-feira, estabelece “medidas excecionais e temporárias relativas ao setor do turismo, no âmbito da pandemia da doença covid-19”, e aplica-se às viagens organizadas por agências de viagens e turismo (incluindo viagens de finalistas ou similares), ao cancelamento de reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local e às relações entre agências de viagens e turismo, operadores de animação turística e os empreendimentos turísticos e os estabelecimentos de alojamento local.
Segundo se lê no texto do diploma, este regime “procura encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade financeira dos operadores económicos e os direitos dos consumidores” e estabelece, no caso dos consumidores que se encontrem em situação de desemprego, que o reembolso da totalidade do valor despendido seja efetuado no prazo de 14 dias contados já a partir de sexta-feira e não apenas em 2022, como nos restantes casos.
Nos termos do diploma, os viajantes com viagens canceladas têm direito de optar pela emissão de um vale de igual valor ao pagamento efetuado e válido até 31 de dezembro de 2021 ou pelo reagendamento da viagem até 31 de dezembro de 2021.
Caso optem pelo vale, este “é emitido à ordem do portador e é transmissível por mera tradição”, sendo que, “caso seja utilizado para a realização da mesma viagem, ainda que em data diferente, mantém-se o seguro que tiver sido contratado no momento da aquisição do serviço de viagem”.
Se o vale não for utilizado ou o reagendamento da viagem não for efetuado até 31 de dezembro de 2021, o viajante tem direito ao reembolso do valor da reserva, a efetuar no prazo de 14 dias.
No caso das viagens de finalistas ou similares, o diploma estabelece que “o incumprimento imputável às agências de viagens e turismo” do determinado pelo decreto-lei “permite aos viajantes acionar o fundo de garantia de viagens e turismo”.
O regime excecional previsto no decreto-lei n.º 17/2020 abrange também as reservas de serviços de alojamento em empreendimentos turísticos e em estabelecimentos de alojamento local situados em Portugal efetuadas diretamente pelo hóspede ou através de plataformas em linha que tenham sido concretizadas na modalidade de não reembolso.
Nestas situações, e em caso da opção por um vale, este é emitido “à ordem do hóspede e é transmissível por mera tradição”, podendo “ser utilizado por quem o apresentar também como princípio de pagamento de serviços de valor superior, de acordo com a disponibilidade do empreendimento ou estabelecimento e nas condições aplicáveis nas novas datas pretendidas”.
Nos casos de reagendamento, se este for feito “para data em que a tarifa aplicável esteja abaixo do valor da reserva inicial, a diferença deve ser usada noutros serviços do empreendimento turístico ou do estabelecimento de alojamento local, não sendo devolvida ao hóspede se este não a utilizar”.
De fora deste regime ficam as reservas reembolsáveis de serviços de alojamento em empreendimentos turísticos e em estabelecimentos de alojamento local, às quais se aplicam as regras de cancelamento previstas à partida.
No que se refere às relações entre agências de viagens e turismo, operadores de animação turística e os empreendimentos turísticos e os estabelecimentos de alojamento local, o decreto-lei prevê que as reservas canceladas efetuadas na modalidade de não-reembolso das quantias pagas “conferem, excecional e temporariamente, a esses operadores o direito de crédito do valor não utilizado”.
Este crédito “deve ser utilizado para a liquidação de custos com qualquer outra reserva de serviços junto do mesmo empreendimento turístico ou do mesmo estabelecimento de alojamento local, em data definida pela agência de viagens e turismo ou pelo operador de animação turística, mediante disponibilidade de serviços de alojamento, até ao dia 31 de dezembro de 2021”.
“Caso o empreendimento turístico ou o estabelecimento de alojamento local não tenha disponibilidade para múltiplas datas solicitadas pela agência de viagens e turismo ou pelo operador de animação turística até ao dia 31 de dezembro de 2021, a agência de viagens e turismo ou o operador de animação turística podem requerer a devolução do crédito a efetuar no prazo de 14 dias”, estabelece.
Se a agência de viagens e turismo ou o operador de animação turística não conseguirem efetuar nova reserva de serviço de alojamento em empreendimento turístico ou em estabelecimento de alojamento local situados em Portugal até ao 31 de dezembro de 2021, o valor do depósito deve ser devolvido no prazo de 14 dias após esta data.
Segundo o Governo, o regime “excecional e temporário” previsto no decreto-lei hoje publicado “procura encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade financeira dos operadores económicos e os direitos dos consumidores que, não obstante o contexto atual, não podem ser suprimidos ou eliminados”.
“Nesta medida, ainda que alguns dos direitos dos consumidores possam sofrer modificações temporárias e localizadas, o regime instituído oferece uma tutela distinta para os consumidores que se encontrem em situação de desemprego e, como tal, num estado de especial vulnerabilidade”, refere, notando que, “em alguns aspetos, os direitos dos consumidores foram mesmo reforçados, oferecendo-lhes garantias não previstas expressamente em condições normais de mercado”.
Deco aplaude regime para viagens canceladas, mas quer clarificação nos voos
Em declarações à agência Lusa na sequência da publicação do decreto-lei, a associação de defesa do consumidor considerou que “este diploma vem tornar mais transparente e dar alguma segurança aos consumidores” numa “situação de limitação de direitos que não é totalmente positiva, mas decorre de um estado de emergência”.
“Com este decreto-lei os direitos do consumidor ficam mais bem salvaguardados, porque uma coisa é o que temos na legislação e outra coisa é o comportamento do mercado, sendo importante que se garanta que este tem limites”, sustentou o porta-voz Paulo Fonseca.
Ainda assim, a Deco diz continuar “preocupada” com o facto de “as viagens de transporte aéreo não estarem cobertas por este regime”, já que “nada é dito” no diploma relativamente a esta situação específica.
E, sustenta Paulo Fonseca, embora já exista um regulamento comunitário “que prevê expressamente que, em caso de cancelamento de viagens no transporte aéreo, o consumidor tem direito a ser reembolsado do valor que pagou”, o facto é que “não é isto que se está a passar na realidade”.
“As transportadoras, sem negociação com o cliente, estão neste momento a emitir vales, muitas vezes com períodos diferentes e com informação que não é clara”, refere, defendendo a necessidade de uma “intervenção adicional” nesta área, “sobretudo para clarificar que o reembolso é um direito dos consumidores que já está legalmente previsto”.
“Aquele receio que tínhamos e que estávamos a verificar nas agências de viagens, de estarem a emitir vales sem permitir ao consumidor ser futuramente reembolsado caso não os aceitasse, está também a suceder relativamente às viagens no transporte aéreo, porque emitem o vale, mas não dão a possibilidade de o consumidor ser reembolsado caso não o use”, sustentou.
Entre os principais aspetos positivos do regime excecional definido pelo Governo para as viagens canceladas, a Deco salienta o facto de “clarificar que se aplica às viagens agendadas desde 13 de março até 30 de setembro de 2020” e de criar “uma estrutura de alternativa, de escolha, que é dada ao consumidor”, que passa desde o reagendamento, à emissão de um vale do mesmo valor (em ambos os casos com validade até 31 de dezembro de 2021) ou ao reembolso integral no prazo de 14 dias após essa data.
“Ou seja, se a agência, antes da entrada em vigor deste diploma, já tinha apresentado ao consumidor um vale com valor inferior ao da viagem, este deve ser automaticamente substituído por um vale com o valor da totalidade da viagem, válido até 31 de dezembro de 2021. Em alternativa, o consumidor pode optar pelo reagendamento da viagem até 31 de dezembro de 2021”, referiu.
“Bastante positiva” é também, para a Deco, a garantia de que, caso o vale não seja utilizado ou o reagendamento não seja feito até 31 de dezembro de 2021, “o consumidor mantém automaticamente o direito a ser reembolsado e este reembolso tem que ser efetuado no prazo máximo de 14 dias a partir de 31 de dezembro de 2021”.
“Isto era aquilo que tínhamos já reivindicado e era a nossa grande preocupação, porque as agências não o estavam a fazer”, disse Paulo Fonseca.
Ainda “fundamental” para a Deco era a clarificação agora feita de que este regime se aplica também às viagens de finalistas canceladas devido à pandemia.
“O legislador já tinha criado um regime excecional para as viagens de finalistas, no sentido de que as mesmas deveriam ser obrigatoriamente reagendadas, mas isto estava a causar constrangimentos aos consumidores, que estavam a ser forçados a reagendar uma viagem ou a aceitar a emissão de vales (até com valores diferentes do que tinham pago) e sem hipótese de reembolso. Agora, o legislador vem dizer claramente que, mesmo nas situações em que tenha sido emitido um vale, pelo facto de o consumidor não o utilizar não significa que perde o direito a ser reembolsado”, explicou.
Pela positiva, a Deco aponta ainda a possibilidade prevista de, até ao dia 30 de setembro de 2020, os viajantes que se encontrem em situação de desemprego poderem pedir o reembolso da totalidade do valor despendido, a efetuar no prazo de 14 dias.
Alertando tratar-se de um diploma “com alguma complexidade na sua aplicação”, a associação recorda ter criado uma linha de apoio a questões ligadas ao turismo, disponível no número 213710282 todos os dias úteis entre as 10:00 e as 18:00, e apela aos consumidores para que reportem se as regras estão a ser cumpridas, de forma que, caso não estejam, a associação possa “agir de imediato junto das autoridades públicas”.
A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 183 mil mortos e infetou mais de 2,6 milhões de pessoas em 193 países e territórios.
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