A vindima noturna é uma estratégia adotada pela quinta Seara d'Ordens para combater os dias de calor intenso no Douro e que se reflete numa poupança energética e num aumento da qualidade da uva e do vinho.

O trabalho na vinha em Poiares, no Peso da Régua, começa pelas 03:00 e a noite escura é iluminada pelas lanternas que os vindimadores trazem na cabeça ou pelas luzes dos tratores. Trazem vestidos coletes refletores e pelos valados o silêncio é quebrado pelo som das tesouras, as conversas e os motores das viaturas.

Numa altura em que as vagas de calor são mais prolongadas, a vindima noturna faz “cada vez mais sentido” para esta empresa familiar.

“Por vários fatores: sustentabilidade, a parte humana, a parte económica e a qualidade”, afirmou à agência Lusa Fernando Moreira, responsável pela área da viticultura da Seara d’Ordens.

Porque a uva chega “mais fresca” à adega, há, elencou, uma poupança na fatura energética em consequência de uma menor necessidade de refrigerar o fruto, o que tem consequências a nível da sustentabilidade, e “tudo isto” se reflete na qualidade da uva e do vinho.

Durante a noite as temperaturas estão mais baixas, em contraste com os dias de calor intenso, o que facilita o trabalho na vinha. Durante a semana o distrito de Vila Real esteve em aviso vermelho por causa do tempo quente, com as temperaturas a atingirem, na terça-feira, os 45.6 graus centígrados no Pinhão (Alijó).

“Acaba por ser quase desumano trabalhar com estes picos de calor”, apontou Fernando Moreira.

O responsável lembrou que quando a quinta decidiu fazer a vindima noturna, há uns anos, “foi difícil” e os trabalhadores acharam “muito estranho”, mas agora “até preferem” e o seu “desempenho é mais eficaz”.

“É muito bom, porque não se apanha calor, o trabalho sopre mais porque a gente anda melhor. Para mim é mais confortável andar de noite”, afirmou Cecília Martins, de Vila Seca de Poiares, que se estreou na vindima noturna.

O período de trabalho prolonga-se até às 11:30 e a tarde é de descanso para a maioria destes vindimadores. Normalmente a vindima realiza-se entre as 07:00 e as 16:00.

Ao seu lado, o marido José Carvalho disse que também prefere “andar de noite” porque se “trabalha melhor”.

“Se andarmos ao calor andamos mais aflitos. Assim à fresquinha andamos muito melhor e o trabalho rende mais. E as uvas com o ‘farol’ veem-se bem”, salientou, apontando a lanterna para a videira à procura de uvas que se vão destinar aos vinhos rosés.

Nesta vindima, aos portugueses juntam-se trabalhadores provenientes do Nepal, Índia, Timor e Marrocos, num total de 28 pessoas.

Nassim Fakir é de Marrocos e está em Portugal há dois meses. Depois de uma passagem por Lisboa chegou ao Douro e à Lusa contou que o trabalho “é bom”, embora “um pouco duro quando o sol nasce”, pelo que prefere trabalhar durante a noite.

A quinta tem cerca de 20 trabalhadores a tempo inteiro e reforça a mão de obra na vindima, que se prolonga por cerca de um mês.

A gestão é feita por três irmãos e na equipa já estão inseridos também os seus filhos.

O enólogo João Moreira, que pertence à geração mais nova da família, disse que a vindima noturna “só traz vantagens” e uma delas é, precisamente, a “temperatura de chegada das uvas à adega”, que abre às 05:00.

Exemplificou que, pelas 11:30 de terça-feira, as uvas já estavam a entrar com 33ºC, o que considerou “ser mau para a qualidade sanitária”.

De noite e madrugada a temperatura do fruto ronda os 17ºC, o que, na sua opinião, é “ótimo a nível microbiano” e, assim, também “se podem reduzir as doses de sulfurosos aplicadas”.

Reforçou a vantagem a nível da redução da “pegada ecológica” e da “poupança energética” em consequência de uma refrigeração menos prolongada para refrescar e manter as uvas à temperatura ideal.

“Nesta área estamos dependentes da natureza e, com todas as alterações climáticas que têm acontecido, nós temos a necessidade de nos adaptar e a nossa forma de adaptar foi a vindima noturna (…) É uma forma de prevenir algumas oxidações que possam ocorrer precocemente e até fermentações que podem ocorrer nas próprias caixas quando vindimamos”, explicou o também enólogo José Moreira.

António Moreira, responsável pelo departamento de enologia, referiu que a decisão de se fazer a vindima no período da noite é tomada diariamente e está relacionada com o fator calor.

“Acho que fomos pioneiros no Douro, mas nós não descobrimos nada, pois no Alentejo há uns bons 15 anos que se fazem vindimas noturnas”, frisou.

Esta que é a sua 31.ª vindima é também a mais precoce de sempre, prevendo um aumento de produção na “ordem dos 10 a 15%” e “boa qualidade”.

Com uma produção média anual de 300 mil a 350 mil garrafas, a Seara d’Ordens exporta cerca de 60% dos seus vinhos do Porto e 50% dos Douro DOC (Denominação de Origem Controlada) e tem feito uma aposta no enoturismo, recebendo maioritariamente visitantes estrangeiros.