“A única definição que há é política. A partir de 01 de fevereiro sabemos que há uma decisão política que não volta atrás, mas falta todo o trabalho da negociação para vermos em que situação a União Europeia vai ter o Reino Unido como parceiro comercial,”, afirmou a diretora executiva da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) em declarações à agência Lusa.

Decidida a “acompanhar de perto” a evolução das negociações, Isabel Marrana admite que “podem correr bem ou mal”, mas confessa-se “muito confiante nas ligações histórico-culturais” que o vinho do Porto tem com o Reino Unido.

“Acho que [o vinho do Porto] até pode ser um facilitador para outras discussões noutros produtos. Se estivesse a vender tomate pelado ou frutícolas estava mais preocupada, porque não era um mercado maduro, porque não tinha as tradições que tem, porque não tinha empresas que são inglesas a vender para lá. Apesar de tudo, dentro da imprevisibilidade, estamos com o melhor contexto possível”, sustentou.

Já o presidente executivo da Taylor’s reconhece o peso histórico-cultural da relação comercial de 328 anos da empresa com o mercado inglês, mas não é por isso que deixa de se assumir “muito preocupado”.

“Sim, é verdade, nós vendemos vinho do Porto há 328 anos e nestes três séculos houve dificuldades que conseguimos sempre superar. Eu acredito que vamos continuar a vender vinho do Porto para Inglaterra, mas em que quantidade e por que valor? Com margem suficiente para pagar os custos?”, questiona Adrian Bridge.

Imaginando um cenário em que “o preço de uma garrafa da Taylor’s LBV (‘Late Bottled Vintage’) passa para 15 ou 20 libras [cerca de 18 a 24 euros] na prateleira”, Bridge diz duvidar da “capacidade do consumidor britânico para pagar este valor, mantendo o mesmo volume [de consumo] de hoje em dia”.

“Posso continuar a vender, mas se só vender metade, quais serão as implicações?”, atira.

Para o presidente da Taylor’s, a agora formalizada saída da Inglaterra da União Europeia foi “a parte mais fácil”, sendo que “o mais complicado agora serão as negociações e o acordo com os outros 26 países da Europa sobre a realidade no futuro”.

“E as indicações de Bruxelas são de que a Europa tem um plano forte e, apesar desta ideia de alguns políticos em Inglaterra de que vai ser fácil porque ninguém na Europa quer tarifas com o Reino Unido, o facto é que vai ser mais problemático para o Reino Unido do que para a Europa, devido ao peso do negócio”, sustenta.

Assumindo-se “muito preocupado”, Adrian Bridge admite que não sabe “como planear o negócio depois de dezembro de 2020” [data limite para chegada a um acordo entre as duas partes]: “Obviamente que vai haver uma clarificação durante este ano e é preciso algum otimismo e pensar que vai tudo correr bem, mas o que vemos no Reino Unido é que quer sair e, se a Europa não quiser um acordo, sai sozinho. E isto implica tarifas e tarifas são negativas para o nosso negócio”, sustenta.

Contactada pela Lusa, a líder de mercado Symington Family Estates (SFE) considera ser ainda “prematuro comentar o impacto do ‘Brexit’ no setor dos vinhos do Porto e do Douro”.

“A única certeza que existe é que o Reino Unido formalizará a sua saída da União Europeia no dia 31 de janeiro de 2020. Seguir-se-á - tudo indica - pelo menos um período de 11 meses de negociações para definir o futuro relacionamento entre ambos. Ou seja, só quando essas negociações ficarem concluídas será possível saber, em concreto, quais os efeitos reais e potenciais sobre o nosso setor”, afirmou a direção da empresa.

Reconhecendo que tem “acompanhado com muita atenção os desenvolvimentos nestes últimos três anos”, já que “o Reino Unido é um mercado muito importante, não só para a Symington Family Estates, mas para todo o setor”, a empresa diz acreditar “no bom senso de todas as partes envolvidas e na vontade de se chegar a um entendimento que continue a privilegiar o bom relacionamento comercial em todos os domínios”.

O importante, sustenta, é que “no quadro das negociações se garanta que os interesses de todos, nomeadamente dos países mais pequenos da União Europeia, sejam defendidos e não sacrificados em nome de interesses maiores”.

“Mantemo-nos expectantes”, garante por sua vez a diretora-executiva da AEVP. “No entanto, prevemos que no futuro o vinho do Porto seja um dos produtos portugueses quase bandeira em futuras negociações bilaterais que Portugal possa encetar com o Reino Unido”.

Para Isabel Marrana, a “tradição, a cultura e as relações entre Portugal e o Reino Unido no vinho do Porto existem desde sempre e isso deverá, com certeza, contar”.

“Por outro lado – acrescenta - as empresas líderes de mercado são inglesas, portanto os protagonistas que vendem o vinho do Porto são, de facto, empresas inglesas, o que facilitará certamente”.

Em 2019 as exportações de vinho do Porto para o Reino Unido ultrapassaram os 45 milhões de euros, aumentando cerca de 9% face ao ano anterior. O desempenho das exportações do setor para Inglaterra – que é o terceiro mercado em valor, depois de Portugal e de França – tem sido intermitente: Se em 2016 recuaram 4% (para 47 milhões de euros), em 2017 recuperaram 5% (para 49 milhões de euros), mas em 2018 voltaram a descer (15%, para 41 milhões de euros), para em 2019 regressarem às subidas.