No centro da polémica está uma referência ao "Caso Marega" no manual de Filosofia de 10.º ano "Ágora", editado pela Porto Editora e da autoria de Susana Teles de Sousa, Isabel Pinto Ribeiro e Rui Areal.

A pretexto de uma reflexão acerca do tema da subjetividade moral, o manual faz referência ao caso referente a fevereiro de 2020 quando, durante um jogo entre o Vitória de Guimarães e o FC Porto, os adeptos vitorianos dirigiram cânticos racistas contra o futebolista Moussa Marega.

Marega, que representou o Vitória de Guimarães na época 2016/17 e o FC Porto em 2015/16 e entre 2017/18 e 2020/21, jogando agora pelo Al Hilal, da Arábia Saudita, pediu para ser substituído e abandonou o relvado ao minuto 70 desse jogo, na sequência dos insultos racistas oriundos de setores das bancadas afetas ao clube vimaranense. O caso foi, inclusive, sujeito a uma investigação do Ministério Público, resultando na condenação de três adeptos vitorianos e na absolvição do Vitória de Guimarães.

A utilização deste caso para uso pedagógico foi alvo de condenação pelo Vitória de Guimarães, que criticou publicamente a sua inclusão no manual através de um comunicado oficial, intitulado "Em prol das gerações futuras". Considerando-se visado "de forma infundada", o clube exigiu "a retirada do referido caso de estudo deste livro, que potencia a criação de um estigma injustificado sobre milhares de adeptos e sobre um clube que celebra, dentro de dois meses, o seu Centenário".

A nota refere que o manual de Filosofia em causa, "para espanto dos vitorianos e vimaranenses, contém como caso de estudo o posicionamento ético levado a cabo pelo pivot do telejornal de um canal generalista português, ao 'relatar' os acontecimentos do passado dia 16 de fevereiro de 2020, em que o jogador Marega abandonou o terreno do Estádio D. Afonso Henriques".

Além disso, o clube acusa os meios de comunicação a serem lestos a noticiar o caso, mas não a "repor a verdade sobre os factos decididos pelos tramites do sistema judicial português" que determinaram a absolvição do clube.

"A condenação pública foi rápida (e televisionada ao som do vento…), a assunção de culpa foi traçada, um estigma generalizado foi criado. Quem tão depressa quis julgar e moldar a opinião publica, não foi tão célere a repor a verdade sobre os factos decididos pelos tramites do sistema judicial português que, depois de colocados em marcha, resultaram no pedido de desculpas por parte de três espectadores que estavam nas bancadas do D. Afonso Henriques naquele jogo, assim como as absolvições, em todos os processos em que o Vitória Sport Clube era réu. Repetimos, para que os ventos possam levar esta verdade irredutível: o Vitória Sport Clube foi absolvido de todos as acusações referentes a este caso", frisa o clube na mesma nota.

Além do Vitória de Guimarães, também a Associação Vitória Sempre condenou o uso deste caso em manuais educativos em comunicado publicado no sábado.

Porto Editora pede desculpa e promete alterar texto

Em resposta, através de um esclarecimento publicado no seu website, a Porto Editora admitiu "proceder à correção do texto" em edições futuras do manual.

Segundo a casa editorial, o intuito dos autores do "Ágora" foi abordar "o tema da subjetividade moral através do chamado 'caso Marega', de forma a levar os alunos a uma reflexão crítica e a uma tomada de posição a partir de notícias e de casos atuais e mediáticos.

De acordo com a Porto Editora, "os alunos são orientados a interpretarem o tema através de uma perspetiva subjetivista e, em oposição, segundo uma visão crítica do subjetivismo". "O comunicado da Associação Vitória Sempre omite a primeira, em que os autores referem: «Se fosses subjetivista, terias que avaliar este caso, que foi tão mediático, como um momento em que os adeptos do Vitória Sport Clube decidem expressar os seus sentimentos de desaprovação perante um jogador. Como tal, as atitudes que decorreram deste sentimento de desaprovação não podem ser consideradas objetivamente erradas e terás que as respeitar.»"

A editora defende então que "é errado afirmar que este manual potencia a «criação de um estigma injustificado sobre milhares de adeptos»", mas admite que os autores procederam a uma generalização ao referirem-se "aos adeptos do Vitória Sport Clube como os autores dos insultos racistas, tal como foi dito publicamente em vários órgãos de comunicação social nos dias seguintes ao acontecimento de 17 de fevereiro de 2020".

"Ora, a Justiça absolveu o Clube de tais acusações e foram multados três espetadores que estavam no estádio. Neste sentido, pedimos desculpa ao Vitória Sport Clube e aos adeptos vitorianos e vamos proceder à correção do texto, nos livros escolares que ainda não foram impressos, substituindo a referência a adeptos do Vitória SC por 'espetadores no estádio'", promete a Porto Editora.

No decurso das investigações, o Ministério Público constituiu arguidos três espetadores, Hélder Manuel Pereira Gonçalves, Joaquim Pedro Sousa Ribeiro e Bruno Cristiano Pereira Teixeira, que começaram a ser ouvidos por um juiz de instrução criminal em 25 de setembro de 2020.

Em 2021, o MP determinou a suspensão provisória desse processo por um ano, com os arguidos a aceitarem o pagamento de 1.000 euros ao Estado, cada um, num prazo de três meses, a apresentação de um pedido de desculpas a Marega, publicado na edição de 29 de março de 2022 do semanário Desportivo de Guimarães, e a interdição do acesso a qualquer recinto desportivo por um ano.

Ao Vitória de Guimarães foi aplicado um castigo de três jogos de interdição do Estádio D. Afonso Henriques pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, mas o clube apresentou recurso da decisão e o Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul optou pela absolvição.

Apesar de referir que se “encontra demonstrado” que o então jogador do FC Porto foi “efetivamente alvo de cânticos proferidos repetidamente e em uníssono”, de teor racista, o órgão jurídico entendeu que “a prova produzida não pode levar à conclusão de que o Vitória de Guimarães consentiu ou tolerou os cânticos racistas em causa”, lê-se no acórdão a que a agência Lusa teve acesso.