"Ser a favor da Europa, ser a favor da Ucrânia (ou contra Putin), e ser a favor do Estado de direito". A atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von de Leyen, definiu assim as linhas vermelhas quanto a eventuais entendimentos para chegar a um segundo mandato. A candidata principal do PPE - Partido Popular Europeu (onde estão PSD e CDS) foi atacada por abrir a porta a acordos com a extrema-direita. Mas foi também quem apresentou propostas mais concretas para o futuro da União Europeia.
Economia e emprego, o primeiro tema em debate, e aquele que mais preocupa os europeus, não trouxe nada de novo: muitos objetivos, poucas soluções e uma garantia: "Os cidadãos não vão pagar a fatura", disse o candidato do Renovar a Europa (família da Iniciativa Liberal), Sandro Gozi. Mas não vale a pena ter medo do alargamento, "a história dá-nos a resposta, no projeto europeu cabem todos, não apenas os seis países iniciais. Temos de abraçar os ucranianos e os Balcãs ocidentais". Para isso, claro, é preciso "reformar os tratados" e "aumentar o orçamento".
Foi a defesa e segurança que animou o debate. A pergunta veio de um jovem da Lituânia, que vai votar pela primeira vez: "Como é que a União Europeia pode aumentar a cooperação na defesa?" Para a candidata dos Verdes Europeus (onde está o PAN e família do Livre), Terry Reintke, em primeiro lugar "a União Europeia deve acabar com a regra da unanimidade em defesa e relações externas e Orbán não pode ter poder de veto".
De resto, continuou, "não podemos falar em segurança quando temos a extrema-direita a querer desestabilizar a União, o fim da paz e vemos os seus líderes a colaborar com a China e com Putin". Mais um tiro no porta-aviões, que é como quem diz em Von der Leyen e no PPE. "Devemos evitar o desvio à direita com todas as forças" (e ouviram-se vivas na assistência).
Também o cabeça-de-lista do S&D - Socialistas e Democratas (onde está o PS), Nicolas Schmit, disse de sua justiça: "Estou disposto a trabalhar com todas as forças políticas, mas essas [ECR - Reformistas e Conservadores Europeus e ID - Identidade e Democracia] não têm visões democráticas, têm outra visão da Europa".
A presidente da Comissão bem tenta voltar ao tema e explicar que não é "uma coisa ou outra", defesa ou coesão, "podemos ter as duas coisas". E fala num projeto comum, "um escudo de defesa aérea europeu". "Mas temos de estar ao lado da Ucrânia em primeiro lugar", que está em guerra pela democracia, "a Ucrânia está a combater por nós". Para a responsável, o financiamento para a defesa é essencial, mas entre a emissão de obrigações de defesa, os contributos nacionais ou recursos próprios as opiniões variam.
Entre as respostas redondas ou evasivas dos candidatos e o apelo ao voto, algumas histórias pessoais para justificar posições: "Nunca conheci a minha avó, porque morreu em Auschwitz. E morreu em Auschwitz porque em 1938 as chamadas democracias ocidentais não abriram as fronteiras aos refugiados. Deviam ter vergonha. E agora a União Europeia recusa-se a abrir fronteiras a refugiados [...] É vergonhoso", disse o candidato da Esquerda Europeia (onde estão PCP e BE), Walter Baier, no momento em que se discutia Migração e Fronteiras, o quinto tópico do debate.
Baier, 54 anos, vem da classe operária de Viena, Áustria, e tem orgulho nisso. "Os meus pais fizeram muitos sacrifícios para eu fazer o secundário, sei bem o que são desigualdades e quero que isso mude", "que as pessoas estejam antes do lucro". E lembra o cemitério em que se transformou o Mediterrâneo — cerca de 30 mil mortos em dez anos, dizem as organizações internacionais.
Nesta matéria, todos parecem estar mais ou menos de acordo, mesmo aqueles que, como os Verdes Europeus, queriam que o Pacto para as Migrações e Asilo tivesse ido muito mais longe. Walter Baier — de quem se diz que gosta tanto de chocolate como de direitos humanos —, votou contra a solução encontrada porque ela vai contra os princípios mais básicos e "permite pagar por seres humanos para sacudir a água do capote", "sacando do livro de cheques". "Como a União Europeia não consegue cumprir as suas obrigações, paga a outros para o fazer", acusa.
Von der Leyen, que acredita que é preciso acabar com as máfias do tráfico humano ou que a UE tem de ser inequívoca com os países de trânsito e de origem, "é aí que temos de investir para que as pessoas não sejam impelidas a sair", lembra que, apesar de tudo, "3,7 milhões de migrantes chegaram legalmente ao mercado da UE e estão integrados, a trabalhar".
E foi nesta troca de ideias que Nicolas Schmit foi mais incisivo: "Concordo que os passadores e traficantes são parte da narrativa, [...] mas suponho que sabe o que se está a passar na Tunísia, o que acontece aos refugiados que são empurrados para o deserto, espancados, maltratados e às vezes mortos. Isto não é a Europa, não são os valores europeus. Isto é um acordo com uma ditadura muito especial e sórdida”, critica.
Antes disso, nada de novo sobre clima e ambiente. Depois disso, nada de novo sobre democracia e liderança. O último dos seis assuntos em cima da mesa foi a inovação e tecnologia. Nicolas Schmit admite que a Europa está atrasada em muitos campos e não é a austeridade que vai ajudar, mas investimento.
"Devemos encorajar os jovens inovadores, temos muitos talentos. Mas é preciso encontrar financiamento". E isso, na opinião do candidato do S&D, só vai ser possível com "a União do Mercado de Capitais", garante. "Não vamos conseguir ter progresso sem isso".
Ursula von der Leyen lembra que a União Europeia está atenta à legislação e foi a primeira no mundo a regular a Inteligência Artificial. Como dizia a jornalista, sabe-se lá se o próximo debate não será conduzido por um avatar. O TikTok também veio à baila; a rede social teve de retirar alguns conteúdos por serem considerados nocivos para os utilizadores, sobretudo para os mais jovens.
A este propósito, Sandro Gozi comentou: "Sou pai, estou preocupado com a saúde mental dos nossos filhos. Concordamos que a Comissão fez um trabalho excelente, mas devemos subir para os 15 anos a idade mínima dos utilizadores destas plataformas".
Liberais, Verdes e Socialistas, os três grupos vão perder peso no Parlamento Europeu, a acreditar nas últimas sondagens. O jornalista aproveita para perguntar a Sandro Gozi por que motivo o Renovar a Europa se tornou menos atrativo. "Corri 37 maratonas, não se pode estar cansado logo no início da prova. As sondagens não contam, o que conta são os resultados de 9 de junho". Para todos.
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