Numa conferência de imprensa à margem dos trabalhos da Web Summit, que decorre desde segunda e até quinta-feira, em Lisboa, Jourová realçou que, atualmente, a publicidade digital para fins políticos “é uma corrida desenfreada de métodos sujos e opacos”.

“Tentar influenciar as eleições ou o comportamento dos eleitores deve estar sujeito a regras mais rígidas e a uma transparência significativa, também no que diz respeito aos métodos de direcionamento. Temos de apertar o botão de ‘desacelerar’, porque a nossa democracia é muito preciosa para permitir essa atitude de ‘agir rápido e quebrar as coisas'”, defendeu.

Jourová sustentou que quase quatro em cada dez europeus afirmaram, numa recente sondagem do Eurobarómetro, terem sido expostos a conteúdos em que não podiam determinar facilmente se se tratava de um anúncio político ou não.

“Por isso, temos de ir além da Lei de Serviços Digitais, para abordar características específicas desse tipo de publicidade. Os cidadãos devem saber por que estão a ver um acréscimo, quem pagou por ele, que dados foram usados para os atingir. Quero que as pessoas também tenham uma opção clara de cancelar esse tipo de publicidade”, argumentou a política natural da República Checa.

“Quando se trata de técnicas de micro-alvos, está claro que isso é hoje uma ‘blackbox’. Simplesmente não sabemos o suficiente, exceto quando temos um vislumbre da sala de máquinas através de um outro escândalo ou de um delator”, acrescentou.

Para Jourová, a “grande tecnologia” tem grande poder, “mas não assumiu a responsabilidade, pelo que a Comissão Europeia, como reguladora, tem de obrigar as empresas a serem “mais responsáveis” e formar os utilizadores “para que tenham mais controlo sobre as suas experiências digitais”.

“Isso é exatamente o que estamos a fazer na UE. Temos um plano abrangente, com regulamentação rígida, bem como o Plano de Ação para a Democracia Europeia, que trata de ações regulamentares e não regulamentares, tanto a curto como a longo prazo”, lembrou.

Mas, para Jourová, o atual debate não pode ter como base o que são informações verdadeiras ou falsas, certas ou erradas.

“A liberdade de expressão deve ser sempre protegida, mesmo que isso signifique a liberdade de dizer coisas estúpidas. O debate de hoje é mais sobre os direitos e obrigações daqueles que moldam e participam do debate online. Se quisermos garantir que as pessoas sejam livres para escolher, precisamos de ter a certeza que as informações que veem ‘online’ não são alimentadas pelo funcionamento obscuro dos sistemas algorítmicos das plataformas e de um exército de ‘bots’ não detetados”, frisou.

Para a vice-presidente para os Valores e Transparência da UE, os dados confidenciais que as pessoas decidem partilhar com amigos nas redes sociais “não devem ser usados para os direcionar para fins políticos”, sobretudo como informações sobre orientação sexual, raça, religião ou pontos de vista políticos que, “sabe-se hoje, são usados e abusados também na segmentação para fins políticos”.

Nesse sentido, com a nova legislação, explicou, a intenção é dar “maior transparência às técnicas de direcionamento e amplificação” das informações.

“Quero que a legislação cubra toda a cadeia produtiva de um anúncio. Não se trata apenas do Facebook ou da Google. Trata-se também empresas como a Cambridge Analytica, as ligadas à indústria de tecnologia de anúncios e outras”, referiu a vice-presidente da Comissão Europeia.

Lembrando que a Web Summit é uma “ótima oportunidade” para avaliar as últimas tendências nas áreas de negócios e políticas relacionadas com a tecnologia, Jourová realçou a presença, segunda-feira, de Frances Haugen, a denunciante do Facebook, mas também da antiga CEO da Whistleblower Aid e da cofundadora da Black Lives Matters.

“Para mim, isso é um sinal de que, este ano, muitas das discussões políticas serão sobre o impacto das ‘Big Tech’ [maiores empresas de tecnologias de informação] e das redes sociais nas nossas sociedades. Com todas as recentes notícias e investigações, vemos que, infelizmente há um grande impacto negativo e que as próprias empresas não conseguem resolver os muitos problemas que ajudaram a criar”.

“Tudo isso é muito complexo porque temos uma desinformação ‘online’, temos uma falta de transparência e de responsabilidade, sistemas opacos de algoritmos e de segmentação e publicidade, assim como os sistemas que empurram as pessoas ainda mais nas suas bolhas. Eles podem criar os algoritmos para que sejamos empurrados para o ódio e extremismo. Tudo em nome do lucro. Mas temos que pensar também no bem-estar das pessoas”, alertou.