Com os mesmo pontos, mas um jogo a menos, que o Wolves liderado por Nuno Espírito Santo - que está também a fazer um campeonato fora de série - e à frente de equipas como Tottenham e Arsenal, o grupo de trabalho do Sheffield United, liderado por Chris Wilder, tem apresentado uma consistência acima da média, principalmente para um clube da sua dimensão financeira.
Wilder é o líder e, acima de tudo, o responsável máximo pela coesão, disciplina emocional e tática da equipa. Contratado em 2016, tomou conta do conjunto ainda na League One, o terceiro escalão do futebol inglês. Desde então, com três prémios de melhor treinador do ano nas últimas quatro temporadas, o técnico inglês tem vindo a surpreender o mundo do futebol com a sua capacidade não só de ler o jogo, como de o reinventar.
Tendo precisado apenas de dois anos para conseguir subir à Premier League, o Sheffield United tem revolucionado o futebol inglês nos últimos anos. Com grande sucesso em ligas inferiores, pairava a dúvida se na liga dos “tubarões” conseguiria ter o mesmo efeito ou se, por outro lado, iria ter problemas sérios em lidar com a intensidade e qualidade das restantes equipas. Passados 28 jogos, ninguém poderá afirmar que os resultados não foram incríveis e que, até ao momento, esta é sem dúvida uma época de sucesso para a equipa do norte de Inglaterra.
O segredo está na tática
Com uma tática muito semelhante à do português Nuno Espírito Santo, o treinador inglês tem como objetivo a superioridade numérica sempre que tem a posse de bola, conseguindo assim quebrar com regularidade sistemas defensivos compactos e habitualmente mais complicados de lidar, mesmo não dispondo da qualidade individual de outras equipas mais poderosas.
Tendo tomado as ligas de surpresa nas últimas quatro temporadas, o Sheffield United e Chris Wilder, assim como o Wolves e Nuno Espírito Santo, estão a levar o futebol influenciado pela estilo de Pep Guardiola para outra dimensão. Observando e estudando o treinador espanhol durante os últimos anos, Nuno e Chris não são os únicos exemplos de confessa admiração pelo futebol de posse e criatividade de Guardiola, mas são aqueles que mais sucesso e resultados estão a conseguir ter. Contudo, Wilder levou essa sua influência para outras “águas” e conseguiu ele mesmo inovar e criar uma nova abordagem que, apesar de nos remeter para os anos 30, é aos dias de hoje e nos sistemas táticos atuais, completamente inovadora.
Dinâmica na rotação de posições
Um dos princípios de organização tática da nova corrente de treinadores é a existência de uma linha de passe em todos os momentos da posse de bola. A forma como o fazem pode ser diversa mas dois princípios são normalmente comuns, a sobrelotação de espaços e a existência de triângulos entre os jogadores perto da bola. Chris Wilder usa ambas, assim como uma tática que permite essa mesma funcionalidade. Um 3x5x2 que, para quem observe com mais atenção, se transforma num 5x3x2 aquando do processo defensivo organizado e num 3x3x2x2 aquando do processo ofensivo organizado. Mas como o processo ofensivo organizado é previsível, as equipas tentam desestabilizar com movimentações de jogadores e criatividade no passe, seja ele mais curto ou mais longo.
De forma a tornar-se o menos previsível possível, Chris Wilder decidiu que os seus defesas-centrais exteriores, isto é, os centrais do lado direito e do lado esquerdo, têm liberdade e são, acima de tudo, encorajados a participar no processo ofensivo de tal forma que criaram algo nunca visto em anos recentes em ligas de topo do futebol mundial, recebendo a denominação de Overlapping Center Back (ou Sobreposição do Defesa-Central, numa tradução livre).
O overlap (ou sobreposição) por si é uma situação corriqueira, vista em qualquer jogo de futebol. O que é inovador na equipa do Sheffield United é que o fazem com jogadores que habitualmente são tidos como de contenção de jogo. Jogadores que não são habitualmente encorajados a deixar as suas posições e que, neste caso, são os responsáveis pela disrupção do fluxo normal de jogo, obrigando a equipa adversária a tomar uma de duas decisões: manter a sua formação estável e sofrer as consequências de o adversário ter jogadores extra em posições perigosas do terreno, ou acompanhar o movimento desses mesmo jogadores e estar assim menos preparada para os contra-atacar, caso ganhe a bola, uma vez que os seus médios e avançados baixaram no terreno em tarefas defensivas.
A forma sublime como todos os jogadores assumem novas posições, fazendo uma rotação para proteger eventuais falhas no sistema e tentando não se tornar permeáveis a contra-ataques é fundamental. Médios-centro e avançados acabam a fazer posições de laterais, médios e defesas. Um processo que só com muito treino, consistência e clareza poderá ser posto em prática de forma eficiente, sendo que a qualidade técnica dos jogadores é fundamental, pelo que dispor de jogadores versáteis é essencial para que a inovação aconteça.
A fundamental ligação entre posições de jogadores, futebol de formação e inovação
O segredo para o sucesso deste sistema e destes jogadores tem que ser a sua capacidade de jogar em diferentes posições. Nestas crónicas, já por muitas vezes temos falado de futebol de formação e da necessidade de criar jogadores, não para os tempos em que vivemos, mas para o futebol do futuro. Não porque sabemos, como treinadores de formação, que futebol será jogado passados cinco, dez ou quinze anos, mas sim por não termos a mais pequena ideia das mudanças nas regras, filosofias e estilos de jogo que existiram entretanto.
Dessa forma, preparar um atleta significa, atualmente, preparar o indivíduo para conseguir jogar em qualquer posição no terreno. Explorar as suas debilidade técnicas e tácticas é a única certeza de criar um jogador que conseguirá lidar com as alteração que o esperam, aquando da sua estreia no futebol sénior. Um exemplo gritante dessa necessidade é precisamente a forma como Chris Wilder utiliza os seus defesas-centrais numa na mais espetacular liga de futebol do mundo.
Esta semana na Premier League
Após a declaração de Boris Johnson ao país, em que dizia não cancelar, de forma governamental, os eventos desportivos, deixando ao critério das instituições prosseguir, ou não, mas sempre com a ausência de público, a Premier League decidiu suspender as suas competições, na sequência do teste positivo de Mikel Arteta, treinador do Arsenal, ao novo coronavírus. Independentemente do que aconteça até final da temporada, ou mesmo que a época já não seja retomada, este Sheffield United já provou um ponto.
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