Bruno Fernandes tinha tudo para ser um excelente vendedor de farturas ou de cachorros quentes numa roulotte. Olho para ele e é isso que me parece. Bruno nasceu com a cara de um jogador de distrital que vai para os treinos de ressaca e que só é convocado porque é filho do treinador. Tem ar daquele gajo que só chamamos para jogar à bola com os amigos quando falta um em cima da hora e não há mais ninguém a quem ligar; chega e nenhuma equipa o quer ter, nem na baliza. Aparece todo equipado, comprou umas chuteiras das mais caras uma hora antes, e leva daquelas faixas de pulso para limpar o suor, armado em vedeta, mas depois ninguém lhe passa a bola porque não joga nada.

Bruno Fernandes podia ser tudo isto se julgássemos os livros pela capa. Começou no Infesta, passou pelas camadas jovens do Boavista e esteve emprestado ao Pasteleira. Sim, Pasteleira. Depois, rumou a Itália, com passagem por três clubes até o Sporting Clube de Portugal o contratar. Veio a troco de dez milhões de euros. “Dez milhões de euros por este gajo?!” exclamaram muitos. Fosse por um argentino desconhecido e ninguém ficaria admirado, mas por um português que joga em Itália e que nunca ninguém ouviu falar? Era barrete. Era jogada de empresários. Lá chegou e cedo convenceu.

Bruno Fernandes tem ar de tosco, mas tem toque de bola como poucos; tem ar de quem fuma dois maços e vai para a noite, mas corre o jogo todo sem parar; tem ar de quem chumbou no 5.º ano, mas tem a inteligência em campo de classe mundial. Certo que jogou ao lado de Gudelj, Petrovic, entre outros, e que ao lado desses até a minha falecida avó se destacaria. Ao menos, o Alzheimer desculpava-a de tantas perdas de bola e passes para os adversários porque se tinha esquecido em que equipa joga.

Depois de conquistar os adeptos, muitos perderam-lhe o respeito por ter escolhido rescindir contrato quando a Academia foi invadida, no segundo momento mais terrível da história do clube de Alvalade. O primeiro foi quando tínhamos de jogar com o Djaló a titular.

Decidiu ir embora, Sousa Cintra convenceu-o a ficar. Muitos continuaram contra ele, e ainda continuarão porque o fanatismo do futebol é cego, e outros receberam-no de braços abertos e ele agradeceu levando a equipa às costas e tornando-se no médio mais goleador de sempre, na Europa, numa só temporada. Bruno Fernandes joga como se estivesse a jogar FIFA: remata para onde está virado, com qualquer pé, de longe ou de perto, mas não são só os golos, é o que faz o resto da equipa jogar. Melhor do que ele, lembro-me de poucos a jogar no Sporting nos últimos 25 anos: talvez Balakov e Jardel, Cristiano Ronaldo saiu antes de nos dar alegrias, por muito que nos sirva de consolação de cada vez que ganha algo lá fora.

Agora, com 24 anos, Bruno promete ser a transferência mais cara do Sporting e, quiçá, do futebol português (João Félix ri-se ao ler esta parte). Rumará a um dos grandes europeus. Será um Ronaldo ou um Renato Sanches? Será um Figo ou um João Mário? Será uma loiça das caldas que irá sodomizar adversários ou um barrete verde? Aposto no primeiro, mas seja como for, já deu o que nos tinha a dar, aos sportinguistas e a todos os que apreciam futebol em Portugal. Tenho pena de o ver ir embora, não por sair do Sporting, mas por sair do futebol português. Gosto muito de futebol, mas raramente dou por mim com vontade de ver jogos e os que vi esta época foi porque sabia que aquele pé direito, ou o esquerdo, podiam compensar.

Resta lembrar que podia ter ido embora no início da época, mas ficou. Deu o litro, evitou uma época desastrosa, como se antecipava, e conseguiu que o Sporting tivesse uma época à Sporting: ter alguma esperança ali a meio do campeonato e chegar ao fim sem ganhar nada de jeito. Outra vez. Para o ano é que é. Talvez seja, mas será sem Bruno que fez isto tudo e ainda deixa os cofres do clube bem recheados.

Se isto é o perfil de um traidor, que se contratem 11 traidores para a próxima época.

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