Avança o Jornal de Notícias esta quinta-feira, 23 de janeiro, que o responsável máximo do tribunal da Relação do Porto recusou o pedido de escusa do juiz por considerar que, apesar de se assumir um adeto "fervoroso" do clube, este "não conhece pessoalmente qualquer representante dos órgãos societários ou desportivos do Clube, assim como nenhuma destas pessoas o conhece, inexistindo qualquer proximidade ou vínculo de natureza pessoal, seja de amizade ou de inimizade, que possa afetar minimamente a sua isenção e imparcialidade".

O presidente do tribunal, Nuno Ataíde das Neves, considera que Eduardo Pires é um "simples e anónimo adepto, um cidadão desconhecido do clube, relacionando-se com este apenas pela mera circunstância de ser sócio já veterano e ter decidido adquirir lugar cativo para assistir aos jogos, como qualquer outro sócio pode fazer".

Mais acrescenta que "o Juiz, que não se sente por isso afetado na sua isenção e imparcialidade com que sempre norteou a sua carreira com mais de 30 anos, não reúne condições subjetivas para que seja dispensado da intervenção no processo, já que tal não o perturba, nem confere qualquer estado de perplexidade ou desconforto".

Além de adepto, Eduardo Pires tem ações no clube, o que o responsável máximo do tribunal considera não ser uma questão que justifique a escusa, já que "a decisão de compra das ações foi do juiz, 'com o propósito de ajudar o clube aquando da constituição da SAD e da sua entrada em Bolsa'".

Acrescenta Nuno Ataíde nas Neves que "o juiz é, por natureza e por vocação, íntegro, imparcial e isento no exercício da sua função de julgador" e que "é isto que o cidadão médio, atento, crítico, inteligente e informado, sem preconceitos espúrios, seguramente compreende, a especificidade ético-funcional de um Juiz, a sua capacidade e profundidade de carácter, estruturante da sua missão, a limpeza de alma que lhe confere o são distanciamento pessoal dos interesses cuja ponderação lhe é solicitada, uma postura que, mais do que uma forma de estar, é uma forma de ser".

Justifica ainda o responsável que, ao contrário dos tribunais de primeira instância, nos tribunais superiores vigora a regra da decisão por coletivo de juízes, o "que confere maior credibilidade e dignidade ao Acórdão proferido, porque sujeito a debate prévio entre três Juízes, intenso e aturado, uma discussão que seguramente se verificará de forma emprenhada e sabedora entre o Senhor Juiz e os Juízes Adjuntos, todos sendo inteira e igualmente responsáveis pela adequação, pelo acerto, pela legalidade e integridade do Acórdão que vier a ser proferido".

O pedido de escusa

O juiz explica, no pedido de escusa, que é sócio do Benfica desde os oito anos, tendo recebido a "Águia de ouro" por ser sócio há 50 anos, um "emblema de grande significado para todo o benfiquista".

Além disso, é titular de um lugar cativo no estádio da Luz, onde vai com regularidade assistir aos jogos, entre os quais, descreve, o Benfica-FC Porto, Benfica-Gil Vicente, Benfica-Olympique Lyonnais, Benfica-Rio Ave, Benfica-Famalicão e Benfica-Desportivo das Aves.

Por fim, o juiz detém também 250 acções do clube. “Adquiridas apenas com o propósito de ajudar o clube aquando da constituição da SAD e da sua entrada em bolsa”, justifica.

“Em suma, apesar da forma absolutamente anónima como frequenta o Estádio da Luz, [o juiz] é um fervoroso adepto do Benfica, vibrando com as suas vitórias e entristecendo-se com os seus insucessos”, conclui.

Apesar de considerar que tinha capacidade de exercer as suas funções com imparcialidade relativamente a este caso o juiz optou, face ao descrito, por pedir escusa do processo, por considerar que o seu clubismo pode levantar suspeitas quanto à sua imparcialidade.

“Há muito tempo a esta parte que o terreno futebolístico tem sido palco de acusações mútuas entre os principais clubes de futebol português, atribuindo-se estes reciprocamente a utilização de influências para conseguirem os seus objectivos, e nessas influências foram incluídas já áreas extra futebol, como sejam a área política e até a área judicial”, nota.

O caso

Em causa está o caso em que a SAD do FC Porto e o diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, foram condenados a pagar dois milhões de euros por divulgar emails do Benfica.

No processo movido pela SAD do Benfica, que reclamava 17,7 milhões de indemnização, foram condenados a SAD azul e branca e o diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, ao pagamento de 523 mil euros por danos patrimoniais emergentes e 1,4 milhões de euros por danos não emergentes, pela divulgação da correspondência. O presidente do clube, Pinto da Costa, os administradores dos 'dragões' Fernando Gomes e Adelino Caldeira e o Porto Canal foram absolvidos.

Tanto o SL Benfica como o FC Porto recorreram da decisão para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o processo calhado em sorteio ao juiz Eduardo Pires.

Em causa está a divulgação de correio eletrónico por Francisco J. Marques no programa televisivo Universo Porto da Bancada, do Porto Canal, entre abril de 2017 e fevereiro de 2018.

No processo, a SAD ‘encarnada’ corresponsabilizava por “danos de imagem” causados pela divulgação dos emails a homóloga do FC Porto, o presidente da SAD e do clube, Pinto da Costa, os administradores Fernando Gomes e Adelino Caldeira e o diretor de comunicação, Francisco J. Marques, além da FCP Media, empresa detentora da estação televisiva Porto Canal.

O Benfica alegava que a divulgação dos emails lhe afetou a credibilidade, prejudicando os seus interesses comerciais e chegando a provocar a queda de cotação das ações da Sociedade Anónima Desportiva.

Já o FC Porto defendeu ter-se limitado a divulgar informação de interesse público, alegando que o correio eletrónico divulgado revelou práticas deturpadoras da verdade desportiva.

À data, o diretor de comunicação do FC Porto afirmou que foi condenado por ter dito a verdade: “fui condenado por dizer a verdade. Vou esperar que a justiça volte a ser cega”, escreveu Francisco J. Marques na sua conta no Twitter, horas depois de ter sido condenado. O diretor de comunicação portista garante que “os emails divulgados são genuínos, documentando efetiva correspondência trocada entre os respetivos remetentes e destinatários nos dias e horas neles consignados com o exato teor nele plasmado”.

Já o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, saudou a decisão judicial à data: "hoje mesmo ficámos a conhecer a exemplar condenação da conduta ilícita do Futebol Clube do Porto e de alguns dos seus colaboradores por sentença da Justiça. No âmbito dos processos por divulgação criminosa da nossa correspondência privada, já não é a primeira vez que os tribunais nos dão razão", lançou o líder das 'águias' durante uma assembleia-geral do clube.

Vieira destacou que "estando em investigação todo o processo do roubo, foi assim já dada como provada, mais uma vez, a existência de uma divulgação ilícita, mas também a manipulação e deturpação do conteúdo dos emails". E realçou: "Hoje, já ninguém dúvida de que fomos vítimas de vários crimes de enorme gravidade."

Segundo o dirigente, que apelou à moderação nas palavras e à ação vigorosa nos tribunais, "o tempo agora é da justiça", mostrando-se confiante de que vai "prevalecer a verdade" no final dos processos em curso.

"O que verdadeiramente esteve em causa é que, face à inexistência de uma estratégia própria, de uma organização e planeamento, perante o descalabro financeiro, à ausência de resultados desportivos e a um modelo de gestão que parou no tempo, esta foi a estratégia encontrada para criar um permanente ambiente de ameaça e coação sobre os diversos agentes desportivos, agora inovando para os novos modelos da criminalidade digital", atirou Vieira.

No centro deste caso, conhecido como caso dos emails estão denúncias do FC Porto, através do Porto Canal e pela voz de Francisco J. Marques, de uma alegada tentativa do Sl Benfica de influenciar a arbitragem.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.