No acórdão a que a agência Lusa teve hoje acesso, o TRL não pronunciou (não levou a julgamento) a SAD do Benfica, rejeitando o recurso do Ministério Público (MP), no qual o procurador Válter Alves defendia a pronúncia da SAD 'encarnada' por um crime de corrupção ativa, outro de oferta ou recebimento indevido de vantagem e 28 crimes de falsidade informática: os 30 crimes que constam da acusação por si proferida.
O acórdão sublinha que, “em parte alguma do inquérito se conclui que os corpos sociais da Benfica SAD, por ação ou omissão, concordaram ou anuíram à conduta do arguido” Paulo Gonçalves.
Além disso, o TRL “entendeu que era necessário demonstrar, além de que o arguido [Paulo] Gonçalves agisse em nome da Benfica SAD, que a própria SAD quisesse a conduta”.
“Tal não foi demonstrado. Dos autos não resulta, porque não foi investigado sequer, que a estrutura dirigente da SAD, aquele que a pode vincular, haja de alguma forma querido a conduta do arguido [Paulo] Gonçalves”, sustentam os juízes desembargadores.
A Relação de Lisboa acrescenta que “não resultou provado, desde logo por falta de alegação de factos, que a estrutura da Benfica SAD” tenha agido “dolosa ou culposamente, proporcionado um estado de coisas que permitissem, em razão de falta de vigilância ou cuidado, que o arguido [Paulo] Gonçalves tivesse agido da forma que indiciariamente agiu”.
Na acusação, e também no recurso, o MP sustentava que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD e no interesse da sociedade, solicitou aos funcionários judiciais Júlio Loureiro e José Silva que lhe transmitissem informações sobre inquéritos, a troco de bilhetes, convites e 'merchandising' do clube.
No recurso, o MP defendia ainda que a SAD do Benfica "não diligenciou para que, no interesse da sociedade, utilizando os seus bens, os seus colaboradores e estrutura, não fossem praticados ilícitos por parte de colaboradores, neste caso, colaborador/subordinado, especial e imediatamente ligado" à administração e ao seu presidente, Luís Filipe Vieira.
“Ora, este raciocínio é um raciocínio tipicamente policial. Ao polícia interessa apanhar o criminoso. No inquérito em causa a polícia soube o resultado: os acessos e daí partiu para encontrar o culpado. Sempre foi assumido, identificado que foi o ‘Casimiro’ (primeiras referências a Paulo Gonçalves), que este agiu em nome do Benfica e não mais se curou em determinar se a Instituição estava a par do sucedido e se deu, de alguma forma, a sua anuência à conduta do arguido [Paulo] Gonçalves”, refere o acórdão da Relação de Lisboa.
Os juízes desembargadores Rui Teixeira (relator) e Maria Teresa Féria de Almeida criticam a investigação do MP e da Polícia Judiciária (PJ).
“Dir-se-á mesmo que se procurou apurar as condutas individuais esquecendo o todo que depois se pretendeu ilustrar na acusação. Na acusação refere-se um esquema que parte da Benfica SAD para que esta beneficie de informações privilegiadas e assim possa agir melhor perante eventuais adversidades. No inquérito investigaram-se condutas individuais sem as mesmas serem contextualizadas. E tudo com prejuízo da Justiça, que apenas pretende ver clarificadas as situações e punidos eventuais criminosos e dos próprios intervenientes, incluindo a Benfica SAD, que assim terá de suportar o pesado labéu da suspeita”, vinca o acórdão.
O TRL diz “que o arguido Paulo Gonçalves não tinha uma posição de liderança, já que não foi mandatado pelos corpos sociais para intervir em processos pendentes nos tribunais judiciais e não estava nas suas funções laborais intervir nos mesmos”.
“Sempre foi assumido que as ações do arguido [Paulo] Gonçalves poderiam ser transpostas, sem mais, para a esfera jurídica da Benfica SAD e assim se prosseguiu sem mais. Exemplo desta posição é o relatório intercalar da PJ. (…) Ou seja, sempre se assumiu, a PJ assumiu, que o Sport Lisboa e Benfica, assim quis agir”, lê-se no acórdão.
Segundo a Relação de Lisboa, “ao invés, e nesta parte", existe "um assessor jurídico que reporta ao Conselho de Administração (mais especificamente porque ele o disse ao presidente e a dois administradores) e não se sabe o que reporta”.
“O arguido [Paulo] Gonçalves e os administradores têm gabinetes no mesmo corredor e não se juntam comunicações, não há e-mails, não há escritos, não se faz prova do tipo de relação existente… nada. Tudo parece que o arguido [Paulo] Gonçalves não tem qualquer relação com o presidente da SAD. Naquela casa parecia ser tudo estanque. Ninguém se conhecia, ninguém falava... nada. E obviamente que isto não faz sentido”, frisa o TRL.
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