Lewis Hamilton. 92 Grandes Prémios conquistados. Mais um do que Michael Schumacher. É inevitável. À partida para a 12ª corrida da temporada de Fórmula 1, a primeira em Portugal desde 1996, ano em que o canadiano Jacques Villeneuve, da Williams à época, ergueu no Estoril, pela última vez, a taça de um Grand Prix disputado em terras lusas, parece não existir outro foco que a possibilidade do piloto inglês da Mercedes lançar-se isolado numa corrida que parece disputar sozinho, desde que começou a acelerar em 2008, ano em que conquistou o seu primeiro Mundial de F1, tornando-se no mais jovem piloto da história - e o primeiro negro - a consegui-lo.

No entanto, o regresso da Fórmula 1 a Portugal está longe de ser apenas uma passadeira vermelha para consagrar Hamilton. Pode-o ser, como pode não ser. Em Portimão, numa pista nova no circuito mundial, já apelidada de ‘montanha russa’ pelo piloto francês da Renault Sebastian Ocón, há espaço para surpresas em mares nunca antes navegados pelos veículos da modalidade, num Grande Prémio que não quer apenas servir de favor ou apenas para matar saudades, mas sim para ficar.

Do possível marco que poderá deixar o Autódromo Internacional do Algarve na história da Fórmula 1 a uma possível surpresa de Max Verstappen, passando por uma Ferrari renovada, estes são os principais pontos a acompanhar este fim de semana.

Lewis ‘92’ Hamilton

É apenas uma questão de tempo até que Lewis Hamilton conquiste o seu 92.º Grande Prémio da carreira, ultrapassando assim o recorde de Michael Schumacher e tornando-se no piloto da Fórmula 1 com mais vitórias da história em corridas.

A possibilidade de tamanho feito é razão suficiente para fazer do piloto inglês da Mercedes o principal candidato à vitória no Algarve, num ano em que também luta pelo sétimo título da carreira, podendo assim igualar Schumacher, o detentor do maior número de títulos mundiais. Se as premissas não chegam ao leitor mais exigente para justificar o favoritismo, relembramos apenas que esta época, em 11 provas disputadas Hamilton venceu sete, a última das quais na ronda anterior, no GP de Eifel, na Alemanha.

Os números valem ao atual campeão do mundo uma liderança confortável no campeonato, com 230 pontos, mais 69 do que o segundo classificado, o seu companheiro de equipa, o finlandês Valtteri Bottas, que deverá ser o seu principal adversário este fim de semana, e mais 83 que Max Verstappen, o jovem piloto holandês da RedBull que ocupa o terceiro lugar da classificação geral.

Hamilton vencer em Portugal o seu 92.º Grande Prémio não é um tema que diga apenas respeito à corrida que vai decorrer em Portimão ou ao circuito onde o inglês alcançar a marca. É muito maior do que isso e rapidamente resvala para uma pergunta perigosa e flutuante em todos os desportos e modalidades: é o inglês o melhor de todos os tempos?

Lídia Paralta Gomes, jornalista do Expresso, alerta para o facto de, por um lado, ninguém “poder colocar em causa 92 vitórias, estatisticamente” e de, por outro, o tema do melhor de sempre na F1 ser um pouco diferente das outras modalidades, uma vez que aqui os números gordos de vitórias e campeonatos do mundo não são o fator determinante.

Lewis Hamilton segura o antigo capacete de Michael Schumacher que lhe foi oferecido por Mick Schumacher, filho do antigo piloto da Ferrari, após o Grande Prémio de Eifel em que o britânico igualou a marca do alemão no que diz respeito ao número de vitórias em Grandes Prémios. créditos: Bryn Lennon / POOL / AFP

Se não há dúvida nenhum de que Hamilton é "um dos grandes", Lídia assume que "é difícil, olhando para todas as eras da F1, dizer quem foi o melhor.

"Se perguntarmos, se calhar encontramos uma amostra significativa de pessoas, que vêm ou viram Fórmula 1, que iriam falar do Ayrton Senna e o Senna tem três mundiais e uma série de recordes, muitos dos quais, batidos. É uma questão muito relacionada com o que se sente em relação a um piloto. Se eu falar de F1 com a minha mãe ela vai sempre falar de um piloto que é o Gilles Villeneuve e o Gilles Villeneuve nunca ganhou um Mundial de Fórmula 1 e ela adorava-o. E se calhar vamos a Itália e, como ele era piloto da Ferrari quando morreu, toda a gente tem uma adoração pelo Villeneuve. A questão de quem é que é o melhor é complicada de definir", sublinha.

"Agora, em números, de facto, é difícil refutar um piloto que vai a caminho do sétimo Mundial e que vai seguramente bater, se não for esta semana, vai ser daqui a duas ou três, o recorde de mais vitórias em Grandes Prémios de Fórmula 1”, explica a jornalista.

"A Mercedes é muito provavelmente a melhor equipa de todos os tempos”

Menos provável, mas pela primeira vez com essa possibilidade em cima da mesa, o título do Mundial de Construtores pode ser entregue à Mercedes também em Portugal. Caso acontecesse, fazer-se-ia história uma vez que a marca alemã chegaria ao sétimo título mundial, descolando-se assim da Ferrari com seis.

João Cambão, fundador e autor do site F1PT, traduz isto em miúdos: se a estatística individual diz que Hamilton é um dos melhores de sempre, esta mostra “que a Mercedes é muito provavelmente a melhor equipa de todos os tempos”.

“Pelo menos está a fazer algo que nunca foi feito na história da F1 e a dominar. Mesmo com as regras alteradas em 2017, com chassis completamente novos, continuaram a dominar. Este ano vai ser campeã e para o ano, como os carros vão ser praticamente iguais, é uma forte candidata a conquistar mais um título”, antecipa.

No entanto, de salientar que este último feito só é possível se a RedBull fizer uma corrida desastrosa e, entre os seus pilotos, não conseguir, pelo menos, cinco pontos. Ao mesmo tempo, sublinhe-se, que o Grande Prémio de Portugal não é indiferente à história. Basta percorrer a imprensa internacional dedicada à modalidade para ver como se conta o regresso da Fórmula 1 ao país que deu ao brasileiro Ayrton Senna, na altura na Lotus, o seu primeiro Grande Prémio, em 1985 no Autódromo do Estoril.

O meio da tabela é uma espécie de segundo pódio

Sim, na Fórmula 1, sensivelmente a meio da época, a questão sobre quem é que vai ganhar o Mundial não existe. E não é de agora. Nos últimos três anos, em particular, demasiado cedo deixaram de existir dúvidas de que Lewis Hamilton seria campeão. Tudo isto faz com que a atenção dos fãs se volte para os lugares abaixo, quer no Mundial de Pilotos, quer no Mundial de Construtores.

“O ano passado havia três equipas bastante à frente, a Mercedes, a Ferrari e a RedBull. Eram um pódio. Este ano a Ferrari como está na mó de baixo, abriu o terceiro lugar que ainda está em aberto para muitas equipas, a Renault, a Racing Point... tirando a Williams, a Alfa Romeu e a Haas todas as equipas têm ainda a hipótese de chegar lá”, analisa Lídia.

Para a jornalista é “muito interessante ver que, ao contrário dos últimos anos, em que era difícil um piloto que não fosse da RedBull, Merecedes ou Ferrari chegar ao pódio, isso já aconteceu ter vários pilotos de várias equipas este ano a consegui-lo, inclusive a ganhar, como fez Pierre Gasly, da AlphaTauri, em Monza".

"Para uma pessoa que gosta de Fórmula 1, está a ser uma das coisas mais interessantes deste ano. Há ali um pódio tipo, quando começa a corrida, entre Hamilton, Bottas e Verstappen. Esses são os que mais hipóteses de ocupar os três primeiros lugares, mas também têm acontecido algumas surpresas. Não sei como é que vai ser esta semana, espero que seja interessante, que traga emoção e que, apesar de admirar muito esses três pilotos, que esse não seja o pódio porque se for, quer dizer - e aqui, se calhar estou a exagerar um bocadinho -, que há a hipótese de a corrida ter sido chata”, acrescenta.

créditos: Bryn Lennon / POOL / AFP

Para João Cambão há duas equipas a que devemos ficar especialmente atentos em Portimão. A primeira é a Ferrari que “traz mais evoluções para este Grande Prémio, ao contrário da Mercedes que já parou de evoluir o carro este ano devido à vantagem que tem”.

A mítica construtora italiana está a ter um ano muito distante das conquistas do passado. Charles Leclerc está em oitavo lugar na classificação geral, o melhor que conseguiu foram dois pódios, na Áustria e no Reino Unido, e Sebastian Vettel, outrora tetracampeão mundial, é 13.º não tendo esta temporada ido além do sexto lugar.

“É difícil dizer que é candidata à vitória ou até a um pódio, mas será sempre uma candidata a lutar pelos quartos, quintos lugares. É um bom circuito para a Ferrari fazer melhor do que tem vindo a fazer. Uma vitória é sonhar muito alto até para os adeptos”, analisa.

A verdadeira “gracinha” pode ser conseguida pela RedBull, diz, relembrando que, na qualificação do último Grande Prémio, Max Verstappen “ficou muito perto” dos Mercedes.

No entanto, admite que é difícil fazer uma análise mais concreta a uma pista que nunca acolheu uma corrida de Fórmula 1. Se olharmos para a perspetiva da novidade, a corrida em Mugello, que albergou esta época o Grande Prémio da Toscana, um dos que entrou em regime de substituição face às provas canceladas, como a prova portuguesa, há esperança para a RedBull, uma vez que nessa mesma prova, apesar de Hamilton e Bottas terem conquistado o primeiro e segundo lugar, respetivamente, Albon, colega de Verstappen, conseguiu o último lugar do pódio.

A extrapolação vale o que vale, uma vez que os dois circuitos são bastante diferentes e a única coisa em comum é o fator novidade. Da mesma forma, a vantagem de alguns pilotos conhecerem a pista - Lewis Hamilton andou com o seu antigo McLaren por Portimão em 2009 e pilotos como Lando Norris ou Daniel Ricciardo passaram pela pista em Fórmulas de Promoção -, é classificada por Cambão como uma "pequena vantagem".

A “montanha russa do Algarve”

O Autódromo Internacional do Algarve, em Portimão, é o quarto palco a acolher o Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1, depois da Boavista, Monsanto e Estoril terem recebido a competição nas 16 edições anteriores. O circuito citadino da Boavista, no Porto, foi o primeiro palco português da Fórmula 1, em 1958. Em 14 de agosto desse ano, o britânico Stirling Moss (Vanwall) foi o primeiro vencedor do GP de Portugal. Um ano depois, Moss repetiu o triunfo, mas agora no circuito de Monsanto, em Lisboa. A prova regressaria à Boavista em 1960, com a vitória a sorrir ao australiano Jack Brabham (Cooper-Climax).

De salientar, no entanto, que desde 1950 que se realizavam corridas na Boavista (de 1950 a 1953) e em Monsanto (1954 e 1957), que atraíam grandes nomes do automobilismo mundial, como os argentinos José Froilán González ou Juan Manuel Fangio, apesar de não integrarem o novo campeonato de Fórmula 1, criado no início da década.

A partir de 1960, a Fórmula 1 deixou de passar por Portugal, mas ainda houve corridas de automóveis em 1964, 1965 e 1966, em Cascais. O ‘Grande Circo' regressa em 1984, já no Autódromo do Estoril, onde se manteve até ao dia 22 de setembro de 1996.

Agora, no Algarve, há uma pista completamente diferente, definida pelos 'altos e baixos' sendo que, para além da "montanha russa", como já lhe chamam, há ainda a acrescentar a configuração mais rápida da pista, a opção escolhida pela organização da Fórmula 1.

O tempo por volta rondará o minuto e 14 segundos e, segundo as simulações efetuadas, há três pontos de ultrapassagem, no final da reta da meta, no final da reta Interior e na curva Portimão, um desenho que favorece os pilotos mais fortes tecnicamente e onde a perícia de condução pode fazer maior diferença do que noutros traçados.

“Pelo ponto de vista dos pilotos, pelo menos dos que falaram, é quase consensual que vai ser muito divertido pilotar aqui. Estão todos ansiosos, é um circuito diferente dos outros por ser a montanha russa do Algarve, como tem sido falada. São sempre subidas e descidas, não há em nenhum circuito do calendário, atualmente, parecido”, analisa o jornalista da F1PT que desconfia da facilidade que oferecem os momentos das ultrapassagens. “As curvas são não são muito fáceis. A curva no final da reta da meta é rápida, mas com o DRS deverá ser possível ultrapassar. Depois na curva 5, que é uma curva lenta, também é possível fazer ultrapassagens, mas como as outras são de média velocidade é mais complicado”, explica.

Uma outra novidade será o asfalto que é novo, o que poderá ter alguma influência na corrida.

“Se me dissessem, vais ter um GP Portugal sem Mercedes/Red Bull no pódio, assinava já por baixo”

Convidados a declararem a sua preferência sobre como gostariam de ver a corrida, os dois jornalistas convidados a participar nesta antevisão do regresso da Fórmula 1 a Portugal estão em concordância: querem, acima de tudo, uma prova competitiva para mais tarde recordar e capaz de encantar a organização ao ponto de esta ficar por cá.

“Se me dissessem, vais ter um Grande Prémio de Portugal sem Mercedes/Red Bull no pódio, eu, enquanto adepta, assinava já por baixo. Isto não quer dizer que não gosto do Hamilton ou do Verstappen, quer só dizer que, em princípio, a corrida foi memorável como aconteceu em Monza, que é, muito provavelmente, a corrida que no final do ano toda a gente vai falar”, diz Lídia que, por outro lado, assume que não consegue ignorar a possibilidade de um dia poder vir dizer que esteve na corrida em que Hamilton se tornou no maior vencedor de Grandes Prémios da história da Fórmula 1.

João Cambão diz que gostaria, acima de tudo, “de ver o pelotão a juntar-se todo" e "ter, pelo menos, uma luta pelo pódio com a Renault que tem vindo em crescendo de forma nos últimos GP, ou a Racing Point que também tem estado em boa forma ou a Mclaren, que também tem sido uma equipa forte. "Estas três equipas estão separadas por seis pontos no campeonato de construtores, o que demonstra que a época tem sido equilibrada”, sublinha.

O regresso que rompe com uma nostalgia que durava há quase um quarto de século quer ser mais do que isso. Paulo Pinheiro, CEO do Autódromo Internacional do Algarve já assumiu a ambição de inscrever o circuito português no calendário de F1 e a verdade é que o sucesso desta jornada, a 12.ª das 17 previstas, poderá ditar a continuidade do circuito português no calendário do próximo ano, que deverá continuar a ser condicionado pela pandemia do novo coronavírus.

Entre o sonho e a realidade, Lídia considera que é muito difícil que a Fórmula 1 volte a ter Portugal como paragem obrigatória “porque são muitos milhões, logo assim à cabeça, à volta de 30 milhões de euros para ter uma prova”. “É um investimento que normalmente vale a pena, mas nem toda a gente tem 30 milhões para investir assim, para lá que há uma série de países com muitos menos problemas do que nós que estão na linha da frente para entrar, nomeadamente fala-se num grande prémio da Arábia Saudita. Países que fazem quase turismo à volta daquele fim de semana de F1”, analisa.

No entanto, a jornalista do Expresso admite que existe alguma esperança. “Se os pilotos gostarem muito é meio caminho andado. Este ano já tivemos a estreia de Mugello e os pilotos adoraram e falaram muito bem do traçado. Se os pilotos falarem muito bem de Portimão é o melhor cartão de visita”, diz.

(Artigo corrigido às 23h36)