"Sem pressão, zero pressão!", pedia um efusivo Sérgio Oliveira no túnel de acesso ao relvado. "Vamos lá passar isto, c******!", gritava praticamente ao mesmo tempo o líder e capitão portista, o internacional Pepe, cuja excelente campanha atual edição da Champions merece rasgados elogios, e que perfilava à frente do conjunto azul e branco.

Independentemente do resultado final, antes mesmo de as equipas entrarem em campo, os ânimos e o espírito combativo que caracteriza a equipa orientada por Sérgio Conceição estavam inequivocamente presentes. A desvantagem trazida da primeira mão era uma grande pedra no sapato deste dragão, mas este já urgia vontade de bafar fogo na ponta da chuteira mesmo antes de subir ao relvado do Estádio Ramón Sánchez Pizjuán, que serviu de palco para as duas mãos (no primeiro embate serviu de casa emprestada ao Porto, esta terça-feira serviu de casa emprestada do Chelsea).

Para seguir em frente, os dragões precisavam de uma noite histórica: marcar (pelo menos) três golos e não sofrer nenhum. Coração e vontade não faltaram, mas é impossível não escrever sobre a partida de hoje sem trazer à baila a primeira mão, que deu desaire por 2-0, via dois erros individuais. Seja qual for o ângulo que se queira dar à partida, é difícil não fazê-lo. Porque os portistas bateram-se de igual para igual nos dois jogos. Em 180 minutos faltou uma pontinha de sorte. Talvez com maior acerto defensivo na primeiro jogo e alguma sorte no de hoje, o desfecho desta crónica seria diferente.

Como jogaram as equipas

O FC Porto alinhou num esquema de 4x3x3 | Marchesín, Manafá, Pepe, Mbemba, Zaidu Sanusi, Marko Grujic, Sérgio Oliveira, Corona, Matheus Uribe, Otávio e Marega

  • Relativamente ao último jogo a contar para o campeonato diante o Tondela, Sérgio Conceição promoveu três alterações (expectáveis) no seu onze titular: Mbemba, Sérgio Oliveira e Marega entraram para o lugar de Diogo Leite, Evanilson e Toni Martínez.

O Chelsea alinhou num 3x5x2 | Edouard Mendy, Reece James, Azpilicueta, Rüdiger e Thiago Silva, Ben Chilwell, Jorginho, N'Golo Kanté, Mason Mount, Kai Havertz e Christian Pulisic

  • Do lado inglês, igualmente três mexidas em relação à última partida da Premier League no fim de semana: Reece James, Thiago Silva e Kanté entraram para o lugar de Kurt Zouma, Mateo Kovacic (afastado por lesão) e Callum Hudson-Odoi, titulares frente ao Crystal Palace.

Nos primeiros cinco minutos deu para perceber a escolha do trio (Grujic, Sérgio Oliveira e Matheus Uribe) que compôs o miolo portista por parte do timoneiro português: tinha músculo e alcance no centro do campo, algo que ficou bem patente quando o FC Porto tentava pressionar alto e tentava instalar-se no terreno da equipa londrina.

Esta intenção de jogar esticado e junto da defesa do Chelsea ia tirando dividendos logo ao minuto 10' via brinde de Edouard Mendy. O guardião do conjunto inglês quis sair a jogar e participar naquela espécie de meinho que tanto caracteriza o futebol de hoje, mas a coisa ia saindo-lhe mal quando errou o passe junto à sua baliza. Corona adivinhou para onde a bola ia, rematou rasteiro de primeira e o resultado só não foi diferente — deu canto — porque houve um corte in extremis de Jorginho.

O Chelsea ia tendo muita dificuldade em conseguir ter bola. Se por um lado, era expectável que jogasse com as linhas mais recuadas porque se encontrava em vantagem na eliminatória, por outro era visível que a estratégia portista também impunha muita dificuldade quando a equipa de Tuchel tentava sair a jogar. Na primeira meia hora de jogo foi constante a tentativa de lançar bolas para as alas, procurando explorar as costas de Zaidu com a velocidade de Reece James ou com as movimentações de Kai Havertz.

Chelsea vs Porto
Chelsea vs Porto créditos: Lusa

A agressividade e ritmo imposto pelo FC Porto era visível — quase palpável. Kanté, Jorginho e Pulisic estiveram quase sempre vigiados. Mas se houve algo que o Chelsea já tinha provado no primeiro jogo entre ambos foi de que conseguia capitalizar quaisquer erros que os dragões cometessem. Um mero erro que fosse podia ser fatal.

Prova disso foi um lance do ataque londrino aos 27'. Havertz foi lançado sobre a direita, em contra-ataque, e tentou o cruzamento atrasado. Só que se é verdade que os ingleses foram perigosos e aproveitaram bem diligências que surgissem, Pepe voltou a recordar com dois cortes imperiais que a bola até pode entrar na baliza de Marchesín, mas que primeiro é preciso passar por ele. Neste lance deu para deslindar um pouco daquela exibição mastodôntica do internacional português em Turim. Até ao final da partida conseguiu manter a baliza inviolável.

Um dos comentadores da Eleven Sports fez um comentário que se ajustava perfeitamente ao que se estava a passar em campo à chegada do intervalo. O FC Porto entrou melhor, mais dominante, combativo. Só que com o passar dos minutos, o Chelsea vestiu o fato de macaco e conseguiu encaixar na estratégia de Sérgio Conceição. A maioria das vezes precipitado a tentar sair em contra-ataque e sem grande criatividade, mas dava mostras de que estava a ficar confortável. Era pragmático na saída de bola, optando por sair quase sempre em jogo direto (talvez porque aquele lance de Mendy tenha causado demasiados calafrios).

Já os azuis-e-brancos não conseguiam acertar passo no último terço. Tinham mais bola e domínio territorial, é facto, mas faltava criatividade para desbloquear a defesa dos Blues. Se é verdade que o "sinal mais" dos primeiros 45' foi para o FC Porto, outra nuance não menos real é o facto de Azpilicueta, Rüdiger e Thiago Silva nunca parecerem terem estado realmente em apuros. Conseguiram monitorizar o ataque portista com sucesso, exceção feita no lance do golo.

Marega foi sempre incansável na missão defensiva e era o primeiro elemento a pressionar a linha mais recuada do adversário. No entanto, esteve muito isolado dos seus companheiros e dos lances de perigo — a bola simplesmente não lhe chegava aos pés. Tanto não chegou que não executou nenhum remate enquadrado. Aliás, em abono da verdade nem ele nem ninguém. Não houve tiros à baliza, muito menos golos, de parte a parte.

O segundo tempo foi um pouco mais do mesmo. Sem qualquer alteração ao intervalo no onze de ambas as equipas, o FC Porto dominava, mas o Chelsea ia causando calafrios quando se aproximava da área portista. Pulisic teve várias ocasiões (aos 91', 70' e aos 54') em que podia ter selado de vez as expectativas da turma portuguesa. Porém, pecou redondamente no capítulo da finalização. Nos primeiros lances foi o guardião argentino que negou o golo ao norte-americano, no último foi mais uma ocasião cortada por Pepe. Do outro lado da baliza, ocasiões de golo e movimentações perto da baliza de Mehdi eram miragem.

Foi então que a ver o relógio a andar e o tempo para marcar dois golos a escassear, Sérgio Conceição mexeu no tabuleiro e apostou naquilo que muitos adeptos se calhar já pediam: mais um homem na frente para dar ênfase ao habitual 4x4x2. Assim, aos 63', Grujic deu lugar a Taremi. E nem meros minutos depois o iraniano fez aquilo que os azuis e brancos não tinham conseguido até então: acertar na baliza. O remate foi frouxo, Mendy não teve dificuldade em agarrar a bola, mas havia vislumbre de esperança quando o avançado respondeu ao cruzamento de Corona. Nesta altura do encontro, um remate à baliza era sinónimo de aproximação do objetivo primordial: fazer balançar a rede para, pelo menos, levar o jogo a prolongamento.

E se Sérgio Conceição tinha garantido em conferência de imprensa de antevisão que ia entrar em campo uma equipa "compacta e coesa" para o jogo desta terça-feira, de modo a evitar precipitações, tal pode ter ser lido à letra. A equipa foi tudo isso. Inclusivamente teve cuidado para não "ir com demasiada sede ao pote", como avisou o técnico portista. Só que esta noite houve simplesmente demasiado Jorginho e Kanté, talvez os melhores em campo. Houve matreirice e experiência (Thiago Silva), pulmão (Kanté) e um excelente registo (Jorginho) que ajudou a sustentar a vantagem.

Porque a verdade é que o Chelsea controlou sem bola a maior parte do segundo tempo. E nem mesmo as substituições efetuadas de uma assentada aos 73' (foram três: Evanilson para o lugar de Marega, Nanu por Manafá e Luis Díaz por Corona) lograram efeito. Se na primeira mão houve quem considerasse que o treinador portista mexeu demasiado cedo, hoje ratificou e optou por esperar para mexer e alterar a estratégia. Mas nem assim. A equipa pressionava bem, mas não conseguia enquadrar e criar ocasiões de real perigo. Tentar, até tentou; o golo é que não chegava. Zaidu cruzava de um lado, Mbemba do outro. A bola saltitava na área, os azuis e brancos insistiam. Só que o golo não aparecia. Não se definia bem, simplesmente, na hora de colocar a redondinha na baliza. Até chegar aos 91'.

Taremi levou a cabo um daqueles golos de bicicleta que lembram o porquê deste ser o desporto-rei. É um golo de bandeira que deixa qualquer adepto de queixo-caído. Em certa medida faz lembrar o gesto de Cristiano Ronaldo, em Turim, quando ainda estava ao serviço do Real Madrid. O lance começa no flanco direito, Nanu saca um cruzamento bombeado para o coração da área e o iraniano, de costas para a baliza e com um tempo de reação e precisão de cirurgião, saca de um pontapé de bicicleta que merece ser visto, revisto e ser visto outra vez. A bola entrou no ângulo, onde a coruja faz o ninho. Era preciso um milagre, chegou um golo tremendo, talvez o melhor da edição da Liga dos Campeões deste ano. Mas já era tarde demais.

O jogo terminaria depois com sabor agridoce. Naturalmente, os jogadores do conjunto português terão ficado com a sensação de que podiam ter seguido em frente e que em nenhum dos jogos foram inferiores aos ingleses — que vão defrontar o vencedor da eliminatória entre Real Madrid e Liverpool. Porque se há algo a tirar desta partida, é que o golo de Taremi espelha aquilo o FC Porto fez este ano na liga milionária: tão somente uma resplandecente campanha, que provou que a atitude e a vontade servem para olhar de frente os "grandalhões" dos milhões. Não passaram, não chegaram às meias nem há "francesinhas" à borla em Sevilha, mas a ter de cair, que se caia de pé. E foi exatamente isso que os portistas fizeram esta noite.