Há duas passagens que são chave para explicar e analisar o Portugal-Marrocos desta tarde no encontro da segunda jornada do Grupo B do Mundial, disputado no Estádio Luzhniki, em Moscovo. E foram ambas tiradas na conferência de imprensa de antevisão. A primeira, é de Hervé Renard, técnico da seleção marroquina, sobre Ronaldo.

"Já foi tudo dito em relação ao Cristiano Ronaldo, não há nada a acrescentar. Mesmo se criarmos um plano para o parar, ele vai conseguir uma saída". Realmente foi tudo dito, mas parece que ele exige que se continue a escrever e a dissertar sobre ele. Principalmente quando estão muitos milhares a gritar nas bancadas "Messi" ou a assobiar ferozmente quando ouvem ou vêem a sua imagem nos ecrãs. Por norma, quando isso acontece, são batidos recordes. Portanto, há sempre qualquer coisa acrescentar, sim. E hoje não foi exceção. Os marroquinos, sempre que isso aconteceu, largavam um enorme coro de assobios. Foi assim desde o aquecimento, à sua apresentação oficial. Aqui para nós que ninguém nos ouve, obrigado. Porque Ronaldo é agora o melhor marcador europeu de sempre ao nível das seleções, com 85 golos e apenas 24 separam o português do melhor marcador do mundo no mesmo ranking, o iraniano Ali Daei (109 golos). No final, pelo golo e pela entrega, foi pela segunda vez neste mundial distinguido com o prémio de melhor em campo.

Agora, a intervenção de Fernando Santos. "Basta jogar ao seu melhor nível, como fez no campeonato da Europa a todos os níveis do jogo. Se fizermos isso, com mais ou menos dificuldades, acredito que vamos ganhar". Não foram apenas "dificuldades", foram muitas dificuldades.

O nosso técnico é um homem que sabe. E muito. O nosso selecionador é daqueles que dificilmente consegue ficar surpreendido com algo que se passe dentro de um relvado. Mas a verdade é que ambos os treinadores acertaram nas análises. De facto, está a tornar-se um hábito ter que agradecer a Ronaldo por elevar e permitir que Portugal alcance um outro nível. Porque, friamente, ninguém consegue explicar como é que Portugal foi tão atipicamente apático e sem fome por conseguir alcançar um resultado exibicional melhor. E a segunda parte frente a Marrocos em muito fez lembrar aquele sentimento de alguns jogos em França, em 2016. Os segundos 45' de Portugal foram paupérrimos em matéria de posse de bola, construção e criatividade. É que nem se pode falar positivamente na compostura defensiva das Quinas - enquanto coletivo, não teve uma prestação defensiva que se deva elogiar. Portugal não teve fortuna ou sorte, teve muito mais que isso. Passe o exagero, não há espaço neste estádio para uma vaca sagrada que permitisse Portugal sair hoje com a vitória. Num momento, Patrício, e noutro, Pepe, impediram golos cantados. É verdade que no meio-campo havia Moutinho, mas pouco mais.

Na antevisão do jogo houve a necessidade de relembrar o único encontro disputado entre ambas as seleções, no México 86. Foi um desaire que ninguém estava à espera. Foi a necessidade de recordar o golo de Diamantino perto do fim depois de ter entrado já no decorrer do segundo tempo, naquela derrota por 3-1 frente aos magrebinos. Houve uma necessidade de alertar Portugal para não amolecer. Kratovo é um local perfeito e isolado, talvez demais, pois parece que tais alertas não chegaram por lá. Mas ao jogo, então.

A bola começou a rolar ao sabor de olés marroquinos, mal acontece o primeiro lance do encontro. Ainda as equipas estavam a perceber em como encaixar uma na outra, já Bernardo Silva tinha conquistado um canto. Foi aos 4'. Na sequência, Bernardo bate curto, Moutinho cruza. E depois foi alguém a querer ficar na história que, de cabeça, fez das suas. Quem é, quem é? Tanto o assobiaram que ele depois teve que fazer o que melhor sabe… que golpada de cabeça, capitão!

O golo de Portugal resulta num lapso de concentração e má organização defensiva do conjunto marroquino. Se a missão de bater Portugal já não se avizinhava fácil, começar um jogo a perder logo aos 4', ia dificultar ainda mais a tarefa. Contudo, a verdade é que Marrocos esteve em largos momentos do jogo por cima. E teve azar. Azar e falta de competência, diga-se. Porque não se pode justificar tudo com vacas sagradas e com os Deuses. Para fazer a bola passar a linha de golo é preciso arte e engenho. E isso os avançados marroquinos tiveram muito pouco. Apesar de todas as oportunidades, brindes posicionais e desconcentrações dos defesas portugueses, a verdade é que não conseguiram capitalizar as oportunidades.

Porquanto, no primeiro tempo Portugal ainda dispôs de duas boas oportunidades para ampliar a vantagem. Primeiro, num rasgo de Moutinho (8') pelo meio campo marroquino a terminar com um passe para Ronaldo, que não pediu licença para rematar cruzado, tendo a bola passado perto do poste. Depois, aos 38’, acontece um lance que deixa dúvidas: tratou-se de uma perdida de Guedes ou uma grande defesa de Munir? O filme da jogada acontece quando Cristiano que recebe o esférico, domina com a peitaça e com o pé esquerdo isola o parceiro de ataque num excelente momento de requinte técnico. Guedes, na cara de Munir, tenta desviar a bola do alcance do número 12 adversário, mas o guardião marroquino consegue defendê-la com a mão direita e tira o "pão da boca" ao português.

Só que Marrocos, entre os 16' e 18', criou situações de muito perigo que podiam ter resultado em golo em prejuízo de Portugal. E a salientar que há um denominador comum: a asa esquerda marroquina. São duas situações de real perigo que animam os adeptos do país do norte de África e elevam os cânticos. São muitos em relação aos portugueses. Quando há uma jogada, um canto ou uma bola parada que ameaça a baliza de Rui Patrício, o 12.º jogador fazia questão de entrar em campo. Depois, era ver Fernando Santos descontente com João Mário — e com razão. Este foi um jogo em que o médio português exibiu níveis de desconcentração pouco habituais. A sorte é que o "bombeiro" João Moutinho, um dos melhores em campo, tentava e conseguia a maior parte das vezes compensar bem as dificuldades quer de João Mário, quer de Rafael Guerreiro.

Portugal foi deixando que Marrocos ganhasse controlo do jogo e da bola, conseguindo trocá-la cada vez mais perto da baliza portuguesa. Até Cristiano Ronaldo não descurava na hora de defender. E quando isso acontece... todo o português consegue calcular como é que a equipa não deverá estar aos prantos no relvado.

O resumo do jogo num minuto:

Passaram-se vários minutos em que Portugal não conseguiu atacar com perigo. Até que chega um dos casos do jogo. Adeptos, banco e toda a equipa de Marrocos pediram penálti. No entanto, o árbitro manda jogar. E pela repetição Nordin Amrabat e Raphael Guerreiro parece que se agarram mutuamente. Não deixa de ser um lance dúbio. Tanto assim foi que o árbitro teve que ir avisar o treinador dos marroquinos para se controlar na zona de ação. Estava lívido, irado. E assim iria continuar, porque pouco depois havia novo lance e com direito a protestos por parte dos mesmos insatisfeitos.

Antes do final da primeira parte, sucedem-se as jogadas de perigo no lado esquerdo do ataque de Marrocos. A sorte é que não há homem para marcar na dianteira da nação do norte de África... Não há presença na área portuguesa de uma cabeça marroquina que faça mossa. Os cruzamentos saem, mas não há quem os finalize. Fernando Santos estava no banco irado, descontente. Pri, pri, pri. Recolhe tudo para o balneário. Nas imagens, porém, conseguimos perceber que o capitão não está satisfeito.

“Jogamos muito pouco, pá,", pareceu dizer Ronaldo ao homem que lançou Éder e nos levou a conquistar Paris. E muito menos havíamos de jogar na segunda parte, Cristiano.

Ainda assim, a estatística dizia que Portugal nunca perdeu num Mundial quando está a vencer ao intervalo. E assim vai continuar. Só não sabe bem é como.

Na reentré, são os mesmo 11 que iniciaram a partida que começam o segundo tempo. Os dez em campo e "São" Patrício, que aos 56’ faz a defesa da tarde. Grande Patrício. Vale um golo. Estas são daquelas que valem um golo! Foi daqueles lances que fez com que os níveis de decibéis subissem nas bancadas que assistiram ao português a defender uma cabeçada de Younes Balhanda. O n.º 10 fez um aceno ao golo, mas viu uma muralha pela frente.

Fernando Santos tentou mexer no jogo de xadrez dos bancos na segunda parte, mas não se viram grandes efeitos. Primeiro saiu Bernardo Silva (definitivamente o monegasco não está feliz, embora fosse o jogador com mais desarmes). Para o seu lugar, entrou Gelson. Depois, trocou João Mário por Bruno Fernandes, invertendo-se os papéis relativamente ao primeiro jogo, contra a Espanha. E, até final, Adrien (88’) iria trocar com Moutinho (ainda houve tempo para levar amarelo), mas a turma de Fernando Santos iria aguentar a vantagem e Marrocos iria ser a primeira seleção eliminada do Mundial 2018.

Dos que foram ficando em campo, William Carvalho não esteve particularmente feliz. Nem no capítulo do passe, nem da recuperação. E quando assim é, o miolo ressente-se. Moutinho é obrigado a trabalho extra, acusando na reta final o desgaste. Também Raphael Guerreiro não foi um adversário temível para os alas marroquinos, perdendo quase sempre os duelos individuais; no ataque, foram poucas as vezes que subiu no terreno com sucesso.

Marrocos fez praticamente tudo aquilo que lhe competia — só não marcou. A nível estatístico está por cima em quase todos os aspectos relevantes. Fez por merecer e por marcar. Mas a verdade verdadeira destas coisas é explicada em futebolês: elas contam é lá dentro. E lá dentro só Ronaldo é que a conseguiu por. No final, foi o seu golpe cabeça que reclamou a vitória.

Portugal não jogou bem e esteve muito longe de ser uma equipa que demonstrou aquele futebol que faz acreditar que é possível chegar ao título inédito e reclamar um feito que poucos se podem gabar: conquistar o Mundo. Ronaldo, claro, disse presente e Rui Patrício ajudou quando foi necessário. Por agora, foi suficiente. A exibição foi sofrida, mas Portugal arrecadou os três pontos sem tropeção e sem necessidade de nervosismo extra para o jogo com o Irão.


O jogo em imagens