A competitividade sempre existiu, a rivalidade entre clubes, também. Mesmo entre miúdos. Mas o mundo não para de girar, a tecnologia evoluiu e o futebol com ela. Em tempos idos, os primeiros toques eram dados na rua, com amigos e à vontade do dono da bola — o rei do bairro. Mais tarde, para alguns, a transição era feita para um campo pelado. Aqui, no verão comia-se pó e apurava-se a técnica; no inverno, treinava-se a força nas possas de água e na lama. Primeiro num campo de 5x5, mais tarde para os 7x7 e, por fim, alguns anos depois, para o futebol de 11x11. Hoje, há academias, treinadores especializados, botas de todas as cores, festejos à Ronaldo e toda uma panóplia de exercícios que visam criar máquinas modernas do beautiful game. No entanto, há algo que parece inerente às eras: os pais e os treinadores de bancada que querem ensinar tudo aquilo que sabem aos mais novos. A gritar.

Zlatan Ibrahimovic, Henrik Larsson, Fredrik Ljungberg, Sven Rydell ou Anders Svensson são filhos da nação da bandeira azul e amarela. A competir em provas internacionais desde 1908, ano em que competiram nos Jogos Olímpicos de Londres, os suecos têm uma longa história crivada no desporto-rei, apesar de não serem uma seleção proliferamente associada a títulos. Contudo, no futebol, seja no norte da Europa, seja em qualquer outra parte do mundo, há algo em comum: nos jogos das camadas jovens, em muitos casos a dar os primeiros toques na bola e nos primeiros ciclos de aprendizagem, existem famílias que assistem às partidas nas bancadas que se esquecem da idade e do ambiente a seu redor.

Quem já assistiu a jogos das camadas jovens, sabe que é uma realidade. E, quanto maior a exigência, maior a dívida a cobrar aos mais novos. Há muito que deixou de ser um jogo a ser disputado por prazer, relegando a diversão própria da idade para contornos menos dignos dum jogo amado por milhões.

Ainda no passado 3 de junho, houve um treinador que foi despedido por incitar a equipa a ganhar por um resultado capaz de tirar a alegria a qualquer jovem — independentemente se esteja a vencer ou não. A equipa B de sub-11 dos Serranos, da cidade de Valência, recebeu e goleou o Benicalap C, também de Valência, por 25-0. A dilatada vantagem num jogo em que o campo era ocupado por meninos de 10 e 11 anos, caiu mal à direção da equipa vencedora que acabou mesmo por demitir o treinador.

Foi precisamente devido a estes moldes, para evitar que crianças deixem de jogar futebol devido a pressões exteriores, que três clubes clubes da capital sueca, suspeitando que estas estavam a ser afetadas, quiseram aprofundar o seu conhecimento sobre o assunto.

Os resultados foram, no mínimo, alarmantes: uma em cada três jovens atletas queria desistir devido ao comportamento daqueles que, de acordo com inquérito, eram catalogados de “pais sobreenvolvidos”. Dos 1.016 adultos que responderam ao questionário, 83% afirmou já ter assistido a pais que exigiam demais dos seus filhos ou que teciam duras criticas aos árbitros — também eles jovens — e juízes de linha, em alto e bom som.

Os clubes — Djurgdarden, AIK e Hammarby — ficaram atónitos com as respostas às perguntas e com os números que estas mostraram. E decidiram atuar — pondo as rivalidades, palmarés e a clubite inerentes às proximidades geográficas, de parte.

Combatendo numa frente em conjunto, partiram num uníssono em prol de uma resolução do problema em mãos. Assim, juntaram-se e elaboraram um “código futebolístico” que, esperam, venha a instar uma mudança de comportamento por parte dos pais que assistem aos jogos dos filhos ou das equipas de formação dos emblemas. O código, citado pelo The Guardian, numa tradução livre, escreve o seguinte:

“Eu, como pai, farei tudo o que estiver ao meu alcance para apoiar o meu filho, as outras crianças, os membros do clube, os árbitros e os [outros] pais nos campos de treino e durante os jogos — através de um ambiente positivo”.

Mais de 1.600 pais já assinaram. E, a cada dia que passa, mais o fazem e seguem os passos daqueles que já subscreveram o intento dos três emblemas de Estocolmo. A intenção, segundo alguns pais, passa por imprimir a mensagem em t-shirts para que o código se estenda e chegue a mais pessoas — algo que parecem ter conseguido, pois já existem outros clubes a quererem associar-se à iniciativa.

Na voz do vice-capitão do AIK, Stefan Ishizaki: “Num ambiente desportivo, para proteger a criança, a felicidade tem de ser a coisa mais importante porque é então que a vão levar para o resto das suas vidas. Os jogos, os torneios e as sessões de treino, é onde vais passar o tempo com os teus amigos e a fazer algo que gostas. Futebol é paixão. É a felicidade, tristeza e todas as emoções entre elas. Futebol é a coisa mais bonita que existe — e é assim que se deve manter.”

O inquérito, levado a cabo pela Survey Sampling Internacional, chamou a atenção dos media nacionais e já se espalhou opiniões pelo país. O The Guardian escreve que “não se trata de um problema apenas da Suécia", mas que alastra pelo mundo inteiro. No entanto, escreve a publicação que todas as lutas têm de começar nalgum lugar, sendo que o país do “Rei Zlatan” foi o primeiro a dar exemplo. Agora é esperar que outros trilhem o mesmo caminho para que continuem a aparecer novas esperanças como Alexander Isak.