Se considerarmos as três principais modalidades variantes do futebol (Futebol, Futebol de Praia e Futsal), Portugal apresentou, em várias ocasiões, a hegemonia dos títulos individuais, com Ronaldo, Madjer e Ricardinho a assumirem-se como os magos das suas respetivas modalidades. No entanto, será de mencionar que o sucesso internacional tardou em chegar para o futebol e o futsal — principalmente para o último. E, no futsal (e não futebol de salão, um desrespeito para modalidade), há ainda um longo caminho a percorrer.
Existem, atualmente, cerca de 36 mil praticantes federados, com 72% a pertencerem à formação, de acordo com Pedro Dias, diretor para o Futsal da Federação Portuguesa de Futebol. Isto é, ainda que longe dos valores do futebol (ultrapassam os 200 mil atletas federados), estes têm vindo a crescer. Existe uma noção da necessidade de criação de uma identidade própria para esta modalidade, mais do que abordá-la como futebol num pavilhão, mas os resultados teimam em mostrar-se numa aposta mais afincada.
Tomemos como exemplo a Liga Placard. Dos 14 clubes inscritos, apenas SL Benfica, Sporting CP, SC Braga, Portimonense e Belenenses apresentam uma aposta forte noutras modalidades, assumindo-se como clubes multidisciplinares. Os restantes clubes surgem de tentativas de pequenas cidades e, por vezes, até vilas ou freguesias, de se intrometerem num desporto que ainda abre espaço para a surpresa quanto às equipas que participarão no ano sucedâneo. Tirando os projetos do Viseu 2001 e do Futsal Azeméis, com grande apoio financeiro, as restantes equipas foram subindo a muito custo e (muito) gradualmente nas tabelas classificativas da modalidade em Portugal.
O que esta realidade nos mostra é que clubes como o Vitória SC e o FC Porto, por exemplo, têm negligenciado por completo esta modalidade, tendo clubes como o Rio Ave ou o Boavista deixado de apoiar tão fortemente a mesma após resultados menos conseguidos e consequentes descidas de divisão. A instabilidade financeira que os clubes sem outras fontes de receita apresentam, ano após ano, leva a uma enorme volatilidade ao nível do plantel que se transmite para o modelo de jogo e a falta de continuidade do mesmo. O caso do SC Braga após a sua qualificação para a UEFA Futsal Cup de 2017/2018, com a sangria dos craques do plantel, é demonstrativo da incapacidade de ombrear com os clubes com maior poderio financeiro. A falta de grandes nomes tem ajudado a extremar os polos financeiros da liga.
E é neste extremar que também se apresenta uma das grandes dificuldades do futsal em assumir-se como uma aposta segura por parte de futuros praticantes: o título é discutido há mais de 10 anos apenas por Sporting CP e SL Benfica. As duas equipas entram facilmente no atual top-5 mundial de clubes e é natural que haja dificuldades por parte de outros clubes em acompanhar, mas, neste momento, qualquer jornada culmina com vitórias por parte dos eternos candidatos e apenas quando existem confrontos diretos é que a competitividade e o nível do desporto se elevam em concordância com o nosso estatuto de Campeões Europeus. Se é verdade que ter 2 equipas no top-5 mundial é feito, tornando-nos uma potência como no hóquei em patins, a verdade é que continuamos atrás dos campeonatos mais fortes, como o espanhol, o brasileiro e o russo.
O exemplo do Hóquei em Patins em tudo serve para demonstrar o potencial que surge de uma modalidade como o futsal: não sendo praticada com afinco em todo o mundo, com maior dispersão dos focos de qualidade, é passível de ser dominada por um maior investimento a curto-prazo. Atualmente os nossos clubes (principalmente o Sporting CP) já dominam as competições europeias, são esteios da qualidade futsalística, no entanto surgem novos clubes e novos investimentos que obrigam os atuais clubes a continuar as melhorias e que atraiam novos investimentos e patrocínios para uma liga estagnada.
Esta estagnação pode ser facilmente verificada na tabela classificativa, que se mantém semelhante ano após ano, bem como nos patrocínios que, apesar da sua respeitabilidade a nível nacional, não possuem nenhum tipo de impacto internacional. Não é, também, necessário recuar muito tempo para verificar que a instabilidade financeira afeta clubes que, inclusive, se situam na parte superior da tabela classificativa: em 2016 o SL Olivais, após um ano em que se qualificou para os playoffs, extingue-se por dificuldades financeiras.
Mais do que uma enumeração dos problemas que o futsal português apresenta, o artigo pretende assumir-se como um manifesto de incentivo à prática do futsal. Se com todas as condicionantes hostis continua a existir uma evolução no número de praticantes, se os clubes continuam a melhorar e não existe uma centralização excessiva dos clubes, existem as condições para a evolução dos clubes, para a inscrição de mais jogadores e para um maior apoio à mesma. O trabalho do Canal 11 tem sido essencial para dar valor ao bom futsal que em Portugal se pratica, passando da mísera transmissão única semanal para uma plataforma mais inclusiva com vários jogos transmitidos por semana. Novos comentadores começam a aparecer (e que felicidade é ouvir novas opiniões e não os mesmos chavões repetidos semana após semana), iniciativas nas redes sociais com marketing apelativo e novos clubes nascem e morrem, tal como no futebol, de forma saudável.
Jogar futebol é um cliché, por muito apaixonante que possa parecer e por muito que encha os sonhos dos nossos jovens. Mas o futsal, parente próximo do futebol, com desafios, por vezes, ainda maiores, garante uma plataforma de crescimento que poderá fazer com que a diluição excessiva de talento nas inúmeras camadas jovens de futebol se mitigue e que surjam mais craques, mesmo que numa modalidade diferente. Talvez grande parte dos jovens rejeitados em grandes academias de futebol em tenra idade possam ser vedetas no futsal, uma modalidade ainda jovem e com espaço de crescimento.
Precisamos de mais praticantes, mais incentivo à prática, mais patrocínios, plataformas mais apaixonantes e meios de comunicação dedicados exclusivamente a este meio ainda muito fechado sobre os mesmos intervenientes. Com pouco esforço, poderemos fazer do futsal um novo marco de domínio deste pequeno país à beira-mar plantado. Basta que se saiba que a bola não rola apenas nos gramados.
Comentários