Era, assumidamente, o único fã incondicional de João Almeida. Aguardava-o no aeroporto Humberto Delgado, Lisboa, nas “Chegadas” onde painel que anunciava os horários dos voos dava, de forma intermitente, as boas-vindas ao ciclista português, 4.º classificado na Volta a França.
A bandeira de Portugal decorada com uma fotografia de João Almeida, um cachecol com as cores nacionais enrolado no pulso direito, uma camisola das Quinas tatuada com a cara do ciclista de A-dos-Francos e na qual sobressaía a palavra “orgulho” e mais uma camisola amarela pendurada entre dedos, não deixava dúvidas sobre a paixão que Eduardo Graça nutre pelo ciclismo, pelo ciclista, e, já agora, pela pátria.
Emigrante em França durante 60 anos, foi o primeiro a entoar, bem alto, o nome de João Almeida, ciclista da equipa UAE Team Emirates.
Aterrado da exigente Volta França 2024, antes mesmo que o “Duro das Caldas” conseguisse levar o tradicional beijo da namorada e ter feito uma festa à cadela de 6 meses, Eduardo Graça arrancou (mais) um autógrafo ao seu novo ídolo. Mais tarde haveria de puxá-lo para um live de fazer inveja ao grupo de amigos. “Olá, malta, estou aqui com o João...”, provocou, a sorrir.
Foi esperar o introvertido ciclista das Caldas da Rainha habituado a escudar as vitórias de outros (Adam Yates, na Suíça e Tadej Pogacar, na Grande Boucle) e vindo do quase pódio na mítica prova francesa. Quando se esperava que enaltecesse o feito, as primeiras palavras foram para outro herói: Joaquim Agostinho.
“Comecei com o Joaquim Agostinho em 1968 e foi até ao fim. E agora vejo que o João tem possibilidades de chegar e ser maior que o Joaquim Agostinho. Acho mesmo. E gostava”, disparou Eduardo Graça, 72 anos, a viver atualmente em Oeiras.
“Estou a familiarizar-me com o João. Numa primeira volta a França fazer o 4.º...”, interroga-se sobre o alcance do melhor português nos últimos 45 anos nas 21 etapas percorridas em terras gaulesas, a um lugar da 3.ª posição na geral de Joaquim Agostinho em 1978 e 1979.
“Estive 60 anos em França, fui emigrante e conheço os Alpe d'Huez e todas as etapas duras de montanha”, anunciou, em jeito de elogio às capacidades de voltista de João Almeida.
O protagonista é, ou deveria ser, o jovem ciclista das Caldas, mas aquele que é, ainda hoje, o seu herói maior, não cessava de lhe sair pelo verbo.
“O meu tio, Arnaldo Santos, um sportinguista ferrenho, aceitava o Joaquim Agostinho e a família em casa dele quando andava por lá (França) a fazer provas depois da Volta a França. Leva-o para todo o lado onde tinha contratos para ganhar o seu dinheirinho”, recorda em conversa com o SAPO24.
“Morava ao lado da casa do meu tio e acompanhei sempre o Joaquim. Era um amigo 100%, amigo do amigo. Era um homem 100%”, cerra os dentes e o punho que aperta uma camisola amarela.
Desembrulha-a e mostra-a. “Foi uma amarela do Joaquim Agostinho de 1971”, na Volta a Portugal. “Guardo-a, assim como uma bicicleta que usou em 1977 (Volta a França)”, revela. “E tenho muitas mais coisas”, exclama, sem abrir mais o baú das confissões.
“Era fã número 1. Chorávamos, riamos...o emigrante sente de outra forma. Quando se ouve o nome de Portugal é terrível, a garganta fica logo seca”, confessa, de voz trémula. “Tenho pena de não ter ganho a Volta a França, assisti a todas as corridas. Estava nos Alpe d'Huez, das duas vezes e vi-o arrancar. Mas como tinha de trabalhar para os outros”, lamentou.
Encerra, de vez, o capítulo dedicado ao maior dos maiores nas grandes voltas e centra-se no ciclista que o fez arrancar de Oeiras, onde vive atualmente.
“Tenho fé no João”, confessa. “Tenho mesmo fé”, reitera.
Eduardo despertou para o novo herói noutra grande volta. “Tenho aqui uma fotografia com o João Almeida tirada no Giro. No ano passado. Pedi-lhe um autógrafo, está aqui na bandeira e disse-lhe: para o ano (este ano) é a Volta a França”. Não se enganou. Nem João Almeida quando viu Eduardo Graça. “Quando lhe mostrei a bandeira e a fotografia recordava-se de mim”, finaliza a conversa.
“O primeiro mortal atrás dos Deuses”
A timidez de João Almeida nota-se em cada parca e pausada palavra que pronuncia. Entre uma e outra selfie arrancada a ferros, a festa ao de leve na cadela de raça Dachshunds (“cão salchicha”) e um posse quase de Estado ao lado da autoridade policial, a pedido desta e intermediado por Delmino Pereira, presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo.
“Recuperar ao máximo do Tour e, embora com pouco tempo de preparação, preparar o melhor possível e chegar com alguma frescura física e dar o meu melhor na Volta a Espanha”, indica João Almeida, em conversa com o SAPO24, à margem da numerosa receção de jornalistas.
O objetivo está traçado. “Lutar pelo pódio, mas depois vamos ver os outros corredores”, avisa o corredor que entra na Vuelta por uma razão mais nacional que estratégica. “Se não começasse em Portugal talvez não a fizesse. Mas como começa no meu país, é uma oportunidade...”.
Escudeiro dos demais grandes nomes do ciclismo mundial, a humildade e reconhecimento caminham a par e passo.
“A equipa dá-me muitas oportunidades, mas a Volta a França é bastante claro. Pessoalmente, para mim é uma honra fazer parte da equipa do Pogacar”, assume o 4.º classificado na Volta a França 2024, atrás de Pogacar, Jonas Vingegaard e Remco Evenepoel. “Digamos que sou o primeiro mortal atrás dos Deuses. Espero um dia vir a ser um dos imortais”, finaliza.
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