“Confesso que fiquei algo surpreso com a decisão tomada pelo colégio arbitral do TAD, o qual, salvo melhor entendimento, julgo não ter competência para se pronunciar sobre esta matéria, que é de natureza exclusivamente desportiva. Deveria ter-se julgado incompetente, tal como foi invocado pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF)”, explicou à agência Lusa o ex-advogado FIFA e especialista em direito desportivo.
A FPF dispõe de 15 dias para recorrer da decisão desfavorável do TAD face ao cartão amarelo mostrado a João Palhinha, convocado pela primeira vez para a seleção portuguesa na terça-feira, no triunfo sobre o Boavista (2-0), da 15.ª jornada da I Liga.
“Esta decisão do TAD não foi tomada por unanimidade. Um dos árbitros votou vencido, defendendo que a questão da sanção disciplinar não devia ter sido apreciada por aquele tribunal. Creio que a FPF tem toda a legitimidade e fundamentos válidos para recorrer, nomeadamente quanto à referida exceção dilatória da incompetência do TAD”, frisou.
Invariavelmente, a FPF recorre das decisões desfavoráveis e poderá fazê-lo junto do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que se deve pronunciar, em teoria, num prazo de 45 dias, do Supremo Tribunal de Justiça e mesmo do Tribunal Constitucional.
“Tais instâncias de recurso podem confirmar esta decisão do TAD ou ir em sentido contrário, em parte ou no seu todo, embora seja altamente improvável que a sanção disciplinar de suspensão de um jogo, na eventualidade de constituir a decisão final sobre este caso, ainda se cumpra na presente época desportiva”, admitiu Gonçalo Almeida.
Na opinião do jurista, a consumação dessa “nova realidade” na justiça portuguesa aportará uma “indesejável insegurança jurídica”, acompanhada por uma “instabilidade competitiva, que pode até adulterar a verdade desportiva” das competições em causa.
“Em teoria, um jogador que venha a ser alvo de um qualquer cartão vermelho ou que complete, por exemplo, uma série de cinco ou nove cartões amarelos, poderá recorrer constantemente para o TAD da respetiva sanção disciplinar desportiva”, exemplificou.
O caso remonta a 26 de janeiro, quando João Palhinha recebeu o quinto cartão amarelo na I Liga na visita ao Boavista e foi sancionado com processo sumário no dia seguinte, tendo o Conselho de Disciplina (CD) da FPF considerado improcedente o recurso.
Só que o presidente do Tribunal Central Administrativo Sul deu provimento à providência cautelar requerida pelo jogador, permitindo que João Palhinha fosse utilizado na vitória frente ao rival Benfica (1-0), no dérbi lisboeta da 16.ª jornada, em 01 de fevereiro.
Na base da decisão do TAD está a admissão do erro do árbitro Fábio Veríssimo em admoestar o jogador ‘leonino’, que veio anteceder, desde 15 de fevereiro, a permissão do CD da FPF para a defesa de clubes e agentes desportivos em processos sumários.
“Entendo que a verdade desportiva está, sem dúvida, do lado do jogador. Contudo, a questão primordial da incompetência do TAD para se pronunciar sobre esta matéria deve prevalecer, até por uma questão de segurança jurídica. De resto, o TAD decidiu não ter havido uma violação do princípio do contraditório em sede de processo sumário”, referiu.
A sanção de “um jogador que não cometeu falta e que o juiz assume ter errado” decorre da imposição do princípio da autoridade do árbitro, assente na doutrina do ‘field of play’, cuja aplicação, entende o jurista, “deve ser mais flexível” em prol da verdade desportiva.
“Numa aplicação demasiado rígida, desde que o árbitro tenha a perceção do lance em toda a extensão, e independentemente de este assumir o erro, o cartão não é retirado e a sanção mantém-se. Em casos de assunção do erro, entendo que deveria existir uma despenalização do atleta. Foi nesse sentido que o TAD deliberou neste caso”, analisou.
Descrente de que “a assunção do erro seja o comportamento seguido por todos os árbitros sempre que os cometam”, Gonçalo Almeida sugere a definição de um “meio termo”, sob pena de “se abrir uma caixa de Pandora, altamente preocupante, que impossibilite a perceção clara das regras a seguir e até das instâncias competentes”.
“Imagine-se que a decisão do TAD é revertida e o João Palhinha terá de cumprir um jogo de suspensão. Se for até ao Supremo, um caso destes muito dificilmente conhecerá uma decisão transitada em julgado antes do final da época. Em 2021/22 já iremos estar a falar de outra classificação e o atleta até pode estar a atuar noutro campeonato”, apontou.
O ex-advogado FIFA sublinha que o TAD “não se pronunciou” sobre a despenalização do quinto cartão amarelo, mas apenas “anulou a sanção disciplinar de um jogo de suspensão”, tendo a FPF três dias para solicitar uma aclaração da sentença arbitral.
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