A 10 de fevereiro de 1929, às 15h10, era dado o pontapé de saída da primeira edição do campeonato de futebol, em Espanha. RCD Espanhol, histórico clube catalão entrado à última hora, por convite, e Real Unión de Irún (emblema do País Basco) subiram ao relvado do Estádio de Sarrià, templo da equipa de Barcelona, hoje transformado em parque lúdico. O preço do ingresso: duas pesetas e 10 cêntimos, ou 1,26 euros, à conversão de hoje.

Com o resultado de 3-2, o jovem “Pitus” Prat foi o primeiro marcador (a vítima, Emery, guardião basco, avô de Unai Emery, atual treinador do FC Villarreal) e goleador na competição  inaugural que reuniu 10 clubes, entre os quais Real Madrid, Atlético de Madrid, Atlético de Bilbao ou Racing Santander. O Barcelona seria coroado como o primeiro campeão espanhol.

Foram estas as primeiras palavras numa videoconferência promovida Eleven Portugal em relação às primeiras 90 temporadas da Liga espanhola, La Liga como é conhecida. Uma evocação feita 92 anos e um dia depois do tal primeiro pontapé na bola no maior país da Península Ibérica. Contas explicadas pela interrupção da prova durante a Guerra Civil espanhola (1936-1939).

Portugal entrou em cena no primeiro capítulo tendo como protagonista o nome do jogador que inaugurou a portugalidade em Espanha, futebolisticamente falando.

José Maria Gomes Bravo, transferido do Estoril para o Real Sociedad, na temporada 1948/49, foi o primeiro português a estrear-se no campeonato espanhol. E foi também, em San Sebastián, o responsável pelo primeiro golo com toque lusitano.

José Mourinho
créditos: JAVIER SORIANO / AFP

Numa viagem pelos factos, dados e heróis das nove décadas do futebol espanhol, José Mourinho, treinador do Real Madrid, entre 2010 e 2013, surge ao lado dos melhores treinadores naquela que foi considerada por 13 vezes, de 1996 a 2020, a melhor liga do mundo, pela Federação Internacional de História e Estatística do Futebol, nove delas de forma consecutiva, desde 2010.

O “El Especial” merece uma estátua por ter rompido o domínio do Barça de Guardiola no futebol europeu e mundial e abriu as portas do “Hall of Fame” português na pátria de Cervantes.

“Félix pode ser um dos grandes nomes do futebol”

Ora, quando pensamos em portugueses na La Liga, João Félix, avançado do Atlético de Madrid, é o mais recente rol de nomes de uma galeria onde pontificam Cristiano Ronaldo (Real Madrid), o melhor de todos os tempos, Luís Figo (Barcelona e Real), Jorge Mendonça (Corunha, Atlético, Barcelona e Maiorca) e Gomes Bravo (Real Sociedad), cada qual convocado pela Eleven Sports, por uma ou mais razões.

Alguém tinha de ser o primeiro. Gomes Bravo, de quem já falámos, abriu a porta.

A Mendonça coube a honra de partir pedra e ser o jogador com mais anos de Espanha: 12 temporadas, entre 1958 e 1970, informa a apresentação. E de ter nos pés o primeiro dérbi de Espanha e da cidade madrilena, Atlético-Real, ter ganho o primeiro troféu doméstico (Taça do Rei, em 1965), o primeiro campeonato (1967) e de ter sido o primeiro português a jogar o clássico Barça-Real, acrescentamos.

Luís Figo, Bola de Ouro, soma o maior número de títulos nacionais, quatro no total repartidos com a camisola blaugrana, nas temporadas 1997-1998 e 1998-1999 e transvestido de Galáctico, em 2000-2001 e 2002-2003.

CR7, em nove temporadas de Blanco, somou, a nível doméstico, 2 Ligas e 3 Troféus Pichichi (melhor marcador do campeonato), 2 Taças do Rei e 2 Supertaças de Espanha, mas viria a ser destacado nas celebrações da La Liga como o maior goleador da prova, 312 golos, por 48 remates certeiros numa época, e por ter marcado a todos os clubes, na temporada 2012-2013.

O duelo mantido com Leo Messi, melhor goleador da Liga (457 golos) e recorde de Pichichis (7) extravasou do mapa espanhol para o plano estratosférico, entrando no domínio da Bota e Bola de Ouro, contas de outros campeonatos.

Por fim, Félix, o jovem avançado que trocou a Luz pelo Wanda Metropolitano a troco de 120 milhões de euros, carrega a bandeira da mais cara transferência fronteiriça.

Júlio Batista, ex-internacional brasileiro, médio do Real Madrid, onde partilhou balneário com Pepe (FC Porto) e Antunes (Sporting), no Málaga, interlocutor na conversa com jornalistas portugueses, deixou escapar uma dose de futurologia.

Sobre o “colchonero” João Félix, diz ser “um jogador com enorme talento, que, no futuro, pode ser um dos grandes nomes do futebol. Pode ser um dos melhores jogadores do mundo", realçou o treinador da equipa B do Valladolid, onde evolui Jota, emprestado pelo Benfica.

Um elogio com alguma água na fervura, considerando ser “difícil igualar” o talento de CR7 e de Messi, estrelas que “jogaram numa era diferente”, sustentou o treinador do clube presidido por Ronaldo, o fenómeno, com quem partilhou balneário na “canarinha” e em Santiago Bernabéu, na era Galáctica. 

151 jogadores passaram a fronteira ao longo de 90 temporadas

Se o jovem ex-avançado das águias, o homem de todos os recordes — agora ao serviço da Juventus —, ou mesmo Figo, o “pesetero” que trocou a Cidade Condal pela capital, são soletrados de cor, pelo leitor menos atento, como nomes incontornáveis de jogadores que atuaram e atuam nos palcos espanhóis, o SAPO24 aproveita a onda e serpenteia pela história em busca de outros dorsais nacionais em terras espanholas. Todos os nomeados encostaram a mão no coração ao cantar o hino em representação da seleção nacional. Na A e sub-21.

A uma década de virar centenária, ao longo de dois séculos de história, muitos foram os homens de chuteiras calçadas a atravessar a fronteira. De acordo com o portal Transfermarkt, a pátria futebolística de Eusébio e Peyroteo forneceu, este ano, 25 jogadores futebolistas aos dois principais campeonatos de Espanha: La Liga Santander (primeira liga espanhola) e La Liga Smartbank (equivalente à segunda divisão).

Uma fatia de um bolo que reúne no histórico 151 jogadores portugueses na Liga espanhola. O número coloca Portugal como o quinto maior exportador, num ranking liderado pela Argentina, ao registar 522 intérpretes do maior desporto do mundo a atuar na monarquia parlamentar composta por 17 autonomias.

Neste itinerário pelo sangue, suor e lágrimas do ADN nacional derramado em Castela, Andaluzia, Corunha, Aragão, Astúrias, País Basco, Catalunha ou Baleares, muitos são os nomes conhecidos dos adeptos. 

O momento Hollywoodesco de Futre em Madrid

Pepe e Deco, dois internacionais A com sotaque português do Brasil defenderam as cores dos dois colossos espanhóis, Real Madrid e FC Barcelona, respetivamente, clubes que entre si dividem 60 campeonatos espanhóis. O atual dono e senhor do centro da defesa nacional e do FC Porto leva uma vantagem mínima a nível interno (em Espanha) sobre o seu antigo compatriota azul e branco, já retirado. Três contra dois títulos.

Pizzi, capitão do Sport Lisboa e Benfica, vestiu três camisolas em Espanha. Atlético de Madrid, Desportivo da Corunha e RCD Espanhol, estas duas últimas por empréstimo (cedido por Atlético e Benfica) antes de pegar de estaca em território nacional ao serviço do Benfica.

O internacional português faz parte de um extenso rol de jogadores (17) que trocaram clubes portugueses pelo segundo emblema da capital espanhola e “terceiro” grande de Espanha, com 10 vitórias na La Liga.

A relação umbilical iniciada por Jorge Mendonça, registou o momento hollywoodesco na contratação de Paulo Futre, o esquerdino que se rendeu ao Porsche amarelo oferecido por Jesus Gil e Gil, polémico presidente nascido em Madrid, feito autarca em Marbelha.

O trailer desta história de viagem ibérica ao Atlético de Madrid continuou com o bicampeão do mundo sub-20, João Vieira Pinto e com as promessas não confirmadas, Hugo Leal e Dani. A jornada foi marcada por Costinha e Maniche, ambos campeões europeus ao serviço do Porto, Tiago — que, com um título nacional e um par de chuteiras penduradas no Vicente Calderón foi o português com mais sucesso no clube madrileno —, Simão Sabrosa (que representou ainda dois emblemas de Barcelona, numa repetição do sucedido com os rivais da 2ª Circular), culminando, entre outros, em Diogo Jota, que falhou em Madrid antes de brilhar em Inglaterra aos serviço dos Wolves e Liverpool, e Gélson Martins, que entretanto se mudou para o Mónaco.

Liderado por Florentino Pérez, o clube com mais títulos em Espanha, o Real de Madrid (34) pescou em campos portugueses, para além dos dois melhores do mundo. A Figo, Ronaldo e Pepe, acrescentou Ricardo Carvalho e Fábio Coentrão, um e dois títulos espanhóis, respetivamente. Carlos Secretário, ex-defesa portista, passou igualmente pelos merengues, sem deixar boa memória.

Ricardo Quaresma viajou jovem para Barcelona, onde Vítor Baía e Fernando Couto já tinham pisado o relvado. Nelson Semedo foi um dos senhores que se seguiu. Atualmente é Francisco Trincão quem fala português em Camp Nou.

A elite e os operários abrem portas de sua casa

Mas as viagens dos aeroportos Humberto Delgado, Sá Carneiro, de Faro, Cristiano Ronaldo ou dos Açores, não aterram somente em Barajas ou Barcelona.

A memória fresca permite ir à caderneta de cromos e folhear jogadores no ativo como Gonçalo Guedes, Ferro e Thierry Correia (Valência), clube por onde passaram João Cancelo (Manchester City), o leão João Pereira, Rubén Vezo (Levante), André Gomes (representou os catalães do Barça), Nani, Manuel Fernandes, além dos reformados Hélder Postiga, Ricardo Costa, Miguel, Marco Caneira e Hugo Viana.

Duda partiu à aventura e andou ao longo de 15 anos pela costa mediterrânea, um percurso entre Levante, Sevilha e Málaga. Nesta última cidade ganhou raízes. Na companhia de Eliseu, viria a estabelecer dois recordes. Duda é o jogador com mais jogos oficiais pelo clube, 348, e o português com mais encontros disputados na liga espanhola: 344.

Daniel Carriço, o tal jogador que em ano de pandemia assinou pelo Wuhan Zall, emblema da cidade onde tudo parece ter começado, aterrou em Sevilha, cidade e clube, onde se equipou ao lado de Beto (guarda-redes) e venceu quatro Ligas Europa.

À cidade que alberga os dois rivais andaluzes e separa a elite (Sevilha) dos operários (Real Bétis) chegaram também, entre outros, o trio ofensivo composto por Makukula, Ronny Lopes e André Silva (neste momento em destaque no Eintracht Frankfurt), para vestirem as cores branco e encarnado, ou Calado, João Tomás e Nélson, que envergaram as cores operárias, tal como um dos antigos donos da baliza das Quinas, Ricardo.

As camisolas da Expo 98 no Salamanca, equipa mais portuguesa da Liga

A exportação de guarda-redes nasceu em Carlos Gomes, nos finais dos anos 50, início dos anos 60 do século passado e desaguou em Nuno Espírito Santo, ao serviço do Corunha, Mérida e Osasuna, hoje treinador do Wolverhampton, na Liga inglesa.

Nas Astúrias, Fernando Gomes (Sporting Gijon), bibota dos dragões, escreveu uma página da sua biografia e Paulo Bento abraçou o projeto Oviedo.

Colado a este pedaço de Espanha, no País Basco, em San Sebastián, uma dupla de leões, Carlos Xavier, Oceano (autor do último golo no Estádio Atocha) abririam as portas a um trio. Sá Pinto vestiu de azul listado.

Nunes andou pelas ilhas uma década e foi capitão do Maiorca, terminando a carreira de emblema maiorquino.

Jorge Andrade mostrou o ar da sua graça no Depor, anterior equipa de Pauleta, o tal avançado açoriano que voou até Salamanca para fazer parte da equipa mais portuguesa da principal liga espanhola (7 jogadores), uma camisola patrocinada, então, pela Expo 98 e envergada por César Brito, Taira, Paulo Torres, Tulipa e Rogério, além de ser orientada por João Alves.

O “luvas” pretas tinha emigrado, anos antes, para a liga espanhola onde foi considerado o melhor jogador estrangeiro, à frente do holandês Cruyff e o argentino Kempes. Corria os anos 70, época das aventuras lusitanas consubstanciadas em Vítor Damas (Racing de Santander), Rui Jordão, no Real Zaragoza, Carlos Alinho e António Oliveira (Bétis).

O resto, é história e pode ser rebobinada nestas páginas.

Nos anos 80 do século passado, Futre acelerou o caminho. E deixa via aberta para o jogador português vingar naquela que é uma das Top 3 Ligas a nível mundial e que apresentou ao planeta dois “melhores jogadores do mundo”, Figo e Ronaldo.

Como preâmbulo desta história, com ou mais sucesso individual e coletivo, dos nove clubes campeões em Espanha, Real de Madrid (34), Barcelona (26), Atlético Madrid (10), Bilbao (8), Valência (6), Real Sociedad (2), Desportivo da Corunha, Bétis e Sevilha (todos com 1), por todos eles, menos num, passaram jogadores made in Portugal. A exceção é o Atlético de Bilbao, um clube reservado a bascos.

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