A época passada da Premier League foi, para qualquer amante do desporto-rei, uma das temporadas mais belas, - se não a mais! -, deste século. Foi um verdadeiro conto de fadas, uma história de David contra Golias, que todos os que assistiram um dia relatarão aos seus filhos, netos e sobrinhos.
“Um dia eu vi o Leicester ser campeão”, contarão.
A história foi bela. Claudio Ranieri não podia acreditar. O técnico italiano que já tinha comandado várias equipas de topo (Roma, Juventus, Inter de Milão, Chelsea, Mónaco, Valência, etc.),e que nunca tinha conseguido conquistar um campeonato nacional de primeira divisão, via-se nas mãos com o título daquela que muitos consideram ser a melhor liga do mundo.
Terminada a temporada, parecia um sonho. Mas tudo tinha sido bem real. Em 2016/17 os foxes disputariam a Premier League como campeões em título e estreavam-se na Liga dos Campeões. Sem contratações sonantes, Ranieri conseguiu manter a maioria das suas pérolas, tendo apenas visto sair N’Golo Kanté; talvez aquele que não poderia mesmo ter-se ido embora do King Power Stadium, casa do Leicester.
Na pré-época, o técnico italiano avisava que o clube não iria lutar pelo bicampeonato. "É mais fácil o ET aterrar em Picadilly Circus do que voltarmos a ganhar a Premier League", dizia Ranieri, descartando por completo a possibilidade de o Leicester alcançar, novamente, o título inglês.
"Já falei com os adeptos e disse-lhes que o nosso objetivo é a permanência. Iremos trabalhar para nos salvarmos da descida. Estamos a construir uma equipa, nada mais do que isso…", explicou o treinador.
E de facto o destino dos campeões estava traçado. A vida no campeonato não se afigurou fácil desde o início. Faltava Kanté no meio-campo, faltava a garra que comandou os foxes na temporada anterior, faltava ganhar.
Apesar disso, os ingleses faziam uma campanha exemplar na Liga dos Campeões com vitórias dilatadas e um primeiro lugar num grupo com FC Porto, Copenhaga e Club Brugge.
A prestação europeia e a permanência nas taças nacionais davam alento aos foxes para 2017 e faziam esquecer o fantasma do campeonato. Era necessário um recomeço. E a FIFA deu um empurrão. No dia 9 de janeiro, na gala organizada pela instituição que comanda o futebol a nível mundial, Claudio Ranieri, o comandante do sonho, era coroado com o prémio ‘’The Best’’. O italiano era agora o melhor treinador do mundo.
Mas ainda assim a vida não lhe sorriu. O Leicester acabaria eliminado das taças, e a sua prestação na Premier League só piorou. Veja-se bem que, em seis jogos disputados para o campeonato em 2017,os foxes não marcaram um único golo.
Esta quarta-feira foi a gota de água. Os campeões britânicos deslocaram-se até ao sul de Espanha para jogar contra o Sevilha, em jogo a contar para a primeira-mão dos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, e perderam por duas bolas a uma.
Na quinta-feira, Ranieri, o melhor treinador do mundo foi despedido.
Em parceria com o site de estatísticas GoalPoint.pt, o SAPO24 analisou a performance de quatro figuras determinantes na conquista do título do Leicester, que ainda permanecem no clube. São eles Kasper Schmeichel, Wes Morgan, Ryad Mahrez e Jamie Vardy.
Cada um representa um sector do campo. Comparámos a época de glória com a época atual e tirámos ilações do que se passa com este Leicester, ainda campeão.
Kasper Schmeichel
O filho da lenda das balizas Peter Schmeichel, ex-leão e antigo campeão europeu (de clubes e seleções), tinha provado na época passada aquilo de que era feito, fora da sombra do pai. Foi dono e senhor da baliza dos foxes.
Na época do título, o Leicester foi a segunda equipa do campeonato inglês a conceder menos golos, 36 no total. Agora, com pouco menos de metade do total de jogos realizados no campeonato, Schmeichel já foi batido por 27 ocasiões.
O seu melhor registo neste campeonato, que por agora vai culminando num 17º lugar, o último acima da linha de água, é de 4 jogos sem sofrer golos. Modesto quando comparado com os 15 jogos de registo limpo alcançados no campeonato passado.
Na presente temporada o guarda-redes do Leicester tornou-se implacável nos duelos aéreos e defendeu 97% dos remates feitos fora de área. Além disso, melhorou a eficácia nos passes da sua grande área para o meio-campo adversário.
Contudo, e apesar de ter melhorado em três parâmetros, a sua prestação global tem sido pior, de acordo com o GoalPoint. Nas defesas dentro de área e nas saídas a soco o guarda-redes dinamarquês piorou.
Wes Morgan
O capitão do Leicester está irreconhecível esta época. De muralha intransponível e com uma garra tremenda, o defesa-central jamaicano passou a facilitar em muito mais situações e a não dar aos foxes a consistência que lhes permitiu fazer história no ano passado.
Esta época, Wes Morgan erra mais passes, falha mais interceções, mais alívios e perde mais duelos aéreos. No plano ofensivo, remata menos de cabeça.
A defesa do Leicester, que na época em que foi campeão muito contribuiu para o reduzido número de golos sofridos por Kasper Schmeichel, está, esta época, mais permeável e menos eficaz.
Costuma dizer-se que o exemplo vem de cima, e o capitão dos foxes está longe da qualidade exibicional apresentada em 2015/16.
Ryad Mahrez
A alma criativa do campeão inglês, que deixou meia Europa pronta a desembolsar vários milhões de euros pela sua contratação, está a ter uma época apagada.
Mahrez, que foi considerado jogador africano do ano e melhor jogador da Premier League na edição em que o Leicester foi campeão, está pior em todos os critérios analisados pelo GoalPoint.
Os 3 golos e 2 assistências desta época contrastam com o papel decisivo que teve na construção do sonho dos foxes, quando contribuiu com 17 golos e 11 assistências para o registo ofensivo da sua equipa.
Esta temporada o argelino está menos perigoso e mais errante. São menos os cruzamentos eficazes e menos os passes para ocasião (de golo). Além disso, Mahrez piorou a sua capacidade de drible.
Aquela que era a asa do Leicester, pronto a furar a defesa adversária e com um pé esquerdo que parecia fazer magia, parece ter perdido a forma que o levou à melhor época da sua carreira no ano passado.
Jamie Vardy
Por último, o melhor marcador do Leicester da época transata e o segundo melhor marcador da Premier League em 2015/16, temporada em que assinou 34 golos.
O ponta-de-lança inglês está irreconhecível e longe de parecer o mesmo que entusiasmou o mundo e que mereceu a chamada ao Campeonato da Europa de 2016, onde representou a seleção inglesa.
A sua história é também um conto de fadas, uma vez que começou a carreira futebolística bastante tarde. A ascenção foi meteórica e o ano passado espantou tudo e todos, mas este ano está longe de ser o matador letal de outrora. O facto de o Leicester ainda não ter marcado qualquer golo no campeonato desde que começou o ano de 2017 é bem revelador do atual momento de forma de Vardy, que soma apenas 5 golos marcados na atual edição da Premier League.
Esta época, o inglês ramata muito menos, não consegue tantos remates direcionados à baliza como na temporada anterior e tem conseguido jogar menos com a bola nos pés.
Acaba por ser Vardy, um David que se afirmou entre Golias, e que esta época tem tido prestações muito apagadas, o eco maior de um Leicester em crise?
Comentários