“A ligação com o Cabo Verde começou em 1989, mais ou menos”, recordou à Lusa Mané Trovoada, como é popularmente conhecido, numa história com muitos capítulos, onde continua a deixar a sua marca no basquetebol do arquipélago, sendo o último feito o apuramento inédito para o Campeonato do Mundo da modalidade, que acontece entre 25 de agosto e 10 de setembro no Japão, Indonésia e Filipinas.
Mané é um angolano que muitas vezes se confunde com cabo-verdiano, longa é a sua ligação ao país, onde construiu família com uma cabo-verdiana, sendo que das duas filhas, a primeira nasceu em Portugal e a segunda em Angola, mas todas vivem e estudam em Cabo Verde.
“Há essa união, sempre houve essa ligação de me sentir também cabo-verdiano. Sinto-me bem em casa, sou muito acarinhado. As pessoas reconhecem o trabalho e esforço que nós temos vindo a fazer e há essa paixão e amizade”, notou.
Gratidão é outra palavra que utiliza para descrever a sua ligação com Cabo Verde, onde teve oportunidades, criou amizades para toda a vida e é tratado com muito carinho.
“É isso que me faz acordar todos os dias, mesmo com as dificuldades, mas lutar por poder ajudar esta e outras gerações, outros colegas, abrir portas para que os outros possam estar e que amanhã, não estando cá o Emanuel Trovoada, mas que esteja cá outro filho da terra”, afirmou.
A ligação com o país começou em Lisboa, através de cabo-verdianos que estudavam na capital portuguesa, e que todos os sábados tinha como passatempo um jogo de basquetebol.
“Moçambicanos, angolanos, santomenses, aquele povo africano. E daí veio essa amizade grande”, recordou ainda Mané, que depois foi convidado para treinar uma equipa feminina de estudantes.
“Comecei a treinar essa equipa feminina e então vem essa paixão e essa aproximação”, continuou a contextualizar o técnico, de 55 anos, que foi colecionando vitórias com as equipas estudantis.
“Nós pegamos nessa geração, quer a masculina e também a feminina, um grupo grande também de meninas que lá estavam, fazíamos vários torneios e campeonatos, em que participávamos com essa ligação a Cabo Verde”, prosseguiu, numa aproximação crescente.
E em 1999 foi convidado para ser adjunto do então selecionador nacional, o senegalês Claude Constantine (1959-2019), considerado o grande impulsionador do basquetebol no país, no Afrobasket, precisamente em Angola, mas durante a competição Constantine teve um problema de saúde e Mané teve de pegar na equipa no resto do torneio.
Depois disso, houve outro convite em 2022 para ir ao país ajudar no desenvolvimento do basquetebol, tendo no ano seguinte pegado na seleção, até ao Afrobasket de 2007, novamente em Angola, tendo alcançado o terceiro lugar, que deu direito a participação no pré-olímpico.
“Foi uma geração que deu muito, um misto dos mais velhos e os mais novos”, descreveu, antes de mais um treino da seleção, na Praia, rumo ao Mundial, o ponto mais alto até agora do basquetebol cabo-verdiano, contando novamente com o seu selo.
Entretanto, referiu que outro momento importante para o basquetebol cabo-verdiano foi a vitória no Mundialito de Praia em 2005, fruto das sementes lançadas pelo “mestre” Claude Constantine.
“Neste momento já estamos a ver uma terceira e uma quarta geração. Uma terceira que esteve brilhantemente no quarto lugar e no apuramento do Campeonato do Mundo, mas também já estão aqui jovens para uma quarta geração, para darmos continuidade ao trabalho”, perspetivou.
Fazer parte de todas essas páginas gloriosas da história do basquetebol cabo-verdiano é para Mané um “orgulho enorme”, num trabalho “difícil” da federação, jogadores e equipa técnica.
“Acreditámos nesse sonho, transformamos esse sonho em realidade e queremos muito mais”, ambicionou o treinador, que vai jogar na fase de grupos do Mundial com Eslovénia, Geórgia e Venezuela, e quer “surpreender”, tal como fez no apuramento.
Em Cabo Verde, o ‘coach’ aposta muito na formação de treinadores, árbitros, comissários de mesa e jogadores, num trabalho que aumentou o número de praticantes da mobilidade.
“Saímos de quase 2.700 para 4.000 praticantes com as mesmas condições, há que criar mais infraestruturas desportivas, mais pavilhões e criar condições para que essa juventude possa dar continuidade a esse trabalho”, pediu o selecionar, que já está com a equipa na Europa para mais um estágio antes de viajar para o Japão.
Se Claude Constantine é considerado “pai” do basquetebol no país, Trovoada mostra humildade e define-se simplesmente como o ‘coach Mané’, mas quer também deixar o seu legado.
“É mais um que veio para acrescentar, a nossa grande referência é o senhor Claude, que foi a pessoa pioneira, que fez um trabalho fantástico”, avaliou Mané, que, além da seleção, tem estado também muito próximo das associações regionais.
Várias gerações de basquetebolistas cabo-verdianos já passaram pelas suas mãos, cada uma com o seu feito, mas foi esta que levou o país ao mundo, pelo que já é considerada a melhor, com jogadores que atuam em Portugal, Espanha, França ou Angola.
“Não foi fácil demonstrar às autoridades, ao povo cabo-verdiano, que estávamos perante uma grande geração, mas uma grande geração que nos pode oferecer muita coisa”, perspetivou, entendendo que todos vão beneficiar com o primeiro apuramento do país para o mundial.
Apesar de toda essa ligação forte com Cabo Verde, Mané garantiu que numa deixa de estar ligado a Angola, onde esteve durante 12 anos, tendo treinado o Desportivo da Huíla.
“Tenho lá uma parte da minha família materna e uma ligação forte à própria Associação de Treinadores, onde eu também fui um dos membros, e a amizade que tem pelos outros colegas, treinadores e amigos, que tenho muitos lá”.
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