Sobre o caixão fechado, uma bandeira da Argentina. Sobre a bandeira, as camisolas número 10 da seleção argentina e do Boca Juniors, clube do qual Maradona era ex-futebolista e adepto. E, por mais que os seguranças retirem, sobre o caixão são lançadas mais e mais camisolas de clubes, flores e bandeiras em forma de oferendas.

Entre lágrimas, as pessoas passam em frente ao caixão na Casa Rosada, o Palácio do Governo argentino. Entram grupos de 20 pessoas.

"Isto é muito forte. A energia que se vive aqui arrepia-me. Sinto como se não fosse verdade, como se não tivesse acontecido. Mal consigo andar. Senti o mesmo que quando o meu pai morreu. Estou anestesiado", explica à Lusa Fernando Martínez, 48 anos.

Os inevitáveis prantos, os aplausos de orgulho, os gritos de força para a família, os punhos erguidos em sinal de vitória, como fazia Maradona em cada golo, as mãos unidas em forma de prece. Com frequência, a tristeza é recortada pelo cântico típico das bancadas de futebol.

"Ele não vai morrer nunca, mas alguma coisa morreu em nós. E é isso o que dói", esforça-se para se expressar, sem chorar, Ariel Gândara, de 37 anos.

A maré humana do lado de fora passou a noite em vigília e vai até as 16 horas (19 horas em Lisboa), pelo menos.

Ainda não se sabe se o horário será estendido ou mesmo se o velório pode durar mais um dia. A família quer o enterro ainda hoje, no cemitério privado Jardín Bella Vista, a 40 quilómetros da capital argentina, onde estão enterrados os pais de Diego Maradona.

A possibilidade de enfrentar uma fila de cerca de três quilómetros ou de não conseguir entrar, provoca tumultos. Grupos tentam furar a fila e saltar as barreiras de proteção. No distúrbio que a Polícia tenta conter, surgem os lançamentos de garrafas e os empurrões.

Mas também há espaço para cenas de paz e união. Maradona consegue o milagre de suspender, momentaneamente, a feroz rivalidade argentina. Adeptos do Boca Juniors e do River Plate fundem-se num abraço de encontro pela perda em comum, pela dor em comum.

"Ele sempre foi fiel ao que sentia. Era frontal. Por isso, o povo identifica-se com ele. E quando se metia em polémica, bom, estava perdoado: era Maradona", diz, envolta numa bandeira argentina, Noemí Mendez, de 42 anos.

Apesar as fronteiras fechadas, o governo argentino permitiu a entrada da imprensa internacional. Cerca de 840 jornalistas foram credenciados para cobrir o evento.

A ausência de distanciamento social e o pouco cuidado para evitar o contágio pelo novo coronavírus num dos países com mais casos de infeção e mortes no mundo tem provocado polémica.

As famílias que perderam entes queridos durante o ano sem poderem ter velório, nem despedida sentem indignação ao ver a aglomeração em torno de Maradona.

Questionado sobre o risco que a situação oferece, o ministro da Saúde, Ginés González García, limitou-se a dizer "tomara que não".

Pela capital argentina, os sinais de trânsito e os letreiros de informação foram programados para emitir um agradecimento a Maradona, que faleceu vítima de paragem cardíaca, enquanto dormia, aos 60 anos.

"Obrigado, Diego", pode-se ver nas entradas do metro, nos cartazes luminosos das autoestradas e nas indicações de trânsito das avenidas.

*Reportagem de Márcio Resende, na Argentina

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