Uma adivinha embrulhada num mistério dentro de um enigma. As palavras são de Winston Churchill e foram proferidas em 1939 quando questionado sobre o papel que a Rússia teria na Segunda Guerra Mundial. Mas podiam ser de Brett Brown, quando lhe perguntam por Markelle Fultz. O treinador dos Sixers pode não ter a mestria retórica de Churchill, nem o talento deste para expressões orelhudas, mas as suas declarações sobre o jovem base que a equipa de Philadelphia selecionou na 1.ª posição do draft do ano passado partilham do mesmo sentimento: incerteza, desconhecimento e perplexidade.
Brett Brown não consegue perceber ou explicar o que se passa com o seu jogador. Na semana passada, a responder a perguntas dos jornalistas após um treino, afirmou: “sou velho e nunca passei por algo assim.” Brett Brown tem 56 anos, é treinador desde 1988, trabalha na NBA há 20 anos e foi adjunto de Gregg Popovich nos San Antonio Spurs durante 11 anos. E nunca viu nada assim. Pois, nós também não. E, como todos os fãs dos Sixers, perguntamo-nos: o que raio se passa com Markelle Fultz?
Recordemos a singular saga: depois de uma temporada universitária com números impressionantes (23.2 pontos, 5.9 assistências e 5.7 ressaltos), e apesar da falta de sucesso colectivo (a Universidade de Washington terminou com um registo de 9 vitórias e 22 derrotas e não se apurou para o torneio da NCAA), o jovem Markelle era apontado pela maioria dos olheiros e analistas como a provável primeira escolha do draft. Era um jogador capaz de jogar em ambas as posições do backcourt, bom a jogar com a bola na mão, bom no pick and roll, bom a penetrar para o cesto e bom lançador (47.6% em lançamentos de campo e 41.3% em lançamentos de três pontos). Um dos maiores, mais polidos e mais desenvolvidos talentos ofensivos da classe desse ano.
Dias antes do draft, os Sixers trocaram a sua 3.ª escolha e mais uma escolha num draft futuro pela 1.ª escolha dos Boston Celtics e seleccionaram-no na posição cimeira. Parecia um encaixe perfeito e a peça que faltava para formar o núcleo de futuro da equipa: um base talentoso para juntar a Ben Simmons e Joel Embiid, um playmaker capaz de jogar como primeiro base e também capaz de jogar sem bola ao lado de Simmons.
Só que, na pré-temporada, surgiram os primeiros sinais de alarme. Vários jornalistas começaram a reparar na mecânica estranha que, nos treinos, Fultz utilizava para armar o lançamento nos lances livres. E foi aí que as coisas começaram a ficar realmente estranhas. Fultz disse que andava a sentir dores no ombro e, devido a isso, não conseguia lançar bem. Depois, Brett Brown disse que Fultz, por sua livre e espontânea vontade e sem consultar ninguém na equipa, tinha mudado a mecânica do lançamento durante o verão e que ele, Brown, esperava que ele voltasse à forma anterior.
Depois começaram os jogos. E Fultz não só muito raramente tentava lançar de média ou longa distância, como começou a fazer lances livres que deixariam Shaquille O’Neal envergonhado:
Depois, o agente de Fultz disse que o seu cliente tinha uma lesão no ombro e tinha retirado líquido do mesmo. Depois, o agente mudou a história e disse que afinal tinham injetado líquido no ombro do seu cliente. Depois, Bryan Colangelo, General Manager dos Sixers, veio a público explicar que sim, que Fultz estava com o ombro dorido e que foi o próprio jogador e a sua tentativa de mudança da mecânica de lançamento que provocou a lesão. Depois, o treinador pessoal de Fultz disse que isso era mentira e que Fultz não tinha tentado mudar o lançamento no verão.
Depois, os Sixers anunciaram que o jogador ia ficar uns jogos de fora para reabilitar o ombro. Em novembro, foi-lhe diagnosticado um “desequilíbrio muscular no ombro”. E está de fora desde então, com pouca ou nenhum informação sobre o seu estado ou processo de recuperação. Recentemente, foi anunciado que estava na fase final da recuperação e iria regressar aos treinos. Mas as primeiras imagens do seu regresso só levantaram ainda mais dúvidas e confirmam a bizarria da 'coisa':
Aparentemente, está recuperado e saudável, mas desaprendeu de lançar. Brett Brown diz que precisa de reencontrar aquilo que fazia:
A resposta de Brown é boa, mas preocupante. Como se perde 'isso'? Como é que um jogador que, como diziam os scouting reports antes do draft, “possui instintos ofensivos criativos e habilidades naturais de marcação de pontos e playmaking” perde isso? E estar ainda à procura de uma base a partir da qual reconstruir o lançamento não é o melhor sinal.
Fultz podia não ter a mecânica perfeita dos livros, mas tinha um lançamento perfeitamente capaz. Tinha uma forma semelhante à de Jamal Crawford. Fluída e natural. Agora parece Tristan Thompson. Mecânico, forçado e a pensar em cada movimento que está a fazer.
Ninguém parece concordar com (ou sequer saber exatamente) o que se passou. Ou o que se passa. Foi um problema físico? Foi (e é) psicológico? E, se foi físico, foi provocado pelo próprio Fultz? Foi piorado pelos Sixers? Se foi apenas físico e ele estava apenas a lançar assim devido à dor no ombro, agora que está recuperado não deveria ter voltado à forma normal? E, se foi e é psicológico, como se ultrapassa isso? Muitas perguntas que, para já, não têm resposta. A certeza é que, seja lá qual tenha sido a razão, Markelle Fultz mudou o lançamento e ainda não recuperou a forma anterior. Não tem data prevista para voltar a jogar e começa a ser real a possibilidade de não o vermos em campo esta temporada.
Numa temporada em que já tivemos LaVar Ball, a incursão dos Rockets pelo balneário dos Clippers, o drama em Cleveland, despedimentos surpreendentes de treinadores, picardias e lutas dentro de campo, picardias e lutas fora de campo, tensão crescente entre jogadores e árbitros e jogadores a reclamar no Twitter por não irem ao All Star, a história de Fultz é a mais bizarra de todas.
E numa equipa que tem passado pelo processo de reconstrução mais invulgar de sempre e que, nos últimos anos, já nos habituou a começos de carreira invulgares dos seus rookies, esta é a história mais invulgar por que já passaram.
Quando e como veremos Markelle Fultz num jogo da NBA? É uma adivinha embrulhada num mistério dentro de um enigma.
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