O avanço da estatística no basquetebol tem mostrado novas realidades a cada novo ano e aqueles que são especialmente obcecados pelos números – cof, cof, chamaram? – continuam à procura de fórmulas que minimizem a subjetividade da análise à capacidade de um jogador. Esta época, a NBA decidiu estrear novas categorias estatísticas e, agora que estamos perto do final da fase regular da época, é tempo de perceber se esses novos números são sinónimo ou não de mais e melhor informação.

As chamadas “hustle stats” foram testadas durante os playoffs da última temporada e, após os elogios dos entendidos, são agora um referencial disponível no site da liga norte-americana. A necessidade da criação destes capítulos estatísticos nasceu da pouca informação sobre dados relativos à defesa, uma vez que as estatísticas tradicionais apenas têm dois itens defensivos: os roubos de bola e os desarmes de lançamento. Suficiente? Claro que não, porque a boa defesa não se esgota em roubar bolas e dar abafos.

O que são, afinal, as “hustle stats”? Bem, é difícil definir “hustle”. Não há uma tradução para Português da palavra, mas podemos talvez dizer que será algo entre esforço, intensidade, vontade, sentido de urgência. E a NBA encontrou algumas categorias, todas elas mensuráveis, que encaixam aqui: as agora-tão-faladas deflexões – já vamos debruçar-nos sobre elas com mais detalhe–, bolas soltas recuperadas, faltas atacantes conquistadas e lançamentos contestados aos adversários (de dois e de três pontos).

Hubie Brown foi pioneiro

O mítico treinador Hubie Brown, agora membro do Hall of Fame, treinou os New York Knicks entre 1982 e 87. Já nessa altura, o técnico sublinhava a importância de uma defesa o mais “hustle” possível e um dos seus adjuntos, o também lendário Rick Pitino, tinha a tarefa de contar as deflexões durante os jogos. Ao intervalo, Pitino chegava ao balneário e escrevia num quadro os nomes dos jogadores que tinham feito deflexões durante a primeira parte. Os que não tinham deflexões não apareciam no quadro. E era esses que Brown rasgava ao meio.

O que são, afinal, deflexões? A definição não é unânime, mas uma deflexão ocorre quando um defensor altera a trajetória da bola, desde que não seja num lançamento. A interceção de um passe, por exemplo, é uma deflexão e as deflexões originam, na maioria das vezes, roubos de bola. Implica pressão sobre o portador da bola, manter as mãos ativas e nas linhas de passe, antecipação das intenções do atacante direto e tirá-lo da zona de conforto. Implica defender. A sério. Um roubo de bola pode ser uma questão de oportunidade. Uma deflexão só acontece com trabalho constante.

Pitino levou o hábito de valorizar esse trabalho defensivo para a Universidade de Louisville, que treina desde 2001, e continua a dizer aos seus atletas que as vitórias dependem do número de deflexões: trinta por jogo é sinónimo de vitória. E no intervalo dos jogos, alguém escreve no quadro a lista dos jogadores com deflexões. Já adivinharam o que acontece depois aos que não aparecem no quadro, certo?

A fórmula mágica

Voltemos aos números. Yey. Olhando para os topos destes novos rankings estatísticos da NBA, e apenas para atletas com mais de 25 minutos de utilização média, há nomes expectáveis, por se tratarem de jogadores que têm o rótulo de serem capazes de prestações acima da média no meio-campo defensivo. O líder das nossas queridas deflexões é Robert Covington, dos Philadelphia 76ers, com uma média de 4.2 por jogo e nos primeiros lugares desta lista há nomes como Draymond Green (4.0), John Wall (3.8), Jimmy Butler (3.6), Kawhi Leonard (3.5), Chris Paul (3.5) ou Tony Allen (3.4). Todos defensores de elite.

E há mais excelentes defensores, pelos top-20 dos restantes itens estreados esta temporada: Patrick Beverly, Mike Conley e Avery Bradley nas bolas soltas recuperadas, Kemba Walker, Marcus Smart e Wesley Matthews nas faltas atacantes conquistadas, Robin Lopez, Rudy Gobert e Karl-Anthony Towns nos lançamentos de dois pontos contestados, e Jabari Parker, Michael Kidd-Gilchrist e Paul George na oposição a triplos dos adversários diretos.

Num artigo de Julho de 2015, na Grantland, Jason Concepcion “inventou” uma fórmula que incluísse todos estes dados e chamou ao resultado «Hustle Rating». Meti a Matemática ao serviço desta crónica e, contas feitas, o jogador com o “hustle rating” mais elevado da NBA é – imaginem aqui um rufar de tambor – Draymond Green, dos Golden State Warriors, com um rácio de 3,49. Segue-se Patrick Beverly (2,89) e, depois, todos os outros jogadores da liga estão abaixo dos 2,60.

Green não é o melhor marcador, o melhor ressaltador ou o melhor passador do mundo. Longe disso. Mas é o primeiro a atirar-se para o chão quando a equipa precisa. Contesta todos os lançamentos. Mete-se à frente dos adversários, grandes ou pequenos, para sacar faltar atacantes. Faz os intangíveis. Que são cada vez mais tangíveis. Green é o maior “hustler” da NBA e, talvez por isso, não há meio-termo com ele: ou se ama ou se odeia. Depende se joga ou não na nossa equipa.

Auriemma e a linguagem corporal

Um vídeo de uma conferência de imprensa do selecionador feminino dos Estados Unidos e treinador da Universidade de Connecticut, Geno Auriemma, tornou-se viral nas redes sociais, esta semana. Nesse vídeo, Auriemma fala do carácter que pretende nas jogadoras que recruta e da importância da sua linguagem corporal das suas atletas durante os jogos.

“Eu dou muita importância à linguagem corporal. Se a linguagem corporal for má, essa jogadora nunca vai ter direito a entrar em campo. Não me interessa se é boa jogadora ou não. Prefiro perder. Quando vejo os vídeos dos jogos da minha equipa, tenho muita atenção para o que se passa no meu banco de suplentes. Se alguém não estiver focado no jogo, nunca vai entrar em campo. Nunca. E elas sabem isso”, disse o técnico.

Draymond Green entraria sempre em campo, se Auriemma fosse seu treinador. Porque a disponibilidade, física e mental, para se sacrificar em prol da equipa é total. Tal como era a do jogador que eu “ofereci” no início da crónica. No seu tempo não havia “hustle stats”, mas se houvesse ele seria rei. O rei dos intangíveis.

Currículo? Foi campeão da NBA cinco vezes (1989, 1990, 1996, 1997 e 1998) e Defensor do Ano em duas ocasiões (1990 e 1991). O seu nome? Dennis Rodman. Já se arrependeu?

Ricardo Brito Reis é jornalista há uma década e meia, mas apaixonado por basquetebol desde que se lembra. É um dos comentadores de basquetebol da SportTV, faz parte do departamento de comunicação da Federação Portuguesa de Basquetebol e é treinador de formação no Sport Algés e Dafundo.