Depois de 22 presenças consecutivas nos playoffs, os San Antonio Spurs falharam a fase a eliminar na época passada, na "bolha" de Orlando. Chegava o tantas-vezes-profetizado fim da era Pop. E, com ele (ou sem ele, como se chegou a pensar), os Spurs entrariam em modo de reconstrução total. Ou então não. O técnico de 72 anos regressou e está, mais uma vez, a deixar sem argumentos quem aponta os texanos ao fracasso.

Com a aposta em mais juventude, 2020/21 é um teste à paciência de Popovich. LaMarcus Aldridge deveria formar uma parelha de estrelas com DeMar DeRozan, mas o extremo/poste tem assinado uma época sofrível e foi, mesmo, despromovido para o banco de suplentes, já no decorrer da fase regular. Mais do que ninguém, o terceiro treinador mais vitorioso da história da NBA sabe que renovar uma equipa é um processo demorado. Neste caso, e como sempre naquela organização, é um processo construído a partir do draft.

Escolher no final da primeira (ou mesmo na segunda) ronda do draft nunca foi um problema para os Spurs. Tony Parker foi a 28.ª escolha de 2001 e Manu Ginobili foi a 57.ª de 1999. O base francês e o extremo argentino juntaram-se ao poste Tim Duncan no Texas e Popovich liderou-os a uma das dinastias mais brilhantes e duradouras da história. Com o ocaso do trio, o processo repete-se. E, nos anos mais recentes, o número 29 tem sido amuleto.

Dejounte Murray foi a 29.ª escolha do draft de 2016, Derrick White foi escolhido na 29.ª posição de 2017 e Keldon Johnson foi o nome que o comissário Adam Silver anunciou com a 29.ª escolha de 2019. Estes três miúdos são o futuro dos Spurs. Não sabemos se atingirão, sequer, metade do que Parker, Ginobili e Duncan conquistaram, mas já mostraram ser capazes de ser a base destes renovados Spurs. A eles, soma-se Lonnie Walker (18.ª escolha de 2018), Luka Šamanić (19.ª escolha de 2019), Devin Vassell e Tre Jones (11.ª e 41.ª escolhas de 2020). E o poste austríaco Jakob Poeltl, que acompanhou DeMar DeRozan como moeda de troca de Kawhi Leonard para os Toronto Raptors.



Com apenas 26 anos, White é o mais experiente do grupo e até integrou a seleção norte-americana que ficou num humilhante 7.º lugar no Mundial da China. Murray (24), Johnson (21), Walker (22), Šamanić (21), Vassell (20), Jones (21) e Poeltl (25) também têm longas carreiras pela frente. Os veteranos que resistem ao tempo servem de mentores à miudagem. Para além de Aldridge (35) e DeRozan (31), há ainda Rudy Gay (34) e Patty Mills (32). Todos em final de contrato.

Mas engane-se quem pensa que os mais velhos só estão na equipa pelo papel que têm no balneário. O base australiano, que venceu o título de 2014 com Parker, Ginobili e Duncan, está a fazer a melhor época desde que chegou à liga. Gay é uma garantia de jogo «all around» na segunda unidade. E DeRozan tem evoluído muito no capítulo da tomada de decisão, sobretudo a partir do drible, o que contribui para a excelente média de 7.2 assistências por jogo, que é máximo de carreira.

Entre o desenvolvimento dos jovens e a estabilidade dos graúdos, faz-se uma reconstrução que ainda está no início, mas com resultados surpreendentes. Ou então não. Talvez só surpreenda a quem não conhece Coach Pop.

O cunho do técnico é evidente. Os Spurs continuam a construir a sua identidade a partir da defesa (9.ª melhor eficiência defensiva da liga), mas o ataque é um «work in progress». Mais demorado, mas o ADN dos Spurs de Pop está lá: é a equipa que menos bolas perde (média de 11.2 turnovers por jogo), uma das que menos usa o lançamento exterior para marcar pontos (25.º nos triplos marcados e 26.º nos tentados) e líder no volume de pontos marcados de meia distância.

Mas há mais. Os Spurs são uma de apenas duas equipas da liga com oito jogadores acima dos 11 pontos de média - onze jogadores do plantel têm mais de 16 minutos de utilização e nove deles contam com mais de 22 minutos de média dentro das quatro linhas - e o banco de suplentes é o 5.º mais produtivo da NBA (39.2 pontos por jogo). E não há um único jogador a chegar às duas perdas de bola por partida. Coletivismo e controlo típicos das equipas de Pop.

A negação da importância dos lançamentos de três pontos no jogo atual também é uma das imagens de marca do mítico treinador e os números transparecem isso mesmo. Em cada três lançamentos, dois são de dois pontos. É possível ganhar assim, claro, mas o jogo não se joga só de um lado do campo. Mesmo com uma taxa reduzida de triplos tentados e concretizados, os Spurs ficarão mais perto de ganhar jogos se forem competentes na defesa dos "tiros" longos dos adversários. E, neste aspeto, falham.

As chamadas «hustle stats» mostram que a formação de San Antonio é a 7.ª pior da liga na oposição aos triplos dos adversários, com apenas 19.8 lançamentos de três pontos contestados por partida. Como os adversários dos Spurs lançam, em média, mais de 34 triplos por jogo, isso significa que a defesa permite cerca de 14 "tiros" abertos por encontro. A eficácia de 38.3% nos triplos concedidos (5.º pior registo entre as 30 equipas) é a prova de que há muito a melhorar nesta área.

Sem tempo para treinar numa época mais condensada do que o habitual e com uma segunda metade da temporada com 40 jogos em 68 dias, incluíndo 11 «back-to-backs» (jogos em dias consecutivos), melhorar estas lacunas e voltar aos playoffs é um objetivo difícil. Ou então não. Se fecharam o primeiro bloco de 2020/21 no 7.º lugar do Oeste, mesmo com um surto de covid-19 que obrigou ao adiamento de vários jogos e com DeRozan afastado da equipa por causa do falecimento do pai, tudo é possível.

Para os responsáveis do «front office», há decisões a tomar até ao «trade deadline» de dia 25 de março. Manter ou trocar os quatro veteranos em fim de contrato vai determinar o rumo a seguir e se a aposta nos jovens é total. É expectável que Mills continue até ao fim da época e até possa prolongar a ligação com a equipa, mas o mesmo não se pode afirmar com tanta convicção sobre DeRozan, Gay e Aldridge. O primeiro é muito cobiçado um pouco por toda a liga, Gay pode ser a peça que falta a um candidato ao título e o poste terá vontade de dar um novo começo à carreira, já que assume que não está a ser fácil adaptar-se ao novo estatuto de figura de segunda linha.

Indiferente a rumores e idades dos jogadores que tem à disposição, a velha raposa de 72 anos continuará a fazer o que de melhor tem feito nas últimas duas décadas e meia. Pop vai voltar a contrariar aqueles que julgam que o seu reinado está a chegar ao fim e fazer dos San Antonio Spurs uma equipa sempre competitiva. E que ganha muitas vezes.

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