A esta fase da história, é relativamente consensual que Cristiano Ronaldo continua a ser o melhor jogador português em funções. No entanto, aos 35 anos de idade, o facto do avançado se manter ao mais alto nível é um privilégio que desafia a regra e admitamos que Ronaldo não dura para sempre.

A correr para ocupar o seu lugar, neste momento, temos dois fortes concorrentes, dois médios, de características muito diferentes mas cujo elo em comum, para além de terem a mesma idade, é o facto de terem maravilhado todos por onde passam.

De um lado, Bernardo Silva, produto da formação do Benfica, que depois de conquistar um extraordinário título do campeonato francês pelo Mónaco, tem mostrado toda a sua craveira desde que chegou a um Manchester City altamente dominante. Ao fim de 143 jogos pelos Citizens, poucas dúvidas restam do seu estatuto de titular.

Do outro, Bruno Fernandes, que aterrou no Manchester United como reforço bomba neste mercado de inverno. Anos a ganhar consistência nos campeonatos italianos viram-no chegar ao Sporting, onde se assumiu como o MVP dos leões ao longo de duas épocas e meia. Apesar de ainda só ter sete partidas pelos Red Devils, rapidamente se assumiu como favorito dos adeptos e figura superlativa deste conjunto.

Bernardo, o jogador maravilhoso que se encaixa como parte de um todo, e Bruno, metade médio trabalhador, metade alquimista de jogadas decisivas, os dois encontraram-se finalmente frente a frente no dérbi de Manchester. Se Silva já defrontou os rivais por sete ocasiões — o balanço dificilmente poderia ser mais equilibrado, com quatro vitórias e três derrotas sobre os Red Devils —, Fernandes viria aqui a ter o seu primeiro desafio a sério, vestindo de vermelho.

(Justiça seja ainda feita a João Cancelo, o terceiro dos quatro portugueses das duas equipas — o quarto é Diogo Dalot, mas o jovem lateral não foi convocado pelos Red Devils — jogador de grande valia e com um currículo de respeito, mas cuja incapacidade de se impor nesta equipa do City desde o início da época o coloca uns furos abaixo dos dois jogadores acima referidos.)

Mas para além das suas fases e características distintas, também os seus clubes encaram objetivos muito diferentes.

Por um lado o Manchester City, a 25 pontos do Liverpool, dificilmente vai conseguir renovar o título de campeão inglês, não querendo isso dizer que não tivesse interesse em garantir o seu segundo lugar nesta partida. Para além disso, com a Taça da Liga Inglesa já ganha, os Citizens têm ainda na mira a Taça de Inglaterra e, em particular, a Liga dos Campeões.

Já na outra ponta de Manchester, o United, outrora habituado a disputar campeonatos (e a ganhá-los), encontrava-se neste momento numa encarniçada luta pelos lugares europeus, partindo para este embate na sétima posição, a dois pontos de subir para quinto e assegurar, pelo menos, o apuramento para a Liga Europa. É, aliás, essa a competição europeia — juntando-se à Taça de Inglaterra — que está a disputar.

Se esse dado por si só não fosse revelador da diferença de nível que neste momento há entre as duas equipas de Manchester — e este texto do The Guardian explica-o bem —, recorde-se que o City venceu dois dos últimos três campeonatos ingleses, ao passo que o United terminou por duas vezes na sexta posição no mesmo período, exceção feita a 2017/18, ano em que terminou em segundo, precisamente atrás dos Citizens.

Mas apesar desta disparidade, um outro dado curioso complexificava potenciais previsões para este jogo, o 182º. dérbi de Manchester. É que apesar do City estar melhor no campeonato, o jogo da primeira mão resultou em vitória para o United, no Etihad ainda por cima. De resto, os gigantes de Manchester voltaram a defrontar-se por mais duas ocasiões esta temporada, nas meias-finais da Taça da Liga, com uma vitória para cada lado, sobrepondo-se os Citizens pela diferença de golos.

Manchester City Manchester United
Manchester City Manchester United Sofascore

À entrada desta partida, o City vinha com sete vitórias, dois empates e uma derrota nos últimos 10 jogos, sendo que nos últimos cinco só soube ganhar. Já o United tinha um registo ligeiramente inferior, com seis vitórias, três empates e uma derrota. Se os Citizens vieram para esta partida sem uma das suas grandes armas, Kevin De Bruyne, a recuperar de lesão, sendo a grande promessa Phil Foden escalada para a sua posição, o United teve de se contentar novamente com Anthony Martial e Daniel James na frente, continuando Marcus Rashford (e Paul Pogba) a recuperar de lesão.

O início da partida viu um City mandão, a pressionar muito alto, a gerir a posse de bola com qualidade e a levar o jogo para cima da área do United, que foi afastando o perigo como podia. Todavia, o domínio resultou em poucas oportunidades, à parte de um remate de Sterling — respondendo a cruzamento de Foden — que De Gea atirou para canto e de um lance de golo que Matic tirou a Aguero in extremis.

Passados os primeiros 15 minutos, o City perdeu o fôlego e o United começou a ameaçar, tendo conseguido dominar o meio-campo com o poderio físico de jogadores como Fred e Wan Bissaka, e a defesa do City, o "Pé de Aquiles" desta equipa, a mostrar sinais de ceder, com James e Martial a desperdiçar oportunidades. E depois... aconteceu Bruno Fernandes.

Aos 30 minutos, o médio português dos Red Devils, preparando-se para bater um livre descaído à esquerda, sinaliza os jogadores à espera de um cruzamento. No entanto, seguindo uma jogada estudada, picou a bola por cima da linha defensiva do City, apanhada de surpresa, para Anthony Martial, que atirou de primeira entre Ederson e o poste. O United colocou-se assim na frente e Bruno Fernandes somou a sua terceira assistência na Premier League.

Até ao final da primeira parte, passaram a ser os da casa a gerir as operações, prescindindo de posse de bola e optando por recuperações rápidas e transições ofensivas fulminantes. Já o City, foi mostrando evidentes sinais de desconforto e desconcentração, consentindo um possível pénalti que Otamendi cometeu sobre Fred mas que Mike Dean não viu (pior, deu amarelo ao brasileiro por simulação sem ir ao VAR).

Centrando-nos no duelo entre portugueses, Bernardo Silva, forçado a jogar muito atrás, não conseguiu fazer mais do que ser um bom condutor para meter a redondinha a circular com qualidade para os Citizens, ao passo que Bruno Fernandes foi decisivo pela sua equipa. Ao fim da primeira parte, o jogo ia sorrindo ao estreante.

Bruno Fernandes Bernardo Silva
Bruno Fernandes Bernardo Silva créditos: EPA/PETER POWELL

Deste lado, havia todo o interesse em manter este embate lusitano aceso, mas Pep Guardiola pensou de forma diferente. Tendo logo assumido que o seu foco estava nas competições a eliminar, o técnico catalão tirou Bernardo Silva aos 59 minutos, fazendo entrar Riyad Mahrez, a par também da vinda de Gabriel Jesus por Aguero.

Antes disso, a segunda parte arrancou de imediato com fortes emoções, havendo um golo anulado a Aguero, a passe de Sterling, batendo De Gea — o lance foi ao VAR e foi o ombro do argentino que o ilegalizou — e um quase golo do United, quando Ederon fez um disparate tremendo, deixando o atraso de João Cancelo escapar-lhe. Valeu ao guarda-redes brasileiro um corte de carrinho milimétrico para impedir Martial de marcar o segundo.

A partida decorreu com o ascendente para o United, mas com o passar dos minutos, foi o City que recuperou a tendência daqueles primeiros 15 minutos do jogo. Pressionando cada vez mais alto, os Citizens começaram a acumular oportunidades: Foden obrigou De Gea a sacudir um remate de longe e Otamendi cabeceou por cima de seguida. Já os Red Devils, numa arrancada em contra-ataque, podiam ter sentenciado a partida, mas Daniel James, apesar de ter realizado uma grande partida, optou por rematar apertado quando tinha Bruno Fernandes sozinho no centro do terreno.

Ao aproximar dos últimos 20 minutos da partida, o United praticamente prescindiu de atacar, entregando toda a iniciativa de jogo ao City, que chegou a uns estonteantes 80% de posse de bola. Os Citizens continuaram a pressionar, mas sem fazer sacudir as redes rivais. Um passe muito bom de Cancelo para Mahrez levou o argelino a fazer um cruzamento muito tenso que fugiu a Sterling. No seguimento, Gabriel Jesus trabalhou bem pela esquerda e obrigou De Gea a defesa muito apertada.

Apesar de continuar a carregar, não mais o City conseguiu ameaçar seriamente a baliza do United até ao final do jogo. Já do lado dos Red Devils, foi uma reta final estóica, sem rasgos ofensivos mas com muita inteligência a defender. Todo o trabalho da equipa da casa foi recompensada ao minuto 96, quando, com um erro infantil, Ederson deixou a bola para McTominay quando estava fora da baliza, tendo o médio do United, substituindo Martial, atirado a mais de 20 metros para umas redes desprovidas de proteção.

Quanto a Bruno Fernandes, o médio já não se encontrava em campo quando Old Trafford irrompeu em festejos, tendo saído para entrar o outro reforço de inverno, Odion Ighalo. A saída foi sob um coro de aplausos, que, se estes primeiros tempos serviram de exemplo, vão repetir-se por muitos e bons anos.