Episódio 7: Ele é único e ultrapassa os limites da lógica

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Quartos-de-final, Euro 2008. Derrota com a Alemanha. Fim da era Scolari. O treinador brasileiro (campeão do mundo pelo Brasil) que levou Portugal à final do Euro 2004 e a uma meia-final no Mundial de 2006 (tal como em 1966), despedia-se da equipa das Quinas. Ponto final na relação de Felipão com Portugal. Se "Uma Casa Portuguesa" foi a música que nos embalou para a tragédia grega de 2004 (Scolari fazia questão de colocar a versão de Roberto Leal no autocarro da Seleção, a caminho dos jogos da competição), a frase “e o burro sou eu?!” ficou como uma últimas imagens de marca de Scolari. Felipão seguiu para Inglaterra (Chelsea) e da Terra de Sua Majestade (Manchester United) veio Carlos Queiroz, o treinador da Geração de Ouro.

“Tendo em conta o estado do futebol português em 2008, todo o futebol português - o Scolari, desculpem a expressão esteve-se nas tintas para as camadas jovens e receber jogadores vindos de baixo - (...), uma vez na vida, depois de uma série de anos, o país achou muito bem contratar Carlos Queiroz para tomar conta da seleção nacional”, recorda Rui Dias, jornalista do “Record”.

Era o regresso do responsável da Geração de Ouro de Riade e Lisboa, depois dos falhanços em 1992 e 1994. Demitido a 17 de novembro de 1993, quinze anos depois, Queiroz torna-se a 11 de julho de 2008 selecionador nacional pela mão do então presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Gilberto Madaíl. É um regresso à mesma casa e com quase os mesmos inquilinos onde, anos antes, Carlos Queiroz tinha solicitado uma "limpeza" de toda "a porcaria".

A caminho da África do Sul

À partida, com um país dos balcãs (Albânia), outro do centro da Europa (Hungria), dois escandinavos (Suécia e Dinamarca), e a terra da personagem Corto Maltese (Malta), dir-se-ia que o caminho até ao primeiro Mundial no Continente Africano não seria uma viagem das Tormentas. Pura ilusão. Uma ilusão que começou com a vitória por 4-0 frente à Malta, a 6 de setembro. 4 dias depois o primeiro balde de água fria, em Alvalade. Derrota (2-3) frente à Dinamarca.

Com o mundo a viver no último semestre do ano de 2008 debaixo de uma crise financeira, no mês de setembro maus ventos sopram do outro lado do atlântico atravessando-o e atingindo as duas margens. Nos EUA, depois da nacionalização da Freddie Mac e Fannie Mae, o Lehman Brothers bancos de investimentos com 150 anos de história foi à falência (15). Uma queda que arrasta todas as bolsas de todo mundo, numa data que ficou conhecida como segunda-feira negra. Como um dominó, uma tempestade perfeita, ajudas governamentais e nacionalizações surgem em socorro dos principais bancos - Abbey, Barclays, HBOS, HSBC, Lloyds TSB, Nationwide e o Royal Bank of Scotland. O impenetrável jargão financeiro - credit default swaps (CDS's) e collateralized debt obligations (CDO’s), subprime - entra no dia-a-dia de conversa de café, lado a lado com o futebol, claro.

É que se o mês de setembro foi sinónimo de crise financeira, em outubro soaram os alarmes futebolísticos em Portugal no que toca à Seleção Nacional. Dois nulos, na deslocação a Estocolmo (Suécia) e na receção à Albânia adensavam as críticas ao regressado Carlos Queiroz. E é já depois de Barack Obama ser eleito o 44º Presidente dos Estados Unidos (tornando-se o primeiro afro-americano a ocupar o cargo) que Portugal soma o terceiro empate, caseiro, frente à Suécia. Três pontos em cinco jogos era o balanço até à altura, e África estava cada vez mais longe.

Contudo, e já depois de Jacob Zuma tomar posse como presidente da África do Sul que viria a receber o Mundial meses depois, é na Albânia, e em tempo de descontos, que Bruno Alves arranca a primeira vitória da seleção nacional na caminhada para o Mundial 2010.

Na reta final do apuramento, e sem depender só de si mesmo, Liedson, o "Levezinho" avançado brasileiro recém-naturalizado (uma "contratação" para a seleção) marca na sua estreia, na Dinamarca, o golo que valeu um precioso empate a Portugal, que depois cumpriu o seu papel vencendo os dois jogos com a Hungria e Malta, e beneficiou da “traição” dinamarquesa ao vizinho escandinavo. Estava garantido o apuramento para o playoff de acesso ao Mundial e na "fava" calha a Bósnia Herzegovina. 1-0 no Estádio da Luz e o mesmo resultado na Bósnia - onde a equipa nacional contou com o apoio de tropas paraquedistas portuguesas ao serviço da NATO, estacionadas naquele país balcânico desde janeiro de 1996 - são suficientes para nos levar ao primeiro Campeonato do Mundo em África.

Dezoito anos, dois meses e 14 dias depois de se ter (re)estreado, com um empate caseiro com a Áustria (1-1, nas Antas), num jogo particular, Queiroz concretizou, finalmente, o objetivo que o levou, por duas vezes, ao comando da equipa das “Quinas”.

Pela sexta vez consecutiva Portugal chegava a uma fase final de uma grande competição (Europeus de 2000, 2004 e 2008 e Mundiais de 2002, 2006 e 2010), sendo que, antes, apenas tinha estados nos Mundiais de 1966 e 1986 e nos Europeus de 1984 e 1996.

O Futebol na Mãe África

Deixando Nuno Gomes em “casa” e levando o naturalizado Liedson, Carlos Queiroz dava sinais de não conseguir lidar com pequenos grandes detalhes com o grupo. “Queiroz precisa de ter a certeza absoluta, como dizia no campeonato da África do Sul, que os seus homens vão para a selva com ele e não o traem. Quando não sente isto, as coisas não correm bem. Não correm mesmo bem”, sublinha Vitor Serpa, diretor de “A Bola”, em referência às questiúnculas que o selecionador manteve com médicos e jogadores, bem como com responsáveis federativos e com o presidente da ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal).

O sorteio da fase de grupos trouxe-nos o Brasil, a Costa do Marfim (que tinha a colaborar nos seus quadros o treinador Toni) e a Coreia do Norte. Em três jogos, dois empates, uma vitória e sete golos marcados, todos concretizados diante da frágil Coreia.

A Espanha foi o adversário que se seguiu. Na cidade do Cabo, David Villa matou o sonho lusitano de seguir para os quartos-de-final. “Apesar tudo convém não esquecer que, em 2010, Portugal é eliminado pela Espanha. Que foi 'só' o campeão do Mundo, num jogo altamente equilibrado, perdemos 1-0, poderíamos ter ganho 1-0, podia ter sido 0-0, poderia ter ido a penáltis, tudo poderia ter acontecido”, recorda Rui Dias. Contudo, a nação interrogava-se das razões da eliminação. E para alguns, Carlos Queiroz poderia ter a resposta. “Falem com o Carlos Queiroz”, disse Cristiano Ronaldo, jogador que tinha sido orientado pelo selecionador no Manchester United, depois da eliminação.

Mais uma vez, Queiroz, o "Homem Novo" de Cavaco Silva, o selecionador que venceu dois títulos mundiais com a “Geração de Ouro“, não singrou com os “mais velhos”.

Sai Queiroz, fica Agostinho de Oliveira, que viria a somar, em Guimarães, um empate (4-4) com o Chipre, no primeiro jogo de qualificação para o campeonato europeu que seria disputado na Ucrânia e Polónia. Depois disso, lembra Rui Dias, “é tomada a decisão de convidar o José Mourinho para fazer o jogo com a Irlanda e Islândia. Entre o convite, a reflexão do Mourinho, a tomada de posição do Real de Madrid, tudo isso resultou que o Mourinho, no fim do ano, disse que a pior coisa que aconteceu em 2010 - no ano campeão europeu pelo Inter, campeão de Itália -, foi não lhe terem permitido fazer aqueles jogos pela Seleção Nacional", o que demonstra que esse "era um repto que o Mourinho aceitaria de bom grado”.

Paulo Bento: o treinador da era Troika (e que não dá beijinho), falha a final onde esteve um português

Gorada a opção Mourinho, a FPF virou-se para Paulo Bento, antigo treinador do Sporting Clube de Portugal, que aos 41 anos chegava ao lugar que considerava "ser o projeto de maior prestigio para um treinador de futebol”.

“De futebol, de gerir taticamente e olhar o jogo, Paulo Bento dá 10-0 a Scolari”, opina Alexandre Afonso, da Antena 1. No entanto, um “algo” que falta a um, sobrava a outro. “Scolari teve outra capacidade, que provavelmente Paulo Bento não teve, que foi a capacidade de proximidade, que foi de puxar, aproximar e acarinhar. Paulo Bento não dá beijinho. Paulo Bento diz-me como treinas, dir-te-ei como jogas”, frisa o jornalista da rádio pública.

“O Paulo tem uma liderança muito firme. Creio que, em alguns momentos, geriu de forma igual aquilo que não era absolutamente igual com os jogadores”, refere Carlos Daniel, da RTP, numa clara referências aos casos disciplinares de Bosingwa e Ricardo Carvalho, jogadores que ficaram de fora do Euro 2012.

“Podemos é dizer que se fossemos nós não faríamos assim, faríamos de outra forma. eu admito que essa forma de afastamento dos jogadores seja uma opção drástica em demasia. Num clube é diferente. O jogador porta-se mal, fica 2 ou 3 semanas fora, conversam e ele regressa. No Sporting ele fez isso, com Vukcevic e Liedson. E resolveu os problemas. Na seleção foi taxativo: há um problema, [o jogador] não é mais convocado”, acrescenta Rui Dias.

Na fase de qualificação, mais uma vez a Dinamarca, que desta vez teve a companhia dos "irmãos" da Noruega e da Islândia, país em que um vulcão inundou com cinzas uma Europa debaixo de uma crise financeira. Chipre, outro dos adversários, cumpria a rota do mediterrâneo. Ainda assim, Portugal não conseguiu o apuramento direto, tendo de disputar novamente o playoff, e novamente com a Bósnia Herzegovina. Contudo, desta vez, ao nulo da primeira-mão fora de casa, a Seleção respondeu com uma goleada por 6-2, na Luz, carimbando a presença no Euro 2012.

Penáltis frente à Espanha impedem o sonho de um herói que não o foi

Meses depois de José Sócrates anunciar ao país que iria pedir ajuda externa ao FMI (pela terceira vez na história de Portugal), o sorteio do Euro 2012 colocou Portugal no chamado "grupo da morte": Alemanha, Holanda e a conhecida Dinamarca.

E é já com Fernando Gomes ao leme da FPF (substituíra Gilberto Madaíl na presidência do oganismo) que, depois da derrota por 1-0 diante da Alemanha, as vitórias frente a Dinamarca (3-2, com golo já próximo do minuto 90 por intermédio de Varela) e Holanda (dois golos de Ronaldo) dão o 2.º lugar do grupo aos comandados de Bento. Seguiu-se a República Checa (eliminada por mais um golo de Ronaldo) e Portugal marcou encontro com a Espanha, nas meias-finais. A Espanha campeã do Mundo, mas que a Seleção tinha vulgarizado, dois anos antes, através de uma vitória por 4-0 num jogo particular.

“Creio que Paulo Bento poderia ter sido o herói que Fernando Santos veio a ser. Se nos lembramos da meia-final com a Espanha em 2012, estamos a falar da Espanha herdada de Guardiola, a melhor Espanha da história, que vinha de ser campeã do Mundo, e que o mais que conseguiu foi ganhar nos penáltis, sendo que na final bateu a Itália por 4-0, bastava que o Bruno Alves tivesse conseguido por a bola mais abaixo e 'um Fàbregas qualquer' um pouco mais acima, e Portugal podia ter sido campeão da Europa logo em 2012”, refere Carlos Daniel.

Não foi. Mas a final teve um toque português. Pedro Proença, o árbitro já tinha dirigido a final da Liga de Campeões desse ano, foi o escolhido para apitar o duelo latino.

Brasil: mais de 500 anos depois, um Ronaldo de ouro mas fora de forma

Depois de um Europeu em que Portugal volta a estar às portas do sonho (pela terceira vez na história afastado nas meias-finais), o sonho de estar no Mundial, ainda para mais no Brasil, avolumava-se, após conhecidos os adversários.

Três dias depois de Vitor Gaspar, entretanto feito ministro das Finanças no Governo liderado por Pedro Passos Coelho, anunciar um “brutal aumento de impostos”, Portugal perde na Rússia, equipa que viria a terminar como líder de um grupo de apuramento que tinha ainda Irlanda do Norte, Azerbaijão, Israel e Luxemburgo. Portugal termina, então, em 2.º lugar, e é novamente obrigado a disputar o playoff, desta vez com a Suécia de Ibrahimovic. À vitória por 1-0 na Luz, seguiu-se o recital de Cristiano Ronaldo e Estocolmo, num jogo em que, com três golos, colocou Portugal no Brasil e elevou-se ainda mais no pedestal das maiores estrelas de sempre do futebol mundial.

Estávamos em novembro de 2013 e Portugal apurava-se novamente para uma grande competição internacional. Contudo, o ano de 2014 começa com a perda de um dos maiores ícones do nosso país. Eusébio da Silva Ferreira, o Pantera Negra, deixa o futebol português "órfão" do seu Rei. Tinha 71 anos. Dias depois, Cristiano Ronaldo é coroado pela segunda vez, com o prémio FIFA para o melhor jogador de futebol do mundo, numa metafórica passagem de testemunho entre dois dos maiores ícones do desporto português.

E é já com o anúncio do fim do programa de austeridade (o fim do fim da austeridade seria anunciado por Mário Centeno, ministro das Finanças do governo liderado pelo socialista António Costa), que Portugal viaja para o Brasil. Era uma Seleção cheia de esperança, a que embarcava para o "país maravilhoso", ainda que a sua principal referência não estivesse, aparentemente, a 100%. "Em 2014 temos o Cristiano Ronaldo numa situação muito complicada. Se formos a ver toda esta história chegamos com o melhor do mundo às grandes competições e várias vezes o melhor do mundo não está nas melhores condições”, atenta Rui Dias, numa clara alusão ao deficitário estado físico de Luís Figo no Mundial de 2002, 12 anos antes.

Mas não foi só isso que não correu bem. “Lembro-me de uma digressão aos EUA que não foi propriamente bem pensada, não criou as condições trabalho ideais para a seleção, não se criou sequer o ambiente que se pretendia encontrar...sempre que mexemos com estas questões do clima fatalmente temos dado mal”, avisa Carlos Daniel. Cheirou a Saltillo 2.0 e a um “pouco da história do Coreia-Japão”, recorda.

“Se andarmos mais a pensar em quem vai jogar, quem não vai jogar, os jogadores estão bem, como vamos abordar os adversários, a tendência é que a coisa corra melhor. [Contudo,] quando nos desfocamos, arranjamos umas belas desculpas para correr mal: a culpa é do médico, preparador, recuperado, roupeiro. Pode ser qualquer pessoa, mas verdadeiramente quem perdeu outra vez foi a equipa”, dispara o jornalista da RTP.

“Tudo o que poderia acontecer de mau aconteceu. Até inclusivamente uma grande Alemanha e uma equipa nacional muito dócil e sem soluções para aquela máquina trituradora que acabou campeã do mundo”, atenta Rui Dias, referindo-se aos 4-0 com que Portugal foi vulgarizado pelos germânicos no jogo inaugural do Mundial brasileiro.

“Depois surgiram ali uns fantasmas: eram conferências de imprensa estranhas, toda a gente falava, até o médico já ia à conferência de imprensa…”, relembra Carlos Daniel.

Seguiu-se o empate com os EUA (2-2) e a vitória com o Gana (2-1) “que não serviu para nada”, e Portugal “acaba por sair ingloriamente e sem ter mostrado o que quer que fosse”, nota.

“Acho que foram grandes ensinamentos para a própria Federação que nunca mais cometerá os erros que cometeu em termos de gestão de um clima de uma fase final e felizmente o que aconteceu a seguir veio a provar isso, que Portugal terá claramente aprendido”, conclui Carlos Daniel.