O último jogo, o último golo, a última vez que se entra num estádio de emblema ao peito. Os momentos derradeiros são inevitáveis, mas nem por isso deixam de ser duros. Não querer lidar com o fim não é a única razão para explicar porque é que muitos jogadores de futebol tendem a não preparar-se para a reforma, mas, segundo Nuno Gomes, é parte da questão.

“Nunca pensei no dia em que ia acabar, estava sempre a ignorar esse pensamento porque não queria que aquilo acabasse". Foi com estas palavras que o antigo avançado iniciou a sua participação na conferência “The Career Transitions of Professional Footballers” (“As Transições de Carreira dos Futebolistas Profissionais”), realizada no segundo dia do Soccerex Europe 2019 [6 de setembro], em Oeiras.

Natural de Amarante, Nuno Gomes fez-se jogador no Boavista, onde conquistou uma Taça de Portugal antes de ser contratado pelo Benfica. Apesar do conturbado final dos anos 90 para as águias, a prestação goleadora de Nuno Gomes pelos encarnados e no Euro 2000 pela seleção nacional levou-o a Itália, onde vestiu a camisola da Fiorentina por duas épocas. Porém, o colapso financeiro dos “Viola” trouxe-o de volta à Luz, onde esteve entre 2002 e 2011. Apesar do seu historial de lesões, Nuno Gomes fez-se símbolo do clube, onde conquistou sete títulos, com claro destaque para os dois campeonatos (2004/05 e 2009/10) e uma Taça de Portugal (2003/04).

Ao entrar numa fase tardia da carreira, Nuno Gomes acabou por sair do Benfica, mas, ao contrário de muitos jogadores de gabarito internacional, em vez de seguir para campeonatos pouco competitivos onde se aufere elevados salários, o avançado ainda fez uma época no Sporting de Braga e terminou a carreira no Blackburn Rovers, na altura a jogar no Championship, a segunda liga inglesa.

Agora reformado, o antigo goleador surgiu em Oeiras ao lado de outras ex-estrelas do desporto-rei, como Paulo Ferreira, Louis Saha, Christian Karembeu e Ella Masar, para partilhar as experiências da passagem de uma vida ativa de futebolista para novos rumos profissionais e explicar de que forma lidou com essa mudança.

Apesar de a transição ter sido bem sucedida — já lá vamos —, Nuno Gomes admitiu que foi muito dura. "Mesmo que digamos que estamos preparados, não estamos, porque a mudança é drástica, é do dia para a noite”, disse.

É um abanão brutal. É por isso que, em conversa com o SAPO24, Nuno Gomes lembrou o quão importante é abordar esta temática e “alertar os jogadores de futebol o mais cedo possível para que eles comecem a pensar no que querem fazer depois de acabarem a carreira”. Mesmo que a atividade de um jogador cesse a partir de meados dos 30 anos de idade, “os futebolistas querem continuar a sua vida". "Há mais anos para viver depois do futebol do que durante”, frisa.

Aos 43 anos, Nuno Gomes é um desses exemplos. Sem interesse em seguir carreira de treinador, o ex-avançado quis manter-se “ligado ao futebol de uma forma ou outra”. A sua porta para uma nova vida fez-se através do Benfica, tendo sido integrado na estrutura dos encarnados, primeiro desempenhando funções de representação institucional, depois tornando-se Diretor Geral das Camadas Jovens no Caixa Futebol Campus.

A sua ligação ao Benfica cessou em 2017, mas nem por isso o jogador tem estado menos ocupado. Hoje em dia, além de fazer comentário desportivo (na TVI24 e na Eleven Sports), Nuno Gomes é embaixador da Liga Portugal e da UEFA para o Euro 2020 e faz eventos e formações junto da FIFA. O próximo passo, diz, é juntar-se à agência de representação de atletas do seu irmão, Tiago Ribeiro.

Mas Nuno Gomes sabe que o seu caso é algo atípico, tendo tido a “sorte” de se juntar às águias depois de pendurar as botas. “Eu acabei de jogar, e cedo comecei a trabalhar no Benfica, mas nem todos recebem esse convite, porque os clubes também não são só feitos de ex-jogadores. São precisas pessoas de outras áreas”, admite. A realidade da grande parte dos seus ex-colegas, porém, é outra.

Segundo o ex-avançado, “há uma ideia de que todos os jogadores de futebol ganham muito dinheiro”, o que “não corresponde à verdade” — como já reportavam dados de 2017 sobre o desemprego entre os futebolistas. "Se não jogaram nos três grandes, a maior parte dos futebolistas que fazem carreira em Portugal têm de começar a trabalhar noutra área no mês seguinte a se terem reformado, porque aquilo que foram ganhando pouco ou nada lhes serviu para criar um pé-de-meia suficiente para viverem alguns anos sem terem de voltar à atividade profissional”, diz Nuno Gomes.

“Urge podermos ajudar os jogadores a perguntarem-se o que é que gostavam de fazer, porque o futebolista não tem só talento para jogar”, considera Nuno Gomes, dizendo haver “maneiras de puxar pelos jogadores, quando não têm uma decisão tomada, e de perceber para que área estão mais talhados”. Atualmente, são cada vez mais os meios para ajudar os atletas em final de carreira.

Integrante do Conselho de Veteranos do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, Nuno Gomes diz que o sindicato, liderado por Joaquim Evangelista, não só tem auxiliado futebolistas em dificuldades através de iniciativas como o Estágio do Jogador, como tem também pugnado pelo seu bem-estar em final de carreira ao implementar um Fundo de Pensões e ao fazer ações de formação financeira.

Para além das ações do Sindicato, Nuno Gomes lembra ainda que “a própria Federação Portuguesa de Futebol, através da sua Football School, está a investir nessa área”, além de “várias empresas” que procuram ex-atletas, pelo que o antigo jogador "quase" arrisca dizer que, “hoje em dia, um jogador de futebol só não se prepara para o seu futuro pós-carreira se não quiser”.

Nuno Gomes
créditos: MARIO CRUZ/LUSA

Há, ainda assim, algumas barreiras que os jogadores têm de ultrapassar, a começar pela do preconceito. No painel de ex-futebolistas, Nuno Gomes fez questão de relembrar que muitas pessoas “não olham com seriedade para os jogadores depois de acabarem a carreira”, sendo estes apenas vistos como “um rapaz ou uma rapariga com talento para jogar futebol”.

É então que entra a formação académica, como forma de os jogadores adquirirem novas competências, juntando os saberes do relvado aos das salas de aulas. “Enquanto futebolistas, quando temos uma ideia, executamo-la com as pernas. Na reforma, temos de usar outros instrumentos para atingir os nossos objetivos”, justifica o antigo internacional português.

No seu caso, falando para a plateia que o ouviu em Oeiras, o ex-jogador diz que viu nos estudos uma forma de ser encarado com outros olhos, pouco depois de parar de jogar. "Nessa altura, como tinha muito tempo livre, decidi que precisava de voltar a estudar. Fui para a universidade porque sabia que, para as pessoas me levarem a sério, precisava de adicionar à minha carreira profissional alguma experiência académica", adiantou.

Hoje, Nuno Gomes tem uma licenciatura em Gestão Desportiva, tirada na Universidade Autónoma, e um Executive Master feito através da UEFA. Mas o processo não foi fácil, lembrou o antigo jogador, “pois tinha abandonado a escola aos 16 anos”, só voltando a estudar aos 38.

Mas o obstáculo do preconceito também pode surgir na academia. “No meu primeiro dia de universidade, os outros estudantes olharam para mim [com ar de quem pergunta]: 'O que é que ele está aqui a fazer?'. Depois confessaram-me que acharam que tinha sido uma surpresa por parte do professor e que ia lá só fazer um discurso", admitiu entre sorrisos.

Mas o aconselhamento aos jogadores não deve ser feito apenas na fase tardia da sua carreira. Durante a conferência, Nuno Gomes lembrou o quão importante é “recordar aos jovens jogadores os exemplos do passado”, para que não cometam “os mesmos erros”. O ex-jogador deu como exemplo o trabalho que desempenhou no Benfica. “Na Academia tivemos sessões sobre como poupar e gerir o próprio dinheiro, porque quanto mais cedo [os jogadores] forem alertados, mais cedo vão saber decidir por eles próprios. Porque um dos piores erros de um jogador é dar o seu dinheiro a outros para gerir", explicou.

Ao SAPO24, o ex-avançado deu conta de que há um “risco de deslumbramento” numa altura em que os jogadores se afirmam cada vez mais cedo nas suas carreiras e assim veem “a conta bancária multiplicada ou recheada”. “Não é porque se marca um grande golo ou se faz um grande jogo que já se é um dos melhores do mundo. Mas também não é porque se falha um golo ou porque o treinador não nos mete de início que deixamos de ser bons”, considera o antigo goleador, apontando para o dever dos clubes e dos agentes manter os futebolistas “de pés bem assentes no chão". "O jovem pode ser o melhor hoje, mas daqui a dois anos não”, acrescenta. 

No entanto, nem tudo são riscos para os novos jogadores. Comparando com o período em que se formou enquanto futebolista, Nuno Gomes diz que hoje há “mais facilidades” para os atletas. “Os clubes têm um controlo muito maior sobre os jogadores, mas oferecem também um sem número de condições que antes não existiam”, afirma. Disso é exemplo a modernização das atuais infraestruturas dos clubes, mas também o acompanhamento feito aos jogadores, dando o ex-jogador o exemplo da vida escolar: “Se eu quisesse não ir à escola, o clube se calhar não sabia. Agora, um jogador não põe um pé na sala de aula e passados cinco ou dez minutos o diretor da academia já está a saber”, diz.

Além disso, Nuno Gomes diz que atualmente há uma muito maior aposta no talento jovem, sendo agora “muito mais fácil um jovem chegar à primeira equipa”. “No meu tempo talvez fosse mais difícil chegar aos seniores e impor-se logo no primeiro, segundo ano”, mas hoje “clubes e os treinadores têm a confiança de apostar, se virem qualidade num jovem talento”. E isso é “de salutar”, defende.

Só que, se “as coisas já estão mais facilitadas no sentido de se dar tudo e mais alguma coisa aos jovens, para que eles possam conseguir realizar os seus sonhos”, estes não se concretizarão sem trabalho, muito trabalho. Por isso é que Nuno Gomes deixa um conselho: “Há que correr, fazer o melhor possível, ir atrás do sonho e tentar sempre melhorar as próprias capacidades”.