Desde a madrugada do dia 26 que a 84.ª final da Taça de Portugal Placard cheirava a antigamente. A peregrinação de adeptos de dois clubes, Sporting Clube de Portugal e Futebol Clube do Porto, lado a lado, alguns de mãos dadas, familiares e amigos, deambulavam num convívio saudável pelas matas do Jamor e conversaram e cantavam à volta de um grelhador, bifana numa mão, mini na outra.

Até um jogo de matrecos composto por bonecos do Sporting e Benfica, na fun zone exclusiva dos leões, pouca, ou nenhuma comichão fez a quem jogava de encarnado nos dedos, o que deixava antever (boas) memórias de outros tempos de rivalidade sã.

Carlos Manuel, adepto do Porto e o leão Rui Correia, ostentam nomes de velhas glórias de Benfica e Sporting. São ambos de Lisboa, não são amigos, mas puxam da frase “somos desportistas (queriam falar de desportivismo)” para justificar a saudável partilha de espaço, cinco horas antes do apito, às portas da porta da Maratona.

Acompanhado da mulher Aurora, com quem está casado há 46 anos (tinha ela 13, sinalizou) o adepto Dragão, 64 anos, fez numa só frase a viagem a um passado recente que se quer de mudança.

“O Pinto da Costa poderia ter saído mais cedo, mas não saiu pela porta grande. Tinha de acontecer um dia. Agora é Villas-Boas”, atirou em conversa com o SAPO24.

A passagem de testemunho entre o velho e o novo presidente dos azuis e brancos e o tema de sucessão no trono das Antas esteve bem vivo no enorme pic-nic montado no pulmão verde do Jamor que engole o Estádio Nacional, “monumento” que celebrará 80 anos no próximo dia 10 de junho, antigo dia da Raça de Portugal, hoje, Dia de Camões, Portugal e das Comunidades.

Irina é do Sporting. É filha de Isaurete, adepta do Porto. O pai (Artur, de nome) segue inscrito das costas da camisola verde e branca da filha. “Já morreu, mas está sempre connosco. Fez-me do Sporting porque fui a primeira a nascer. Nasci e vivi nas Antas e fiquei com tudo de bom, mais inteligente, mais alta e mais tudo”, sorriu antes de passar à apresentação do irmão, André.

“Nasceu em Gaia, é do Porto e não consegui que mudasse de clube”, lamentou perante o olhar embevecido da mãe, de mãos ocupadas com uma pequena grelha preenchida pelo petisco carnal que nunca falta nesta festividade anual.

A dupla Dina e Dulce, amigas de Loures, unidas fora do Estádio Nacional com a camisola do seu clube, separam os caminhos à entrada para as bancadas, indo cada qual para onde o coração as guia.

Unidos pelo amor, Sandra Bandeira e Paulo Sérgio, vieram de Santa Maria da Feira de mãos dada e de mãos entrelaçadas passeavam entre os parques reservados a cada um dos clubes. “Já dançámos com os portistas, agora estamos aqui com a malta do Sporting e vamos para a mesma bancada (do lado verde e branco)”, afirmou Sandra, filha de pai do Sporting e mãe e irmão do Porto.

Para finalizar a união de facto entre adeptos de cada um dos finalistas da Taça de Portugal, o agente Simões, da Divisão de Trânsito de Lisboa, simpatizante do Sporting, deslocalizado para o serviço no exterior do Estádio, aproveitou uma pausa para conviver com amigos do Porto, dando um (bom) exemplo com selo da autoridade.

A festa dos cunhados de Marques Mendes e de Tino de Rãs

“Sou cunhado de Tino de Rãs. A minha irmã é casada com o Tino de Rãs”. Manuel Carteiro fez chegar a informação numa curta apresentação. Ficou por aí quanto a politiquices. “Tenho um partido. É o Porto”, rematou o líder do grupo vindo de Valongo, excursão feita num autocarro de 56 lugares onde estava Manuel Moreira, que já visitou o Jamor por “15 vezes”, anunciou. “Em 1991 vi o Porto perder com o Boavista”.

A política esteve ativa pelos lados do Porto (o SAPO vasculhou o lado leonino, sem encontrar laços familiares ligados a políticos do PS, PSD ou outras forças partidárias).

“Sou cunhado do Marques Mendes”, referiu Sérgio Lobo Ribeiro, marido da secretária de Estado da Ação Social (Clara Marques Mendes) e proprietário do restaurante Taberna ao Porto, em Carcavelos, em Cascais, espaço que serve de prova documental da ligação familiar. “Está aqui o meu cunhado. E também está aqui o Luís Montenegro e o Nuno Borges (ténis)”, mostrou no telemóvel ao folhear a lista de personalidades que “não resiste à francesinha”, deixando o convite a quem o entrevistava.

Grupos de amigas vão à bola

“Pinto da Costa está sempre entre nós e vai para todo o lado”, soltou uma adepta, sem se alongar mais sobre o ex-presidente grafitado no pano azul e branco.

Quem também esteve omnipresente foi o nome do ex-líder dos Super Dragões. O rosto e nome de Fernando Madureira, “Macaco” para amigos e não só, teve direito a entrar no estádio pendurado em várias camisolas e humanizado numa bandeira que andou de mãos em mãos pela bancada afeta aos adeptos do Porto.

Rebeca e amigas viajaram de norte. Aparentemente satisfeitas com a mudança de cadeira do poder ter virado a agulha para André Villas-Boas, a claque feminina viajou de autocarro alugado para que pudessem festejar à vontade.

“Temos uma tradição de vir aqui (Estádio Nacional)”, soltaram as sócias de “lugar anual” no Estádio do Dragão, assento que lhes permitiu estar no Jamor a cumprir o ritual desta amizade no feminino.

Na questão da igualdade, as claques femininas também vestem as cores do Sporting. Andreia veio acompanhada de amigas de vários pontos de Portugal e não só. “São umas de Lisboa, Azeitão, Fátima, Ourém e até de Macau”, apontou, ao deixar uma nota curiosa. “Os nossos maridos estão aqui, mas estão a cozinhar para nós”, transmitiu, de sorriso triunfante.

Das ilhas com e sem bilhete e a direta da Queima-das-Fitas

Um trio de adeptos menos jovens de camisola justa ao corpo dos Super Dragões, foi traído pelo sotaque. Assumiram ter aterrado vindos da ilha da Madeira, no exato dia de ato eleitoral e tentaram fintar a pergunta se tinham votado pela manhã. “O nosso voto é comprar o bilhete para o jogo de futebol”, gracejou um dos adeptos.

O Sporting esteve representado pelo arquipélago dos Açores. “Viemos diretos da ilha de São Miguel”, explicou Pedro Moura, cujo pronuncia foi confundida pelo SAPO24 como sendo natural da Pérola do Atlântico. “Não diga que sou da Madeira, somos dos Açores, dos Açores”, repetiu firmemente, antes de largar uma novidade.

“Não temos bilhete para o jogo, viemos para a festa, só se vive uma vez e a viagem de avião custou 134 euros entre o vir e o ir”, explicou o adepto que recorda a primeira final que viu. “Foi com o Braga (2018-2019)”, relembrou.

O passaporte para o anfiteatro dos sonhos da prova que mexe com Portugal também não morou nas mãos de um pai, Miguel e de um filho, Hugo, ambos de Dragão ao peito. “Não conseguimos bilhete, viemos às 4h00 da manhã, esperei pela abertura das portas às cinco e estamos aqui a fazer a festa com amigos do Sporting. Ficamos no parque de estacionamento à espera”, disse, sem ponta de lamento.

O pai e filho de apelido Freitas não passavam despercebidos na aglomeração de amigos com o símbolo do leão da cabeça aos pés.

José André, apesar de ter terminado o curso “há 30 anos”, não perdeu a oportunidade de ir “à Queima-das-Fitas”, em Coimbra, vindo de “direta para Lisboa” para se juntar ao seu amigo de longas festas no Jamor, Miguel Morais.

Juntos foram dos primeiros a ocupar o parque 2, ainda o sol não tinha nascido. Mal dormido, a memória saudosista de outras visitas reavivou o verbo de Miguel Morais, rapaz de mais de meio século de vida, ao falar da longa caminhada com o amigo atrás do grande amor comum. “A nossa primeira Taça foi da vitória frente ao Marítimo (1994) e depois na final da Taça do very-light (1996)”, recordou com tristeza.

Para a história, a dupla leonina não levou para casa a vitória e o caneco viria a morar junto dos adeptos vestidos de azul e branco.

Um triunfo portista celebrado após a guarda de honra feita pelos comandados de Sérgio Conceição à equipa de Rúben Amorim no seguimento da descida da escadaria com as medalhas de finalista vencido e antes da subida para receber a Taça, momento durante o qual não se ouviu os cânticos alusivos a Pinto da Costa, antigo presidente que esteve presente na Tribuna de Honra, colado a André Villas-Boas, mas com a equipa em pleno relvado, uma parte da bancada fez questão de relembrar Fernando Madureira que voltou a merecer referência em pleno Estádio Nacional - bandeira com a frase “Obrigado Macaco”.