Com uma primeira época pouco brilhante, terminando apenas no décimo quarto lugar, na Championship (segundo escalão do futebol inglês), Daniel Farke não desistia da sua estratégia. Após uma época de estreia pouco excitante, a temporada de 2018-19 seria um ano de sonho para Farke e Os Canários, alcunha pela qual o Norwich é conhecido. Com uma diferença de 34 pontos de uma época para a outra, Farke conseguiu transformar um décimo quarto lugar na primeira posição do campeonato, com natural acesso direto à Premier League. O Norwich voltava ao principal escalão inglês passados três anos de ter descido da mesma. Para além de Farke e dos jogadores, há outro nome que tem muito crédito no sucesso da equipa, uma vez que foi ele o responsável por ter montado grande parte da equipa do Norwich que conhecemos, incluindo a contratação do treinador alemão. O seu nome, Stuart Webb.

Quem é Stuart Webber?

Liverpool, Huddersfield, Wolves e, desde 2017, Norwich. Com apenas 35 anos de idade estes foram os clubes por onde Webber passou e onde tem vindo a desenvolver uma enorme capacidade de recrutar e delinear o futuro próximo. Responsável, em conjunto com Daniel Farke pelas contratações da equipa, esta é uma dupla que, com tempo e alguma consistência, poderá dar cartas no futebol inglês.

Com grande capacidade de venda, o Norwich fez, apenas nas duas última temporadas, 70 milhões de libras em transferências, tendo gasto apenas 20 milhões de euros em contratações, mostrando nesse campo um fascínio especial pelo mercado alemão, com proeminência na Bundesliga 2.

Contratações maioritariamente de jogadores subvalorizados e pouco conhecidos do público em geral podem não estar a valer um sucesso imediato na Premier League, mas garantiram sucesso na Championship. Precisará de mais tempo? De mais contratações? Mais paciência? Ou esta estratégia não servirá o clube e não trará sucesso ao mais alto nível?

O papel de Webber é fundamental para a pergunta final, principalmente pela sua filosofia como diretor desportivo. A mesma consiste em “contratar um treinador que consiga implementar um certo tipo de estilo de jogo, tenha uma mente aberta durante o mercado de transferências e que promova jogadores jovens do próprio clube”.

E é daqui que partimos para a analogia com a equipa do, assim como Daniel Farke, ex-Dortmund e alemão, Jürgen Klopp.

créditos: TIM KEETON/EPA

Guarda-redes

Devido ao estilo de jogo, com incidência em sair a jogar pelo guarda-redes, a necessidade de ter um guardião que seja hábil a jogar com os pés é fulcral. Além de sair a jogar, o guardião de uma equipa de Farke, terá que ter a capacidade de jogar adiantado, já que não só a equipa sobe muito no terreno em posse, deixando espaços nas costas da defesa, como tende a pressionar alto sempre que pode, colocando mais uma vez as costas da defesa expostas a bola no espaço. Situações de jogo que “sobram” para quem joga entre os postes.

Tim Krul foi a opção e até ver o holandês não tem tido maus desempenhos. O problema (futuro) poderá ser a falta de aposta num talento que possa, em breve tomar conta da baliza dos Canários. Archie Mair é um dos mais promissores jovens escoceses e tem lugar na equipa de Sub-23 do Norwich tendo presença habitual na Premier League 2 - exclusiva para equipas Sub-23. Poderá ser o futuro dos Canários mas, até ver, não teve oportunidades ao mais alto nível.

Uma dupla que vale golos

Assim como a famosa dupla de laterais de Klopp, Robertson e Alexander-Arnold, a dupla de laterais do Norwich não fica atrás. Tendo estado envolvidos em 13% dos golos marcados pela equipa na temporada 2018-19, Jamal Lewis e Max Aarons são jovens, rápidos, com excelente técnica e em muito semelhantes à dupla de Liverpool. Com experiência acumulada, e uma capacidade enorme de subir e descer no terreno são a dupla ideal para um campeonato como a Premier League.

A dupla de centrais

Aqui existem parecenças não só com o Liverpool de Klopp, mas também com o antigo Dortmund do treinador alemão. Em ambas as equipas o alemão gostava e gosta de ter um central com maior capacidade técnica, são exemplos disso Mats Hummels no Dortmund e agora Virgil van Dijk no Liverpool, e um companheiro de setor mais pragmático. Neven Subotić pelo Dortmund e a espaços no Liverpool Dejan Lovren e Joseph Gomez. No Norwich a filosofia de Farke vai ao encontro destes mesmos princípios. Ben Godfrey com uma capacidade técnica acima da média, permitindo-lhe ao longo da sua carreira jogar no centro de meio campo, e Grant Hanley mais experiente e com uma abordagem mais pragmática ao jogo.

O meio campo

No meio campo é onde as semelhanças poderão, no papel, não ser ao pormenor. Mas, ainda assim, na realidade, e pela forma como ambas as equipas atacam, acaba por haver uma sincronia entre Liverpool e Norwich. Dito isto, sempre que Klopp opta por colocar, agora com mais frequência, Oxlade-Chamberlain, o meio-campo passa a ser controlado a dois, com o jovem inglês a chegar-se mais perto dos avançados, com maior liberdade de movimentos, precisamente como Marco Stiepermann pelo Norwich. Atrás de Stiepermann estão Tom Trybull e Moritz Leitner, sendo o primeiro um médio mais de contenção e Leitner quem se junta ao ataque e tenta encontrar com mais frequência os espaço onde colocar a bola.

O trio da frente

Devido às enormes diferenças de qualidade, o ataque do Norwich acaba por ser, obviamente, não tão avassalador. Com extremos igualmente menos físicos que Mane e Salah, em Todd Cantwell - um dos mais promissores jogadores da liga - e Emiliano Buendía, um jovem argentino de 23 anos também ele com muito potencial.

Para finalizar, na frente de ataque, o já famoso Teemu Pukki, de quem já tivemos a oportunidade de falar. Avançado versátil, acaba por explorar mais as zonas nas costas dos defesas, enquanto que Firmino, tendo em conta o paralelismo com o Liverpool, tem uma capacidade muito superior de jogar em todo o terreno explorando não só a bola no pé com mais qualidade, como o jogo interior, libertando espaços na frente de ataque. Daí as formas de jogar não serem idênticas entre ambas as equipas, não só a qualidade dos jogadores, como a sua versatilidade irão ditar o caminho a seguir por ambos os treinadores.

Ainda assim as semelhanças são muitas e serve esta “comparação” para tentarmos perceber não só como joga o último classificado da Premier League, mas principalmente para explorar uma condição filosófica.

As grandes questões

Supondo que, na próxima temporada, o Norwich teria a hipótese de jogar na Premier League - caso a edição deste ano não conheça um fim e seja repetida - como encarar a nova temporada por parte dos Canários?

Se tivesse numa posição de decisão, o que faria o leitor? Se fosse a sua equipa do coração, como abordaria a temática? Jogar exactamente da mesma forma com acesso a duas ou três contratações? Arriscando-se a ter os mesmos resultados, a descida de divisão? Deixar a filosofia e processos tomarem o seu rumo e confiar que com um ano mais de experiência a equipa seria agora capaz de se transformar e exibir a um nível mais competitivo? Ou mudar radicalmente? Talvez olhar a outras equipas contratar 3 ou 4 jogadores com maior capacidade física e apostar noutra fórmula?

Entre continuar a desenvolver talento que terá capacidade de transformar esta equipa, adicionando alguns reforços, numa base de sustentação viável para uma equipa sólida, e mudar o paradigma de forma a tentar assegurar o “sucesso” que é a manutenção na Premier League e com ela todos os benefícios financeiros que vêm atrás, o que escolher?

Serão apenas os resultados que mostram as qualidades do trabalho realizado? Terá Farke tido algum sucesso na primeira época ao serviço do Norwich quando terminou em décimo quarto lugar? Terá essa classificação sido fundamental para a construção de um primeiro lugar e promoção à Premier League, ou teria uma mudança de filosofia mantido o Norwich no segundo escalão e não estaríamos neste momento a falar dos seus intervenientes? Será esta mais que previsível descida, caso o campeonato termine, apenas um passo para um sucesso maior?

Assim sendo o que faz com que uma seja uma máquina demolidora e colecionadora de recordes como o Liverpool e outra, o Norwich, seja uma equipa que ganha apenas 17% dos seus jogos?

Obviamente que a qualidade dos intervenientes será a resposta mais óbvia, mas se assim é, o ponto que terá que receber maior reflexão terá que ser: pode uma equipa jogar um futebol, sem acesso aos recursos financeiros de outros, sobreviver tentando jogar da mesma forma? Acreditando nas pessoas que estão à frente do processo, eu diria que sim. Olhe-se ao próprio Liverpool que tem servido de termo de comparação neste texto. Em três anos apenas Alexander-Arnold - na altura metade do jogador que é hoje - e Firmino eram titulares na equipa que conhecemos hoje. Todas as outras peças foram trazidas com máxima atenção ao detalhe. Não estamos a falar dos mesmos valores de contratações, mas estamos também a falar de outras posições. Klopp conquistou um oitavo, quarto, quarto e segundo lugares desde 2015 até finalmente alcançar o primeiro lugar da época corrente.

Terão as decisões que ser diferentes só porque falamos de subida e descida de divisão?

Se tivermos em conta uma estrutura que apresenta 5 jogadores (Lewis, Aaron, Godfrey, Cantwell e Buendía) com uma média de idades de 21.8 anos e com um potencial gigante, o que pensar da abordagem do Norwich? O que significará a sua estratégia do ponto de vista financeiro já que tempos difíceis para o futebol se aproximam? Beneficiarão do mesmo? Terão, ainda mais, a oportunidade de tirar vantagem de quem sustenta o seu modelo em jogadores já formados e com maiores garantias de sucesso imediato? Conseguirá uma equipa jovem reconquistar a Championship, caso desçam, ou pelo menos um lugar de acesso à Premier League no ano seguinte?

Tudo questões que se colocam a uma equipa com uma filosofia de futuro e que terá, como qualquer outra, imensas dúvidas e questões a colocar-se a si mesma nos meses que se seguem.