De Dakar, no Senegal, a Jeddah, segunda maior cidade da Arábia Saudita, são 9.029 quilómetros de distância, de carro, ou 5.992, de avião. A mítica prova de todo-o-terreno há muito deixou solo africano, andou pela América do Sul e agora regressa, pelo segundo ano consecutivo, ao deserto saudita.

O nome, Dakar — uma marca —, mantêm-se, independentemente do continente por onde passa a caravana de carros, quads, motas, SVV’s e camiões. Uma excursão onde entram 15 pilotos e navegadores portugueses e um diretor desportivo, prontos a rasgar o mapa de estradas de pedra, terra, areia e dunas.

A edição, a 43.ª do rali de todos os ralis, esteve para não arrancar devido à pandemia do novo coronavírus. De desistências de última hora por falta de patrocinadores, ao fecho do espaço aéreo e fronteiras decretado por Riad, em virtude do surgimento da nova variante do vírus, cumprindo os testes à covid-19 e a devida quarentena, a funcionar em “bolha”, a prova acelera oficialmente, a partir de hoje (após o prólogo de ontem), pelo Deserto das Arábias.

Sob o signo da segurança dos pilotos, serão 11 etapas, a começar e a terminar no dia 15, na cidade banhada pelo Mar Vermelho. Um percurso de 7.646 quilómetros, 4.767 deles cronometrados, um traçado novo e mais lento, de forma a reduzir acidentes.

Terá duas etapas em “loop”, isto é, com partida e chegada no mesmo local (a 3.ª, Wadi Ad-Dawasir - Wadi Ad-Dawasir e a 9.ª, Neom-Neom), uma forma encontrada para minimizar a necessidade de deslocações.

Contempla um dia de descanso, no dia 9, na cidade de Há’il, que antecede a etapa maratona desta edição. Ao todo, 267 km de Ligação e uma Especial, com 471 km, com destaque para 100 km do cima e baixo por montanhas de areia.

A criação do Dakar Classic é uma das novidades na edição 2021. Uma categoria para carros e camiões construídos antes do ano 2000. Para recordar os anos 80 e 90 do século passado e manter vivo o espírito idealizado por Thierry Sabine, o pai do Dakar.

Covid-19 a quanto obrigas

"Não temos o percurso que queríamos, pois tínhamos mais dois ou três países em mente, mas com a pandemia de covid-19 e com o confinamento não há hipótese de visitarmos esses territórios", explicou David Castera, diretor desportivo do Dakar. "A Arábia Saudita é um país grande e permite ter um percurso novo. Por isso só vamos repetir 50 a 80 quilómetros da edição de 2020", acrescentou.

Os testes à covid-19 foram executados a todos os pilotos, navegadores e staff, obrigados, de seguida, a cumprir uma mini-quarentena. Doravante, todo o pelotão funcionará em “bolhas”.

Os testes positivos eliminaram em segundos o sonho de um ano, obrigando a substituições de última hora. Que o diga o navegador português, Manuel Porém ou o espanhol Nani Roma, privado do copiloto, Dani Oliveras (substituído por Alex Wincocq) a poucos dias da 25.ª participação.

As restrições no espaço aéreo e dificuldades em viajar levaram pilotos a mudarem-se para o deserto com a devida antecedência. Foi o caso do espanhol Carlos Sainz, campeão em título (carros) e um dos candidatos à vitória.

A experiência da organização, a cargo da Amaury Sport Organization (ASO), ela mesma organizadora do Tour de France, onde bebeu inspiração na criação das “bolhas”, assim como na F1 e MotoGP, desembrulhou a logística prévia e ajudará, a partir de hoje, à movimentação de cerca de 2 mil pessoas pelo deserto.

À memória de Paulo Gonçalves. Airbags e cursos de primeiros socorros

Para além da segurança sanitária, a componente física dos pilotos entrou na equação na hora de desenhar o traçado.

As mortes do português, Paulo Gonçalves, e do holandês Edwin Straver, na edição 2020, ambas na sequência de quedas de mota a alta velocidade, estiveram na base das alterações impostas pela organização. Mudanças que obedecem a novas regras de segurança. Os pilotos foram, inclusive, obrigados a fazer um curso de primeiros socorros.

Nas duas rodas, cada piloto está obrigado a apresentar seis rodas traseiras, numerário com o qual cumprirá as 11 etapas. Há ainda a obrigatoriedade do uso de airbag (instalado num colete semelhante ao utilizado no MotoGP e com GPS).

Na linha do ano passado, a rotina de copilotos é marcada pela receção do mapa do percurso no dia de cada etapa. 10 minutos antes, para carros, e 20 nas motas. Os pilotos de elite recebem num tablet a informação mapeada, transformada num roadbook digital.

Esta prática acarreta mais competitividade à competição e deita por terra as hipóteses de estudo antecipado, através do recurso a drones e GPS das equipas com mais argumentos financeiros.

Um sinal sonoro precede em 200 metros as zonas mais perigosas, todas elas mapeadas. A velocidade nas “slow zone” (zona lenta) passa a ser limitada a 90 km/h. A paragem de 15 minutos será reservada para reabastecimento e repouso. O Dakar Experience, que no ano passado permitiu a 22 equipas continuar em prova apesar de desclassificadas, mantém-se.

"Fizemos um bom trabalho com os programas de satélite para escolher o percurso, cada quilómetro, de forma a termos um Dakar mais técnico e menos rápido, em que cada etapa tenha múltiplas características: um pouco de dunas, terreno duro, zonas técnicas e zonas rápidas", rematou David Castera, diretor desportivo da prova.

Recordar os anos 80 e 90 e um tributo à história do rali mais sonante do mundo

Quando os carros arrancarem o pó do Deserto saudita, os olhares saudosistas e nostálgicos do Paris-Dakar original focam-se na estreia do Dakar Classic, categoria para veículos clássicos até ao ano de 2000.

Essa foi a base da proposta de David Castera. Recuperar o aroma do troço criado por Thierry Sabine numa versão 4.0 do rali mais famoso do planeta.

Na lista do passado revisitado entram o Volkswagen Iltis 4x4, o Mitsubishi Pajero/Montero, dois Buggy Sunhill, o Volkswagen Baja, Porsche 911 SC 3.0L, Range Rover, Nissan Patrol e os Mercedes Classe G, a estreia na prova do Skoda 130 LR, o ZX Grand Raid, o Peugeot 504 Gr.4 V6, um camião MAN, um Mercedes Unimog e um Renault 420 DCI.

Ao todo, 25 pilotos, entre competidores com experiência e outros que estreiam na inscrição do nome na aventura. Yves Loubet, copiloto francês nos anos 80, desenhou as 12 etapas, entre 200 e 300 quilómetros, que correm em paralelo à competição principal. Mas não se pense que poderão ser vistos a saltar dunas.

O reencontro em presente e passado — rodam juntos uma parte do trajeto por estrada e separam-se na Especial — ocorre diariamente na saída do “vivac”, ao lado dos carros dos favoritos, Nasser Al-Attiyah, Stéphane Peterhansel, Carlos Sainz, ou Sébastien Loeb, em estreia nas dunas arábicas.

O contingente português

Para a 43.ª edição do Rali Dakar, entre os portugueses, nas motos, destaque para o estreante Rui Gonçalves (Sherco), antigo vice-campeão mundial de motocrosse. Ruben Faria volta a comandar a equipa da Honda (campeã em 2020 com Ricky Brabec). Joaquim Rodrigues Jr (Hero), Alexandre Azinhais (KTM) e o luso-germânico Sebastian Buhler (Hero), com licença alemã, são os restantes motards em prova.

Nos automóveis, Jorge Monteiro irá “navegar” Ricardo Porém (Borgward), Filipe Palmeiro acompanha o lituano Benediktas Vanagas (Toyota), há uma aliança Portugal-Letónia extensível a Gintas Petrus e José Marques (Optimus/Petrus Kombucha Team). Paulo Fiúza segue com Vaidotas Zala.

Nos camiões, José Martins (Iveco) como piloto. Os copilotos, Nuno Fojo (Man) e Armando Loureiro aventuram-se ao lado de Alberto Herrero e Jordi Iniesta (Man), respetivamente. Por fim, nos SSV, estão inscritos Rui Miguel Carneiro/Filipe Serra (MMP) e Lourenço Rosa/Joaquim Dias (Can-Am).

De fora, por lesão – fratura no fémur -, a registar a ausência de peso do motard Mário Patrão (KTM).

Pedro Bianchi Prata não viaja até à Arábia Saudita devido às dificuldades económicas (patrocínios) que resultaram da pandemia. Para trás ficam 15 participações seguidas. Algo que esteve quase a suceder a Cristina Gutiérrez. A dois meses do arranque, a espanhola, melhor classificada nas duas últimas edições, perdeu patrocinadores devido à pandemia. Ficou sem equipa até receber um convite da Red Bull para acelerar no deserto da Arábia Saudita.