“Estava no balneário a preparar-me para o treino quando ouvi barulho e apercebo-me de adeptos aos gritos a entrarem pelo balneário, onde estava o plantel quase todo. O Vasco Fernandes, que era o nosso secretário técnico, tentou fechar a porta do balneário, mas não conseguiu. Entraram de cara tapada e começaram logo a agredir. Não falaram com ninguém, começaram logo a agredir. Entraram com uma agressividade muito grande. Vinham com tudo. Eles entraram, não sei se vinham para matar, mas vinham com tudo”, afirmou Rui Patrício.

O internacional português assumiu que naquele momento teve um sentimento de: “não nos matem”.

“Dava para perceber que havia muita confusão. Quem foi agredido, não deu para perceber. Havia confusão, havia fumo, havia gritos. Quando entraram no balneário, lançaram tochas. Nós tentávamos acalmá-los, mas eles estavam muito agressivos. Mandaram tirar a camisola, disseram ‘vocês são uma vergonha’ e vamos matar-vos. Foi um momento de muita tensão”, descreveu o guarda-redes.

Rui Patrício foi ouvido por Skype na 16.ª sessão do julgamento da invasão à academia ‘leonina’, em Alcochete, em 15 de maio de 2018, com 44 arguidos, incluindo o antigo presidente do clube Bruno de Carvalho, que decorre no Tribunal de Monsanto, em Lisboa.

A testemunha contou que o primeiro elemento a entrar no balneário desferiu um pontapé em alguém que não se recorda, acrescentando que, quando estava a tentar separar um dos elementos que estava a agredir o William Carvalho, com “socos no peito, juntaram-se mais três ou quatro indivíduos” e agarraram-no e agrediram-no.

Depois, relatou, um dos elementos virou-se para si e disse: “‘Estás-te a rir? Queres ir embora, eu parto-te a boca toda’”.

Após a invasão, o internacional português afirmou ter visto “Bas Dost a levar pontos na cabeça e o mister Jorge Jesus a sangrar da boca e do nariz”, quando o técnico foi ter com os jogadores ao balneário.

No exterior da ala profissional, mas ainda no interior da academia, Rui Patrício contou que viu ainda Fernando Mendes, um dos arguidos no processo e antigo líder da claque Juventude Leonina, a falar com o treinador Jorge Jesus e o jogador William Carvalho.

"Esse comportamento de Bruno de Carvalho foi estranho. Não havia relação com o presidente já"

Questionado sobre a reunião de 07 de abril de 2018, entre o plantel e Bruno de Carvalho, dois dias após a derrota com o Atlético de Madrid, e o ‘post’ publicado na rede social Facebook pelo antigo presidente do clube, a criticar os jogadores.

“A reunião decorreu num ambiente muito mau. Na nossa opinião ele esteve mal e queríamos que explicasse porque escreveu o ‘post’. Ele disse que era o presidente e que fazia o que quisesse. Eu e o William éramos os que estávamos a falar mais e ele respondeu: ‘vocês estão a fazer isso porque querem ir embora do clube’. Mas falamos enquanto capitães, a representar o grupo. Acabou a reunião e não se retirou nada dali”, descreveu o antigo guarda-redes ‘leonino’.

Nessa reunião, acrescentou, William Carvalho acusou Bruno de Carvalho de ordenar que elementos da claque Juventude Leonina (JL) partissem os carros dos jogadores.

“O William disse que o Mustafá [arguido e líder da claque JL] lhe tinha dito que o presidente tinha mandado partir os carros dos jogadores, mas o presidente negou. Disse que se quisesse bater em alguém não precisava de ninguém. A reunião acabou, o presidente saiu, mas depois regressou com o telemóvel em alta voz com o Mustafá e perguntou: ‘diz lá se mandei partir os carros de alguém’. E o Mustafá disse que não”, contou o guarda-redes.

Para Rui Patrício, o ‘post’ de Bruno de Carvalho a criticar o plantel tinha como objetivo virar os adeptos contra os jogadores, acrescentando que, desde essa reunião, nunca mais respondeu às mensagens do presidente.

O atleta esteve também na reunião na véspera do ataque à academia, entre o plantel e Bruno de Carvalho, na qual estiveram presentes outros elementos do Conselho de Administração.

A reunião decorreu em 14 de maio de 2018, no dia seguinte à derrota do Sporting contra o Marítimo por 2-1, que significou a perda do segundo lugar do campeonato para o Benfica e levou à troca de palavras entre jogadores e elementos da claque Juventude Leonina, nomeadamente envolvendo o jogador Acuña, primeiro no relvado, após o jogo, e depois no Aeroporto do Funchal.

Nesta reunião, segundo o antigo capitão do Sporting, o então presidente do clube teve um comportamento “completamente diferente e estranho” face às reuniões anteriores.

“[Teve uma postura] Completamente diferente. Todo o conteúdo e a forma de falar em relação às outras reuniões, ao ‘post’. Esse comportamento de Bruno de Carvalho foi estranho. Não havia relação com o presidente já. Começou a falar e uma das coisas que ele diz já no final dessa reunião foi: ‘se vocês precisarem de alguma coisa, liguem para mim ou para o Geraldes. Estou aqui para vocês, nós somos uma família, nós estamos aqui para vocês’”, contou o atleta.

Rui Patrício relatou que Bruno de Carvalho “virou-se para o Acuña” e perguntou ‘porque é que fizeste isso, agora tenho um tremendo problema para resolver, estiveram toda a noite a ligar, mas vou tentar resolver’.

O ex-capitão do Sporting contou ainda que nessa reunião Bruno de Carvalho quis saber se o plantel estava apto para jogar a final da Taça de Portugal contra o Desportivo das Aves, marcada para o domingo seguinte, 20 de maio.

“O jogo foi triste ontem [contra o Marítimo], não conseguimos o objetivo, mas agora o jogo é outro, é a final da Taça [de Portugal]. Aconteça o que acontecer, vocês vão estar bem para jogar a final da Taça? Eu interpretei que iria haver mudança de treinador”, referiu Patrício, atualmente nos ingleses do Wolverhampton.

O julgamento prossegue na terça-feira com a inquirição, de manhã, do jogador Ruben Ribeiro, atualmente ao serviço do Gil Vicente, e, de tarde, do treinador Jorge Jesus, que vai testemunhar por videoconferência, a partir das 14:00, do Tribunal de Almada.