Como atleta, Bobby Robson, jogou por dois clubes apenas, Fulham e West Bromwich Albion. Com 133 golos em 583 jogos, o menino nascido a menos de trinta minutos do seu clube de coração, o Newcastle United, nunca viria a representar as cores dos Magpies (alcunha do Newcastle), pelo menos como jogador. Ainda assim, Robson viria a cumprir o sonho de qualquer criança inglesa e representaria a seleção por vinte ocasiões, tendo tido, ao serviço da equipa dos três leões (alcunha da seleção inglesa), alguns dos momentos que mais o orgulharam como jogador. Exemplo disso é o golo que abriu a vitória da seleção inglesa sobre a escocesa, num jogo que terminou com nove bolas a três a favor dos ingleses.

Mas se Bobby Robson, como jogador, terá tido um nível ‘apenas’ acima da média, como treinador atingiu um patamar muito superior. Olhemos não só a alguns momentos da sua carreira como para o que fazia dele um técnico especial.

Ipswich Town

Segundo o mesmo, a decisão mais difícil da sua carreira foi ter deixado o Ipswich, após treze anos ao serviço do clube, para ser selecionador inglês. O que parece ser uma afirmação sem sentido, tinha uma razão de ser. No Ipswich, Bobby Robson era tratado como achava que um treinador deveria ser tratado, e muito graças ao presidente da altura John Cobbold e, posteriormente, Patrick Cobbold.

No Ipswich, à época, nenhum jogador auferia mais que o treinador. Bobby Robson tinha estatuto e poder, desempenhando assim o seu papel com autonomia e estabilidade. Com o equilíbrio no clube, vinha a tranquilidade na sua vida pessoal. Terá sido, segundo o mesmo, a melhor qualidade de vida que teve enquanto treinador. Um exemplo que demonstra a filosofia em volta do treinador e da equipa vindo do presidente: Robson confessou que quando ganhavam o presidente abria uma garrafa de champagne, mas quando perdiam, abria duas. Dizia Robson que essa era a forma civilizada que este tinha de lidar com a derrota. Tais valores vieram a refletir-se em toda a sua carreira. Apaixonado, capaz de ferver com o jogo, mas sempre um cavalheiro quer na vitória, quer na derrota.

“Bobby não era só um líder de homens brilhante que extraía o melhor do melhor dos seus jogadores, mas era também, sem margem para dúvidas, o indivíduo mais apaixonado que eu alguma vez conheci no futebol” — Gary Lineker

Mas se se pensa que a vida de treinador do Ipswich Town era fácil, Bobby Robson tinha um fundo para transferências muito limitado. Em treze anos ao serviço do clube fez, imagine-se, apenas e só, catorze contratações. Mas com o seu carisma e competência, enfrentando as dificuldades de um clube que lutava para não descer, levou os Azuis (como é conhecido o Ipswich Town) a segundos e terceiros lugares na liga inglesa e, inclusivamente, a vencer a FA Cup de 1978 frente ao Arsenal. Se esses resultados já eram especiais,  apenas três anos passados da conquista da FA Cup, vencera a taça UEFA, confirmando que Bobby Robson era, sem dúvida, um treinador especial.

Uma das catorze aquisições de Bobby Robson ao longo do seu legado no Ipswich Town foi Eric Gates. Na altura, com apenas 15 anos de idade, Robson fez questão e falar pessoalmente com os pais do jogador e fazer o impensável, tanto para os dias de hoje como para a altura, e prometeu - e cumpriu! -  que o jogador iria viver com ele, a sua mulher e os seus três filhos até se ambientar à cidade e ao clube. Bobby era uma pessoa ímpar e conseguia transferir os seus valores pessoais para a sua vida profissional, tornando-o num nome incontornável do futebol mundial.

Carreira internacional de treinador

Depois do sucesso com o Ipswich e com a seleção do seu país, com participação em dois mundiais e um campeonato da Europa, Robson fez o que muito poucos jogadores/treinadores ingleses fazem. Largou o conforto da sua língua e do seu futebol e decidiu testar as suas capacidades em diversos países. Sucesso em solo holandês, português e espanhol levaram-no a ser, se já não o era, um treinador de craveira internacional.

Por onde passou conseguiu sempre aliar a boa disposição ao profissionalismo, sendo que o resultado era invariavelmente o mesmo: sucesso. E esse sucesso, dentro e fora dos relvados, derivava não só do seu profundo conhecimento táctico mas muito da forma como este conseguia motivar e retirar a pressão dos seus jogadores. A forma como, de um momento para o outro, Robson era capaz de dar a volta a um clube e a uma equipa não eram efeito do acaso, nem de contratações milionárias, eram unicamente resultado da psicologia aplicada pelo treinador inglês. Sem formação específica na área, Robson conseguia utilizar a sua personalidade e gentileza para chegar aos jogadores, para os fazer ver que eles eram capazes e que Robson estava ali para eles, sendo o primeiro a acreditar nos mesmos.

Um homem especial

Há alguns momentos em que não gosta de si mesmo? Perguntou-lhe um dia um jornalista.

“Nos dias em que passo demasiado tempo no clube e poderia ter chegado a casa mais cedo. Não acho que a minha família tenha sofrido, mas eles não me veem o suficiente e eu não os vejo o suficiente. Não passei tempo suficiente com os meus três filhos porque o trabalho me consumiu. Arrependo-me disso, apesar de amar imensamente o futebol. Sinto que fui afastado de alguma forma da minha família e não lhes dei o tempo que a maioria dos pais de família e maridos dão.”

À semelhança de muitos outros treinadores, que passam pelo mesmo, Robson dedicou todo o seu tempo ao que o fazia feliz. Passou cada minuto a alimentar um fogo que lhe dava vida. Vivia para os seus jogadores e com eles se sentia realizado.

Tinha duas características que todos os que privaram consigo parecem recordar. A primeira era a de que era muito mau com nomes. Acertar com os nomes dos que o rodeavam era missão quase impossível para o treinador. Gary Lineker recorda-se de estar sentado no banco da seleção, pela primeira vez na sua carreira, e Bobby Robson olhar para ele, com a segunda parte a decorrer e dizer: “Garth, vai aquecer.” Lineker, após alguns segundos de confusão, obedeceu.

A sua segunda característica era que odiava chegar atrasado. Fazia parte do seu código de honra, era para ele uma falta de disciplina e fazia questão de mencionar que uma das suas frases preferidas para os jogadores era: “Estás atrasado. E quando se tenta apanhar um comboio e se chega atrasado, o comboio já lá não está.” Uma das consequências era que quando era Robson — normalmente devido a compromissos inerentes ao trabalho, como falar com jornalistas — a chegar atrasado não se livrava de ouvir o som de um comboio a sair da estação, reproduzido pelos jogadores que tantas vezes tinham que ouvir a dita frase.

“Mais dos que um treinador, ele é um cavalheiro. É humano, ele explica-te as coisas de uma forma gentil, sem agressividade, eu gosto muito dele.” — Franz Beckenbauer

Durante a sua carreira e a após o final da mesma, Bobby Robson teve a oportunidade de receber merecidos elogios. Amado por todos, Robson era uma figura acarinhada por companheiros e adversários.

“Ele influenciou-me, mas o que o fez tão especial foi a capacidade de influenciar pessoas que não o conheciam. As pessoas admiravam a sua coragem, dignidade e o seu entusiasmo. Todos vamos para sempre recordar a sua pequena dança frente à Bélgica após o golo de David Platt. Ele influenciou-me não só na altura, mas ao longo de toda a sua carreira.” As palavras são de Sir Alex Ferguson. 

Bobby Robson festeja, a seu estilo, o golo de David Platt que colocava a seleção inglesa nos quartos-de-final do campeonato do mundo de 1990, realizado em Itália.

Com o final da sua carreira internacional veio o regresso a Inglaterra. Primeiro à seleção, mas não como treinador, e logo de seguida o lugar que faltava, para treinador do Newcastle United. Mais uma vez fazendo aquilo que melhor sabia, fez renascer o clube. Levando-o aos lugares cimeiros da tabela, após segurar no clube à beira da despromoção, Bobby tornou-se em apenas cinco anos uma lenda. Com um final de carreira no clube de coração, Bobby Robson foi um homem feliz que não só fez o mais gostava na vida, com ainda por cima, fê-lo muito bem.

“O que é um clube? Não é o estádio, diretores, ou as pessoas pagas para o representarem. Um clube não são os contratos televisivos, as cláusulas de rescisão, o departamento de marketing ou os camarotes. Um clube é o barulho, a paixão, o sentimento de pertencer, o orgulho na nossa cidade. Um clube é uma criança a subir a escadaria do estádio pela primeira vez, segurando a mão do seu pai, de queixo caído a observar o relvado lá em baixo e, sem nada poder fazer, apaixonar-se.”

Bobby Robson, o homem que amava o futebol e que o futebol irá, para todo o sempre, amar de volta.

O documentário sobre a vida do treinador “Bobby Robson - Mais que um treinador”, será lançado em junho próximo.