A vitória por 3-2 após prolongamento contra a Espanha, a “besta negra” que venceu 9 dos 10 confrontos entre as seleções, é fruto das características que fizeram desta equipa portuguesa, uma equipa vencedora: esforço, abnegação, sacrifício, superação. Não sejamos líricos: Portugal estava e está longe de ter as melhores individualidades das seleções europeias que se apresentaram no Euro Futsal na Eslovénia, excetuando o extraterrestre Ricardinho.
É importante fazer uma análise detalhada a este plantel para verificar que, de facto, foram as valências coletivas que trouxeram o caneco para Portugal. Dos 14 jogadores que foram convocados por Jorge Braz, apenas um joga no estrangeiro - Ricardinho - e apenas 4 jogam numa equipa que disputa regularmente a final-four da UEFA Futsal Cup - João Matos, Pedro Cary, André Sousa e Pany Varela - sendo que nem estes se assumem como verdadeiros indiscutíveis no plantel do Sporting CP. De todos os jogadores convocados, apenas um tem menos de 25 anos - André Coelho - e 8 têm 30 anos ou mais. O Futsal é um desporto que permite maior longevidade, contudo não será de ignorar o facto de se tratar uma seleção com uma média de idades de 30 anos. Esta média não deve preocupar a FPF por agora, mas obriga a acelerar a preparação da sucessão desta geração de futsalistas.
O primeiro ponto a solucionar começa na baliza. Os três jogadores convocados por Jorge Braz (Bebé, André Sousa e Vítor Hugo) têm todos mais de 30 anos (35, 32 e 35 anos, respetivamente) e nenhum parece ter as características que cada vez mais se exigem num desporto tão dinâmico como o futsal: um bom jogo de pés. De todos, André Sousa é o que mais se aproxima, contudo trata-se de um jogador com uma estampa física menos imponente, que cria dificuldades para contrariar lançamentos longos para o pivôt ou simplesmente para cobrir mais área da baliza. Bebé há muito que deixou de assegurar a baliza de Portugal e a sua saída do Benfica prova que a idade não perdoa, apesar de ser capaz do melhor (e do pior) no mesmo jogo. Vítor Hugo, por sua vez, regressou de uma lesão complicadíssima e é um portento entre os postes, apesar de o seu jogo de pés ser limitadíssimo. Vasco Ribeiro, Xot, Gonçalo Portugal e Cristiano afiguram-se como os intérpretes a ter em conta nos próximos anos, mas ainda estão longe de demonstrar qualidade suficiente para liderar a baliza das Quinas.
A posição de fixo parece garantida para os anos vindouros, com Nílson Miguel e Fábio Cecílio a afirmarem-se como fortes candidatos a assegurar a mesma, bem como a polivalência de André Coelho a permitir que possa vir a tornar-se um fixo de craveira mundial, tendo também em conta a sua possante estampa física. A posição de ala parece também conferir seguranças, uma vez que jogadores como Tiago Brito, Pany Varela, Edgar Varela, Bruno Coelho e Márcio terão ainda muitos anos de futsal pela frente, com Bruno Coelho e Pany Varela a demonstrarem, já neste Euro Futsal, a sua enorme qualidade e mais valia para o panorama nacional de futsal.
Mas a maior lacuna do Futsal Português e que ficou bem patente durante este Euro Futsal prende-se com a posição de pivôt. Se a exibição de Éder Lima contra Portugal demonstrou o poder e influência que um enorme jogador pode fazer nesta posição, as exibições de Tunha, apesar das suas duas assistências, demonstram claramente que a seleção nacional não tem substituto à altura, nem se adivinha o seu aparecimento, para Fernando Cardinal. Poder-se-á argumentar que o sistema de jogo de Portugal beneficiou da ausência de Cardinal, uma vez que se foi privilegiado o 4x0 dinâmico e um futsal total, mais dinâmico, mais independente de individualidades e mais assente em movimentações coletivas. Contudo, a importância do jogo de pivôt não pode nem deve ser descurada: um bom pivôt consegue fixar defensores, consegue segurar a bola e pautar o jogo, consegue decidir quando as movimentações coletivas não são suficientes. A final frente à Espanha foi o exemplo perfeito de duas seleções talhadas para jogar num 4x0 dinâmico e que se anularam, exatamente por não terem, ao contrário da Rússia, um jogo de pivôt altamente trabalhado, apesar da maior qualidade e abundância de escolhas por parte do selecionador de nuestros hermanos.
Acima de tudo, urge alterar o paradigma do futsal em Portugal. A maior vitória que Portugal trouxe da Eslovénia foi a certeza de que podemos ser uma potência mundial (isto é, se já não o somos) e de que o futsal não necessita nem deve ser o “parente pobre” do futebol. Pode e deve existir como uma modalidade totalmente independente, com um público que compreende as suas idiossincrasias, que se envolve e apoia de forma regular e construtiva. As sementes lançadas para homens como Orlando Duarte não podem ser agora descuradas e abandonadas. O futsal português atingiu um novo pico de popularidade, as pessoas olham para a modalidade com uma esperança renovada e finalmente começa a ser abandonado o 'futebol de salão'.
A tempestade perfeita para catapultar o futsal português está a atingir a sua máxima força: o melhor do jogador do mundo é natural de Gondomar; o Sporting CP é vice-campeão da UEFA Futsal CUP e um finalista assíduo; a Liga SportZone fornece duas vagas de acesso à UEFA Futsal Cup; existe um número mínimo de jogadores formados localmente que devem estar inscritos na ficha de jogo dos jogos da Liga SportZone; a prática amadora em distritos como Lisboa, Porto e Aveiro está em crescendo, com o surgimento de novas equipas e a consolidação de outras não tão recentes; a Liga SportZone tem representantes de praticamente todo o território nacional. Em suma, Portugal começa a entender o potencial da modalidade, mas ainda não a abraçou, ainda não assumiu, como o fez com o hóquei em patins, por exemplo, que pode ser a maior potência mundial neste desporto e ombrear com Espanha e Brasil, por exemplo.
A preparação de gerações de novos jogadores de alta qualidade deve ser uma das prioridades da FPF. Esta formação apenas poderá advir da melhoria da qualidade das instalações de treino, de uma maior profissionalização dos intérpretes, de mais apoios a clubes locais capazes de descobrir novas pérolas, a uma maior mobilização de patrocínios relevantes com recursos financeiros adequados para financiar todo este processo de estruturação, de uma estratégia de marketing que coloque o futsal nas mentes dos jovens desportistas, de uma estabilização dos clubes, que subsistem, muitas vezes, pelas mãos de autarquias locais ou de outros benfeitores. Casos como o SL Olivais não podem voltar a acontecer e são necessários mais clubes com modelos como o SC Braga/AAUM que baseiem a sua sustentabilidade num misto de formação, descoberta de novos talentos e contratações cirúrgicas.
Após a conquista do caneco, fica a ideia de que há ainda muito trabalho a fazer, uma sucessão a ser preparada e uma estruturação ainda mais abrangente que deve ser trabalhada para a promoção desta modalidade em Portugal. A responsabilidade é agora maior que nunca!
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