“Convidou-me para uma reunião e nem sabia do que se tratava. Quando chego ao escritório dele, deparo-me com o José. Tinha conversado sobre futebol duas vezes com ele, em contexto de férias no Algarve, e fiquei muito surpreso por ter solicitado a minha presença para trabalhar com ele”, recordou à Lusa o antigo defesa brasileiro das ‘águias’.

O setubalense trabalhava como adjunto do holandês Louis van Gaal no FC Barcelona quando foi seduzido pelo convite do Benfica para assumir um inédito cargo de treinador principal, em substituição do alemão Jupp Heynckes, demissionário após a vitória com lenços brancos frente ao Estrela da Amadora (2-1), na quarta jornada da I Liga.

“É verdade que o José vinha de trabalhos com o falecido Bobby Robson no Sporting, no FC Porto e em Barcelona, mas já tinha conhecimentos desde os tempos em que fazia relatórios para o pai Félix Mourinho. Era um ser humano raro e demonstrou essa visão sobre futebol num curto espaço de tempo, tal como eu nunca tinha visto”, elogiou.

Se a contratação do treinador gerou controvérsia junto dos dirigentes, o plantel revelou “muito boa adesão” àquele estilo de intervenção, responsável por um “salto grande”, apesar da estreia frustrada em 23 de setembro de 2000, frente ao Boavista (0-1), campeão nacional nessa época e que tinha os mesmos sete pontos dos lisboetas.

“Era notória a reação dos atletas em beberam daquele sistema e daquela metodologia. Infelizmente, as coisas foram curtas para nós, sobretudo para mim, porque tinha muito para aprender com ele e fiquei como se tivesse ligado apenas a chave do motor do carro”, apontou Mozer, campeão nacional pelo Benfica em 1988/89 e 1993/94.

As ‘águias’ traduziram em resultados a harmonia criada em redor de Mourinho, até ao momento em que Vale e Azevedo perdeu em outubro as eleições para Manuel Vilarinho, levando o setubalense, depois de triunfos em Guimarães (4-0) e na receção ao Sporting (3-0), a clarificar o seu futuro perante uma direção comprometida com o treinador Toni.

“Não tenho mágoa, mas fiquei bastante chateado pela oportunidade desperdiçada de o Benfica subir de patamar. O José foi uma revolução à época. Achava de uma importância tremenda que ele permanecesse, pois tínhamos contactado pela primeira vez com essa organização de trabalho, que seria benéfica para um clube modernizado”, observou.

Os dirigentes encararam a exigência como um ultimato inaceitável e recusaram acrescentar um ano ao vínculo contratual da equipa técnica luso-brasileira, que abandonou o Estádio da Luz ao cabo de 76 dias e 11 jogos oficiais em três competições, com o Benfica na sexta posição, com 24 pontos, menos sete do que o líder FC Porto.

“Houve muitas histórias de que o José pôs a faca no pescoço do Manuel Vilarinho, mas ele não exigiu mais dinheiro. Só queria que o deixassem trabalhar para certificar a sua qualidade e mostrar ao público que tinha plenas condições de treinar ali. Percebo que era para se cumprir o pacto com o Toni, mas foi um desperdício muito grande”, lamentou.

Mourinho ficou livre para decidir o futuro, recusou algumas abordagens e permaneceu inativo até ao fim da temporada, optando pela União de Leiria em 2001/02, na qual começou a formar a sua equipa técnica de raiz, com as adições dos adjuntos Baltemar Brito e Rui Faria, que compensaram a relutância de Mozer em rumar à cidade do Lis.

“Como o empresário José Veiga não tinha uma boa relação com o João Bartolomeu, o Jorge Baidek ofereceu o Mourinho ao presidente do Leiria e este não acreditou muito nas suas palavras. Pediu-me para tentar convencê-lo e avisei-o da oportunidade que tinha em ter um dos melhores treinadores do mundo a passar por aquele clube”, partilhou.

O setubalense realizou 19 jornadas no centro do país e rendeu Octávio Machado no FC Porto em janeiro de 2002, com os leirienses instalados no quarto posto, com 34 pontos, um acima dos ‘dragões’ e menos seis do que o futuro campeão nacional Sporting, tendo “começado ali a galgar a escada” rumo a um trilho vitorioso sinalizado por 25 troféus.

“Quem beneficiou com o despedimento de José Mourinho do Benfica foi a União de Leiria. Tudo o que aconteceu aí e no FC Porto, com as duas taças europeias e o bicampeonato, podia ter acontecido na Luz. Na altura, pensei que o Benfica voltaria a ganhar a Liga dos Campeões com um homem realmente fora do comum”, atirou.

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