Falhado o assalto português durante o Campeonato do Mundo, FC Porto e Lokomotiv encontraram-se em Moscovo com 66% de certezas de que algum português sairia feliz da capital onde há pouco mais de três meses se elevou uma nação a campeã do mundo de futebol.

Na capital moscovita, Éder e Manuel Fernandes, do Lokomotiv, foram anfitriões. Do lado dos dragões, Danilo Pereira foi o convidado de honra. Numa cidade onde o número de portugueses não chega a uma centena, encontrar um conterrâneo é sinal de festa. E em dia de festa, já se sabe, quem sai a tropeçar terá uma manhã difícil.

Não sabemos se terá sido a vodca, a hospitalidade portuguesa que se atravessou à frente da necessidade russa de pontuar, ou simplesmente o destino do jogo, mas a verdade é que o Lokomotiv tropeçou nos seus portugueses antes sequer de poder tropeçar no do adversário.

Dez minutos de jogo. Falta de Alex Telles dentro da área sobre Alexey Miranchuk.
Indiscutível.
Penálti.
Manuel Fernandes corre para bola, chuta com força, mas Iker Casillas, o jogador mais experiente da Liga dos Campeões, defende. Há mais de um década que o espanhol não defendia uma grande penalidade na competição milionária. O internacional português olha para baixo, nem quer acreditar.

Quinze minutos depois, Éder, num canto a favor do FC Porto, esquecendo-se que há uma bola em jogo, atira Filipe ao chão. O herói do Europeu de 2016 nem reclama.
Penálti para os dragões.
Marega não foi perdulário e assinou o segundo golo nesta edição da ‘Champions’.

A história do jogo conta-se até aqui. Poucos minutos depois do penálti falhado pelo antigo centro-campista do SL Benfica, Anton Miranchuk, do lado esquerdo do campo, tira todos os adversários do caminho, entra na área e cruza para trás para servir Alexey. O russo, irmão de Anton, não se faz rogado e chuta. Mas esta era a cena em que Alex Telles se redimia. À boca da baliza, o brasileiro cortou uma e duas vezes, e ainda se levantou para tirar a bola dos pés de Éder que se preparava para atirar para golo.

Vamos a contas. Não fosse aquele penálti falhado e o jogo de pinball dentro de área entre Alex Telles e os jogadores do Lokomotiv, e o jogo poderia estar 2-0 a favor da equipa da casa. Não fosse o erro desnecessário de Éder e não saberíamos quando é que o FC Porto conseguiria fazer o primeiro remate enquadrado à baliza de Guilherme.

Os dragões não estavam bem, nunca chegaram a estar. Não foram uma equipa dominadora, mesmo perante um Lokomotiv que se mostrou desconfortável numa tática assente em três defesas e a jogar sem bola, a apostar num futebol de contra-ataque.

Seria injusto, no entanto, fazer de Éder e Manuel Fernandes os únicos protagonistas do início do desaire do Lokomotiv. Há outro português, mais discreto e silencioso, mas nunca menos importante, que merece entrar no guião. Danilo Pereira terminou a partida com uma eficácia de passe de 89%, acertou oito dos 12 passes longos tentados, fez 15 recuperações de bola e somou três desarmes.

Enquanto Danilo mantinha o território que lhe fora atribuído por Sérgio Conceição livre de perigo, o FC Porto lá ia tentando. Com dificuldades em chegar à zona finalização, foi dos pés irrequietos e velozes de Jesus Corona, pelo lado direito, que saiu o cruzamento para Hector Hérrera que, com um cabeceamento à ponta de lança, de cima para baixo, como mandam as regras, fez o 2-0.

Era o segundo remate enquadrado à baliza dos azuis e brancos.

Se Alex Telles, Casillas e Danilo brilhavam no setor mais recuado, Éder Militão foi o autor da mancha na ficha de jogo quando ao minuto 37, junto à área portista, tenta sair a jogar, perde a bola para Alexey Miranchuk. Nova jogada de irmãos: Alexey deixa para Anton que fuzila de pé direito à entrada da área e reduz para os russos.

A primeira parte era a de um FC Porto pouco superior, mas mais eficaz, e de um Lokomotiv que só não ia para os balneários na frente do marcador por culpa própria.

No entanto, o golo perto do intervalo fazia prever que os russos queriam “pegar o touro pelos cornos” e conquistar os primeiro pontos nesta fase de grupos. Mas o início do segundo tempo não poderia ter sido mais antagónico. Brahimi, endiabrado pelo lado esquerdo, passa pelos adversários em velocidade, faz um passe exímio que encontra Corona do lado direito do terreno. O mexicano chuta em força e faz o golo.

O resultado parecia sentenciado e já ninguém dava pelos portugueses quando Éder, na recarga a um remate de fora de Manuel Fernandes fora de área, faz golo. O guião dos portugueses em Moscovo parecia que podia mudar, mas qualquer prognóstico não terá durado mais do que três segundos, que foi, mais ou menos, o tempo que o árbitro de linha lateral demorou a levantar a bandeirola e a assinalar o fora-de-jogo, erradamente.

Manuel Fernandes sairia aos 66 minutos, Éder mais tarde, aos 81. Danilo foi ficando. E esta frase parece ser o cenário futuro destas duas equipas na competição: a da casa, que não vai ficar até ao fim, e a outra, que parece que vai adiar a saída da Liga dos Campeões para mais tarde.

FC Lokomotiv Moscow vs FC Porto
EPA/YURI KOCHETKOV

Bitaites e postas de pescada

O que é que é isso, ó meu?

E eis que aos 64 minutos, do "nada", Felipe, de cabeça, faz um atraso deficiente para Casillas. Não fosse o espanhol a sair apressadamente da baliza e já lá estava um avançado do Lokomotiv para reduzir a desvantagem. Não tivemos acesso exclusivo às palavras de Iker para o central, mas atira para o ar que existe alguma probabilidade de ter sido a frase que dá título a esta rubrica.

Alex Telles, a vantagem de ter duas pernas

Sei que me dediquei à elevação de Danilo Pereira à condição de santo padroeiro das muralhas - atenção, não é o vinho barato que é opção segura no jantar de amigos, mas sim a metáfora futebolística para dizer “ali não passa nada” -, mas é aquele momento em que Alex Telles consegue dois cortes seguidos à beira da linha de golo, seguido de um último assalto aos pés de Éder, que o fazem merecer este elogio às suas ‘canetas’.

Fica na retina o cheiro de bom futebol

Nem todos os irmãos se dão bem, mas Anton e Alexey Miranchuk têm aquela química, aquela química que só se vê entre gémeos em filmes de terror manhosos. Foi entre eles que se fez a jogada de perigo que Alex Telles salvou e foi numa nova jogada dos dois que o Lokomotiv conseguiu aproveitar o erro de Militão e fazer golo.

Nem com dois pulmões chegava à bola

Não sei o nome do senhor árbitro lateral que auxiliou Bobby Madden esta noite, mas alguém que explique a esse senhor que não se anulam golos ao Éder, seja por que motivo for. E este até foi ‘limpinho’, como diria Jorge Jesus. Nem com dois pulmões, nem com duas bandeirolas, nem que tivesse duas cabeças. Não se tira um golo ao herói de uma nação. Ponto final.