Este segundo dia da Web Summit — a decorrer de 2 a 4 de dezembro num formato totalmente virtual — teve início com a atribuição do prémio de inovação no desporto a José Mourinho, treinador de futebol português atualmente a liderar os londrinos do Tottenham Hotspurs no topo da Premier League.

Feitas as honras num curto vídeo pelo primeiro-ministro, António Costa, a sessão colocou Mourinho à mercê das perguntas de Andrew Hill, editor do jornal britânico Financial Times.

Questionado a propósito da atribuição do galardão se é objetivo seu passar lições aos treinadores mais novos, José Mourinho refutou essa ideia. "Eu não tento passar lições, só quero apreciar a minha vida e isso inclui o privilégio de ter um trabalho que é também uma paixão, um hobby a tempo-inteiro até, mas que é o meu mundo. É o mundo onde nasci, ao qual pertenço", disse o técnico, adiantando que não se vê a parar tão cedo e comentando, em jeito de brincadeira, que o seu "cabelo branco não tem nada a ver com o stress do trabalho".

Este, no entanto, "é divertido mas é difícil", admitiu, colocando o foco no aspeto mais positivo do seu trabalho. "Se não te divertires, se não tiveres prazer, não te consegues transportar para um estado em que consigas fazer a diferença", disse Mourinho. Conhecido como sendo um técnico por vezes intenso, adepto dos chamados "mind games" e sem medo de dar conferências de imprensa duras, o português sublinha, porém, que é uma pessoa dentro de campo e outra fora, sendo que apenas a família, os amigos e os jogadores que trabalham é que o conhecem bem.

Sobre os métodos de liderança que tem quanto os seus jogadores, especialmente às estrelas das equipas que foi comandando ao longo dos anos, Mourinho considera que o jogador estrela não é necessariamente o mais talentoso, mas "aquele que acredita que a equipa é mais importante que tudo o resto”, pelo que o seu foco é justamente trabalhar com este tipo de atletas. No entanto, "quando aparece um jogador sem essa mentalidade, que se acha mais importante do que a equipa, que está acima das regras e que não precisa de fazer sacrifícios, então aí é mais difícil", admite, não dizendo nomes, mas trazendo à memória as suas disputas com Paul Pogba no Manchester United ou Iker Casillas no Real Madrid.

Foi com um grupo de jogadores dos que prefere trabalhar, aliás, que chegou ao que considerou "o topo do futebol mundial", com a conquista da Liga dos Campões com o FC Porto em 2003-04. "Quando comecei a minha carreira, o que queria era que os meus clubes e o meu país que chegassem onde chegámos", diz, ao ter conquistado a Champions "com uma equipa portuguesa repleta de jogadores portugueses e a fazer algo tão difícil que nenhuma equipa portuguesa o fez desde então. Esse foi click na minha carreira, fazê-lo no meu país e de forma tão histórica".

A partir dessa altura, sublinha, foi "altura de ser português, que definiu como sendo "aventureiro, arriscar, não ter medo de ir contra as probabilidades". No seu caso, foi para "tentar treinar em todos os grandes países do futebol: Inglaterra, Espanha e Itália".

"Não gosto de zonas de conforto. Eu saí de Portugal para ir para a liga mais difícil do mundo, não escolhi uma liga de transição, foi logo para a Premier League. Depois disso, o mundo estava a falar do quão difícil a mentalidade italiana era para treinadores com outros métodos [Mourinho foi para o Inter de Milão ]. Depois foi a altura em que o Barcelona estava a dominar a Espanha e o mundo, não havia maior desafio", afirma.

Esta postura, diz, faz parte da sua mentalidade, em que a vitória de que mais se orgulha é sempre a última que teve. "O que está feito, está feito. O futebol é hoje. Tenho todas minhas medalhas, todas as réplicas das taças, as memórias, escondidas e guardadas, e foco-me no agora", diz. De braços dados com esta ideia está na comparação que faz entre "ter sucesso e ter uma carreira de sucesso". "O primeiro tem a ver com o momento, pode resultar do talento mas pode também pode ter a ver com estar no sítio certo à hora certa. Outra coisa é  ter uma carreira de sucesso, que é fazê-lo ano após ano. Eu sempre quis esse tipo de carreira", afirma.

Algo que o ajudou a chegar a esse patamar, diz, tem a ver com uma frase que o próprio considerou como sendo pouco consensual. "Sei que há quem não me veja assim, mas eu considero-me uma pessoa muito humilde, no sentido que estou sempre a tentar aprender e a ser melhor", argumentou Mourinho, adiantando que "este é o tipo de trabalho em que a experiência apenas nos pode tornar melhores". "Eu acredito que hoje sou muito melhor do que era há 10 ou 20 anos", atirou, dizendo que "não ficaria surpreendido se tivesse mais 10 ou 15 anos" à sua frente.

Olhando para o passado, porém, o técnico português acredita que o seu percurso pode ter servido de inspiração aos muitos aspirantes que, não tendo sido jogadores de futebol, pretendem seguir o mesmo rumo que seu.

"Honestamente, acho que o legado que deixo para trás é que hoje qualquer pessoa que ame futebol mas não é talentoso o suficiente para ser um jogador, qualquer estudante que queira ir para ciências do desporto ou metodologia do futebol à procura de conhecimento, pode singrar e ser tão boa ou melhor do que outras", afirma Mourinho.

A nota foi feita a propósito de uma comparação panorama futebolístico de há três décadas até aos dias de hoje. "Hoje as pessoas acreditam em formas diferentes de ser tornarem um treinador de futebol, há formas distintas de lá chegar. Há 20, 30 anos, a barreira era o facto das pessoas estarem apenas focadas apenas em ex-jogadores e a ignorar quem seguiu uma carreira académica e a misturou com algumas experiências futebolísticas, ainda que não ao mais alto nível como jogador. Essa foi a maior barreira, quebrar essa parede", diz.

"Sei que fiz muitas pessoas mais novas sonhar. Na minha geração, toda a gente sonhava ser jogador e ninguém sonhava em ser treinador. Hoje, em sei que há muitos miúdos que querem ser treinadores. Se puder ajudá-los a sonhar, isso pode ser mais importante do que mais uma taça ou medalha", rematou.

Quanto ao troféu em si, o prémio de inovação, conquistado no ano passado pelo ex-avançado Ronaldo Nazário, campeão mundial pelo Brasil em 2002, reconhece “pessoas e organizações que incorporaram com sucesso a tecnologia na busca pela excelência”.

“Portugal é a casa de um dos treinadores com mais sucesso no futebol. Este ano premiamos José Mourinho, o menino de Setúbal e amante do futebol, que se tornou um dos treinadores mais inovadores e talentosos da história do belo jogo”, enalteceu António Costa, lembrando os 25 títulos conquistados pelo ‘Special One’ em 20 anos de carreira.

Entre passagens por Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha, o técnico, de 57 anos, venceu duas edições da Liga dos Campeões, guiando ao sucesso o FC Porto (2003/04), numa das “conquistas mais notáveis desta era”, e os italianos do Inter de Milão (2009/10).

“O maior presente não são os troféus, mas a crença e inspiração dadas a uma geração de jovens, mostrando que é possível conseguir tudo com trabalho, dedicação e fé nas suas próprias capacidades”, concluiu António Costa.

*com Lusa