A fazer jus à notícia avançada pela Bloomberg, a L Catterton - um fundo controlado pela LVMH de Bernard Arnault, a família por detrás da Dior e Louis Vuitton -, proprietária da Birkenstock, está a trabalhar com a Goldman Sachs e o JPMorgan Chase para que em setembro seja feita uma oferta pública inicial (OPA) da marca de calçado alemã, que, segundos fontes da agência, pode ficar avaliada entre os 8 mil milhões de dólares.
A confirmar-se a OPA, a Birkenstock prepara-se então para acrescentar mais um marco nos seus quase 250 anos de história. Aquilo que começou com uma empresa familiar que fabricava palmilhas, dois séculos mais tarde, dita a tendência do calçado ortopédico e é uma marca com uma vasta gama de produtos.
- A Birkenstock está presente em Portugal e tem uma fábrica desde 2022 onde produz modelos de calçado fechado e os produtos da sua submarca Papillio.
Esta notícia surge também depois de nas últimas semanas a marca estar a registar um aumento acentuado de vendas, que dispararam à boleia do sucesso do filme "Barbie", em que a protagonista Margot Robbie aparece com umas Birkenstocks cor-de-rosa nos pés (mais concretamente o modelo Arizona Big Buckle, à venda online por 130€).
Mas como é que a sandália com cortiça portuguesa passou de motivo de chacota entre os estrangeiros que nos visitam durante o verão a item de moda altamente cobiçado (e que em 2022 registou um aumento de 29% de receitas para cerca de 1,2 mil milhões de euros)?
- A empresa tem vindo a investir forte na construção das suas unidades de produção na Alemanha, incluindo uma nova fábrica de 120 milhões de euros em Pasewalk, uma cidade a norte de Berlim.
A ascensão
A história da Birkenstock remonta a 1774 e a Johann Birkenstock, um sapateiro de Langen-Bergheim, na Alemanha. No entanto, o nome que trilhou o caminho de partida para o império do calçado ortopédico foi o descendente Konrad Birkenstock, que cria e comercializa aquilo que iriam ser as primeiras palmilhas, em 1896. Em 1932, o filho de Konrad, Carl, com o apoio de médicos e podólogos, criou cursos de formação para sapateiros e vendedores de sapatos sobre o "Sistema Birkenstock": depois de receberem formação sobre o sistema, os proprietários de lojas podiam utilizá-lo nas suas lojas e vender as palmilhas.
Para chegarmos às primeiras sandálias, é preciso voltar a fazer um exercício de avanço no tempo, até 1963, quando o filho de Carl, Karl Birkenstock, fiel aos princípios da empresa, que só produz calçado a partir de materiais naturais, apresentou a Madrid, uma sandália com uma palmilha flexível feita de cortiça. Do ponto de vista da moda, o lançamento foi um fracasso, pois havia preferência pelo estilo do sapato italiano. Do ponto de vista comercial, como Karl Birkenstock tinha ligações a médicos, foi inundado de encomendas de profissionais de saúde.
Ainda nessa década, a Birkenstock iria chegar aos EUA, em 1966, pela mão da germano-americana Margot Fraser, que as descobriu durante um período na Alemanha e as levou para as farmácias e outras superfícies voltadas para a saúde e bem-estar porque as sapatarias da Califórnia não queriam "as sandálias feias". Mas ao contrário do que aconteceu na feira de calçado em Düsseldorf a Carl em 63, as sandálias encheram as medidas e receberam o carinho dos hippies e dos adeptos do Verão do Amor.
Nos anos 70, a Birkenstock lançaria por fim o seu ex-libris e o modelo das suas sandálias mais icónicas, o modelo Arizona — e como se costuma dizer, o "resto é história". Nas quatro décadas seguintes, foram concebidas centenas de variações e vendidos milhões de pares, tornando este modelo no best-seller da empresa. Já apareceu nas páginas de revistas de moda de renome, bem como nos pés de uma grande variedade de celebridades internacionais e intergeracionais, entre os quais Steve Jobs, que foi um dos primeiros a adotar as sandálias (recentemente alguém pagou 200 mil dólares num leilão por um par que Jobs utilizou na garagem onde fundou a Apple).
A guerra das sandálias
Em 2002, os três irmãos da sexta geração da família - Christian, Alex e Stephan - assumiram o controlo da empresa ao pai (Karl). E conta a Forbes, as coisas não correram bem. Depois de várias décadas sob o comando de uma única figura obstinada, cada irmão tinha visões diferentes para a empresa e esforçava-se por gerir dezenas de filiais concorrentes que o pai tinha criado para maximizar a eficiência na execução de determinadas funções, como o fabrico e a distribuição.
Para apimentar o drama familiar, quando se fala no passado recente da Birkenstock, é quase obrigatório falar no enredo de "A Guerra das Sandálias". Susanne Birkenstock esteve casada 16 anos com o herdeiro (Christian) e teve dois filhos. Mas quando se divorciou, lançou a sua própria gama de calçado rival (a Beautystep) — ainda com o nome de casada. Naturalmente, seguiu-se uma amarga disputa em tribunal, que determinou que Susanne podia vender os seus sapatos desde que não exibisse de forma proeminente o famoso apelido da família.
Em 2012, os irmãos decidiram afastar-se e pela primeira vez na história da empresa, a gestão deixou de pertencer à família Birkenstock. Stephan vendeu a sua participação aos irmãos Christian e Alex, que por sua vez contrataram Markus Bensberg e Oliver Reichert para gerir o recém-criado Birkenstock Group. Mas após um ano, o co-CEO Markus Bensberg afastou-se do dia-a-dia das operações, deixando Oliver Reichert à frente da empresa como o único CEO. Esta nova forma de trabalhar registou um crescimento sem precedentes nas vendas e uma relevância crescente - a Birkenstock tornou-se uma marca de alta costura, lançando colaborações com nomes de luxo como Dior, Manolo Blahnik e Valentino, e gera variantes de marcas como Celine e Givenchy.
Até que em 2019 a L Catterton comprou a Birkenstock num negócio que avaliou a empresa em 4,9 mil milhões de dólares e em 2021 os dois irmãos decidiram vender parte da sua posição da empresa ao fundo.
Agora, o próximo passo a dar pelas sandálias (que são "feias por uma razão") parece ser em direção à bolsa norte-americana.
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