Em audição parlamentar da segunda comissão de inquérito sobre a Caixa, António Domingues foi questionado pelos deputados socialistas João Paulo Correia e Eurico Brilhante Dias se, em algum momento, foi abordada com o Governo a necessidade de alterar a lei 4/83 (de Controlo Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos), além do Estatuto do Gestor Público, para assegurar a dispensa de entrega das declarações de património e rendimentos ao Tribunal Constitucional (TC).
"Não tenho memória se esse assunto foi alguma vez discutido, mas para mim esse assunto é um bocadinho esotérico, não sou jurista, fiz confiança em que o Governo legislava de forma competente e de acordo com os objetivos previstos", respondeu António Domingues.
O ex-presidente da Caixa frisou ter enviado, a 14 de abril do ano passado, por escrito ao Ministério das Finanças uma carta com as condições para a sua aceitação do cargo e onde constaria, num anexo, expressamente a referência à isenção das obrigações declarativas no TC.
"O ministro das Finanças nunca me mandou uma carta a responder (…). O facto de o Governo nunca me ter dito nada, nunca me ter dito que discordava, levou-me, na melhor tradição negocial, a assumir que as partes estavam globalmente de acordo", afirmou.
A posteriori, disse, depois da polémica ter surgido no final de outubro, os advogados que o assessoravam referiram-lhe que poderia ter havido "um vício" na elaboração do decreto-lei que isentou os administradores da Caixa do Estatuto do Gestor Público, mas António Domingues referiu-se a essas questões como "minudências".
"A responsabilidade última de legislar é do Estado português, era o que faltava assacar aos advogados essa responsabilidade", afirmou ainda.
Sobre a sua audiência com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a 09 de novembro, António Domingues esclareceu que foi ele a pedir o encontro, no qual explicou ao chefe de Estado os problemas que estava a enfrentar na sua equipa pela obrigatoriedade de entregar as declarações no TC, admitindo que poderia não ter condições para se manter no cargo, do qual se viria a demitir pouco depois.
"Eu pessoalmente não tinha nada para esconder, mas não tenho que divulgar a minha vida privada (…). A manter-se esse regime, não teria conseguido atrair as pessoas que atraí - das 15 pessoas que assumiram funções, nove demitiram-se, é uma demonstração de que esse era um problema", sublinhou.
António Domingues foi hoje ouvido ao longo de quatro horas na segunda comissão parlamentar de inquérito que visa esclarecer a atuação do atual Governo sobre a nomeação e demissão da anterior administração da Caixa, liderada por si.
Esta foi a primeira audição da segunda comissão de inquérito à Caixa, pedida potestativamente (de forma obrigatória) por PSD e CDS-PP, que tem como um dos pontos centrais apurar se "é verdade ou não que o ministro [das Finanças] negociou a dispensa da apresentação da declaração de rendimentos [de António Domingues]", o que tem sido negado por Mário Centeno.
Durante a audição, o ex-presidente da Caixa disse que, de acordo com o seu juízo e o seu entendimento, a dispensa de declarações ao TC foi acordada com o ministro das Finanças, Mário Centeno, ainda antes de aceitar o cargo e que, a certa altura, o Governo terá "deixado de ter condições políticas para manter o acordado", o que resultou na sua demissão.
António Domingues assegurou ainda que não partilhou as suas mensagens telefónicas (SMS) com ninguém, dizendo não serem verdadeiras algumas considerações que foram feitas na praça pública sobre este tema.
Em novembro, no programa "Quadratura do Círculo" - na SIC Notícias -, o comentador António Lobo Xavier declarou haver um compromisso por escrito entre o Governo e António Domingues em torno da não apresentação das declarações.
Posteriormente, alguns órgãos de comunicação social deram conta de que esse acordo teria sido estabelecido por SMS e até que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, teria conhecido o conteúdo dessas mensagens.
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