“Eu não perco a esperança. Não podemos baixar os braços”, afirma Joana Luís, de 33 anos, da loja de artigos religiosos “Esperança”, recordando o ano que classifica como péssimo devido à pandemia de covid-19, que obrigou ao fecho do espaço vários meses.

E quando a pandemia parecia dar tréguas e a reabertura dos espaços comerciais sucedia-se, o milagre da multiplicação de peregrinos não foi alcançado.

“Estar com a loja aberta não compensava. Não havia peregrinos”, diz a jovem, que encontrou nas vendas na internet o “balão de oxigénio”.

“Já tínhamos o ‘site’, mas não tínhamos tempo para nos dedicarmos”, conta a lojista, explicando que registou “um volume muito grande de vendas” ‘online’, sendo de destacar o mercado dos Estados Unidos.

Notando que, para já, “Fátima só abriu para os peregrinos portugueses”, Joana Luís realça que “quem gasta mais são os estrangeiros”, desejando, também por isso, que se regresse “à normalidade das viagens aéreas”.

“Continuo com esperança, os comerciantes dão garantia de segurança”, assegura a lojista.

Esperança em dias melhores foi, também, o que ajudou Sandra Graça, de 44 anos, a não desistir, quando o café “Palato”, que abriu em 25 de fevereiro de 2020, fechou duas semanas e meia depois.

“Não deu para ver o que isto podia dar. Muitas vezes pensámos em desistir. É um investimento que precisa de retorno e, para isso, precisamos de clientes”, refere, observando que, “como não havia histórico da atividade, os apoios são muito limitados”.

Já este ano, o café tornou a fechar em janeiro, para reabrir em abril, primeiro com condicionamentos, mas para Sandra Graça “as expectativas agora são de muita esperança” e confiança, tanto mais que “os clientes cumprem as normas de segurança”.

Já na loja “Virgínia”, de artigos religiosos, regionais e decorativos, a funcionária Fernanda Silva, de 55 anos, compara o estado atual da cidade-santuário com os invernos de há muitos anos, em que “era um deserto”.

“Durante a semana está muito calmo. A azáfama já não é o que era. Mudou totalmente tudo”, comenta, exemplificando com as compras, parte feitas via internet, e com o resto: “Não podemos contar com o negócio, com o emprego… Hoje, nada é certo”.

Porém, Fernanda Silva não tem dúvidas de que “quem é católico acaba por vir agradecer”, sobretudo a saúde.

O primeiro fim de semana de maio, quando começou a última fase do plano de desconfinamento, animou comerciantes, mas o limite de 7.500 pessoas para as celebrações de 12 e 13 de maio, quarta e quinta-feira, no santuário do concelho de Ourém, distrito de Santarém, desiludiu quem esperava números diferentes.

“Noutros eventos, a proporção de pessoas face ao espaço não é igual”, lamenta Luís Lopes, comerciante de 47 anos, certo de que “este ano não vai dar para recuperar o prejuízo”.

Sem comentar o número máximo de pessoas em simultâneo no santuário para a peregrinação, por desconhecer os critérios, a presidente da Associação Empresarial Ourém-Fátima (ACISO), Purificação Reis, frisa que “certo é que santuário, empresários e peregrinos estão empenhados na realização de uma peregrinação tranquila, com absoluta confiança e segurança”.

Em Fátima, há lojas e outros estabelecimentos que ainda não reabriram, o mesmo sucedendo com unidades hoteleiras.

“Há vários hotéis que estão fechados e não vão abrir porque a procura não viabiliza a operação de forma contínua e é difícil abrir para uma única data”, sustenta o vice-presidente da Associação da Hotelaria de Portugal Alexandre Marto.

O empresário de Fátima adianta que a “afluência está a aumentar, principalmente aos fins de semana, nota-se maior confiança por parte dos peregrinos e começa a ver-se algum crescimento das taxas de ocupação”.

“Os visitantes estão a tornar-se mais sábios e preferem visitar Fátima em dias de menor afluência. Por outro lado, a cidade continua essencialmente vazia, porque ainda falta a procura internacional que só se concretizará com a normalização do tráfego aéreo”, acrescenta.

Purificação Reis refere que o processo de reabertura se faz “gradualmente em função do aumento da procura”, mas, como a oferta “tem uma dimensão ainda muito superior à procura, mantém-se situações de encerramento de alguns estabelecimentos ou de aberturas pontuais”.

“A hotelaria, a restauração e o comércio de Fátima viviam, maioritariamente, dos mais de seis milhões de pessoas que visitavam anualmente” o santuário, mas a ausência desse fluxo debilitou o tecido económico, pelo que é fundamental a retoma do turismo, nacional e internacional, defende a presidente da ACISO.

Industriais de artigos religiosos anseiam pela normalidade no turismo

A indústria dos artigos religiosos registou quebras de faturação no último ano, marcado pela pandemia de covid-19, com os empresários da região de Fátima a ansiarem pelo regresso à normalidade do turismo.

“As nossas expectativas agora são as de que a atividade turística seja retomada, para as pessoas poderem viajar e levar lembranças, fazendo compras dos nossos artigos”, afirmou à agência Lusa Telma Henriques, sócia-gerente da FarPortugal, empresa instalada há 50 anos no lugar de Sobral, concelho de Ourém.

A empresa começou 2020 com 29 funcionários, os mesmos de hoje, mas Telma Henriques reconheceu “muita dificuldade” na manutenção dos postos de trabalho.

“Era fundamental mantermos os postos de trabalho, porque a pandemia iria passar, mas pensámos que seria mais depressa, e, sendo um trabalho muito diferenciado – pintura de imagens à mão e terços feitos à mão -, não podíamos abrir mão das pessoas, pois dificilmente conseguiremos outras para as substituir”, explicou a empresária.

Segundo Telma Henriques, a empresa “esteve em ‘layoff’ e tentou, ao máximo, aceder aos apoios do Estado, apesar de não ter conseguido muitos”.

Fechada no máximo dois meses, a FarPortugal, que já vai na terceira geração, não tem registo de um maio, mês em que começam as grandes peregrinações ao Santuário de Fátima, como o do ano passado.

“Desde o tempo do meu avô, que começou a indústria dos terços no Sobral, nunca tivemos um maio como o de 2020, que costuma ser uma loucura. Não tivemos uma única encomenda e estivemos fechados”, adiantou a sócia-gerente.

O balanço do ano passado comparativamente a 2019 é de uma “quebra de 25% na faturação”, referiu.

“Tivemos anulação de encomendas, mas fizemos tudo para que os clientes as mantivessem, mesmo alterando as condições de pagamento habituais em favor do cliente”, disse a sócia-gerente da FarPortugal, empresa que, em média, destina 70% da produção ao estrangeiro, destacando-se os Estados Unidos da América e a Europa.

Entre os clientes da empresa estão vários santuários que deixaram de receber visitantes por causa da pandemia, além de que romarias e outras festas religiosas também não se realizaram, salientou Telma Henriques.

“Durante o ano de 2020, o esforço de cada um de nós foi o dobro, tivemos de refazer catálogos, pensar em coisas novas para recriar. Não estivemos parados, mas tentámos encontrar formas mais produtivas de fazer este trabalho manual”, declarou, destacando, “da parte dos funcionários, a solidariedade para manter a empresa”.

Na empresa de artigos religiosos Farup, sediada em Fátima, o desejo é, também, a retoma do turismo.

“Temos expectativa de que os mercados voltem a abrir e que os turistas, falamos de turismo religioso, regressem”, expressam os sócios-gerentes, Alexandre Ferreira e Francisco Pereira.

Com 17 funcionários, igual número no ano passado, a empresa registou “momentos de paragem” da produção, como por exemplo o último janeiro”.

A empresa, uma das mais antigas de Fátima, criada em 1962, teve uma diminuição de 70% da faturação no ano passado face a 2019, tendo recorrido aos apoios estatais.

“O apoio é sempre positivo, ajudou bastante. O Estado não falhou nesta hora”, reconheceram os sócios-gerentes, admitindo que “neste último ano o mercado externo funcionou melhor”.

EUA, Alemanha, França, Itália e Timor-Leste são os principais mercados no estrangeiro da Farup, acrescentaram os responsáveis, esclarecendo que, num ano normal, sem pandemia, 70% da produção é para o mercado nacional.

À pergunta como a empresa resistiu, Alexandre Ferreira e Francisco Pereira responderam que foi “com muito empenho, muita procura de novos mercados, aproveitar qualquer pequena venda e aposta na internet”.

A Farup foi, entretanto, escolhida para produzir o terço da Jornada Mundial da Juventude, que se realiza em 2023, em Lisboa, tendo já produzido cerca de 15 mil unidades.

“Foi uma lufada de ar fresco”, destacaram.

Já a empresa José de Almeida Pereira, em Fátima, conseguiu manter os funcionários, cerca de 30, mas os níveis de faturação tiveram uma quebra de “mais de 75%”, referiu Deolinda Pereira, notando que “com as lojas fechadas pararam praticamente as vendas”.

Já na Seleções de Fátima, empresa grossista de arte sacra, o seu responsável, Jaime Alexandre, reconheceu que no decurso da pandemia praticamente não houve faturação.

“Tivemos quebra de faturação ao nível de 85%. Dispensámos três pessoas, hoje temos quatro. Foi a forma de a empresa também sobreviver”, salientou, considerando justo o apoio do Estado para fazer face às consequências económicas da pandemia, caso contrário, a opção seria o fecho da empresa.

Expectante que “a retoma venha”, Jaime Alexandre antecipa que “não vai ser muito rápida”.

“Noventa por cento do nosso artigo é distribuído em Fátima e não há turismo”, declarou, convicto, contudo, de que, apesar de uma eventual demora, vai ser possível atingir valores de há alguns anos.

“Aquilo que pretendo é que daqui a algum tempo consigamos atingir os níveis de faturação pré-pandemia. Não será este ano, nem para 2022, mas acredito que vamos lá chegar”, afirmou.

*Por Sílvia Reis, da agência Lusa