"A ministra das Finanças a mim não me mentiu"
O antigo presidente do BES Vítor Bento assegurou hoje que a ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, com quem só falou uma vez, não lhe mentiu e deixou claro a inexistência de vontade política para um apoio público ao banco.
Na audição na comissão eventual de inquérito parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Vítor Bento garantiu aos deputados que, no período da resolução do BES, só falou com a ex-ministra das Finanças no dia 30 de julho de 2014 e, portanto, não sabe qual era visão de Maria Luís Albuquerque no início do processo porque não manteve contacto com a antiga governante.
“Se calhar devia ter falado, não sei. Eu sou institucionalista e, portanto, como os meus contactos foram com o Banco de Portugal, eu parti do princípio que o que havia a acertar com o Governo, o Banco de Portugal (BdP) acertaria com o Governo”, justificou.
O também antigo presidente do Novo Banco reiterou uma ideia que já tinha defendido logo na primeira ronda da audição, recordando que o BdP “deu reiteradas garantias públicas que estava disponível a linha de capitalização pública”, não lhe passando “pela cabeça” que “não tivesse havido um acerto de posições prévia”.
“A senhora ministra comigo foi clara: não havia vontade política para dar esse apoio público e, portanto, que essa não seria a sua solução preferida. A senhora ministra das Finanças a mim não me mentiu”, assegurou.
Vítor Bento insistiu que só falou com Maria Luís Albuquerque uma vez neste período.
“Devia ter falado mais cedo? Talvez, mas eu tenho que tomar as decisões com base nas circunstâncias e eu nas circunstâncias achava que tinha informação suficiente e que a informação estava alinhada”, apontou.
O antigo presidente do BES e do Novo Banco afirmou que terá “mais dificuldade em compreender que o BdP tivesse a iludir o mercado e os vários ‘stakeholder’ se ele próprio não tivesse a garantia”.
“Porque ele estava a dar a garantia relativamente a um ativo que não era da sua responsabilidade. Quem decide sobre a capitalização pública é o Governo”, lembrou.
Solução para o BES "foi filha de um fantasma e de uma ilusão"
Vítor Bento disse hoje no parlamento que a solução encontrada para a resolução do BES foi filha do "fantasma" do BPN e de "uma ilusão" sobre o seu valor.
"A solução adotada foi filha de um fantasma e de uma ilusão: o fantasma foi o BPN, e obviamente que era um susto ficar-se com um BPN nas mãos naquelas condições; a ilusão era sobre o valor do banco", disse.
Respondendo ao deputado do PSD Hugo Carneiro, Vítor Bento disse estar convencido que "quem teve de tomar as decisões que tomou tinha uma ideia sobre o valor do banco que depois não se veio a confirmar", e que "seria facilmente concretizável numa venda muito rápida".
Sobre o processo de resolução do BES, o economista que transitou para o Novo Banco já tinha referido ao deputado João Cotrim Figueiredo (IL) que um dos erros no processo foi a confusão entre a autoridade de supervisão e de resolução.
Respondendo à questão de "quem era o cocheiro" do processo pela parte do Banco de Portugal, Vítor Bento disse que "do ponto de vista formal era o presidente do Fundo de Resolução, que era o acionista, mas quem tinha a incumbência, o chapéu maior, era a governação do Banco de Portugal, por direito".
"Um dos erros que eu acho que foi cometido neste processo, e que eu acho que seria desejável evitar para futuro, foi a confusão entre a função de supervisor e a função de agente de resolução", disse Bento, considerando-a como "uma das coisas terríveis" do processo.
"A nossa relação com o Banco de Portugal ficou sempre inquinada por esta confusão. O próprio Banco de Portugal não distinguia", prosseguiu, ressalvando que não estava a fazer uma acusação sobre o tema.
Já sobre a sua saída do Novo Banco, Vítor Bento afirmou que foi um processo longo de expectativas goradas, primeiro no BES e depois no Novo Banco, tendo utilizado uma metáfora para explicar o tema.
Vítor Bento contou a "história do almocreve que estava a sua carregar a mula para ir para o interior do país com a sua carga, a carregá-la de sardinhas, vai pondo sardinhas e às tantas põe uma sardinha e o burro cai".
"O almocreve diz: 'raio do burro não aguenta com uma sardinha'. Obviamente não foi a sardinha que derrubou o burro, eram as que já lá estavam", prosseguiu.
Assim, no BES as 'sardinhas' foram "a acumulação de factos", não havendo "um facto concreto que determinasse a saída".
"Mais cedo ou mais tarde iríamos ter de sair. Tínhamos tido demasiadas expectativas frustradas ao longo do tempo", no BES com "garantias que não se concretizaram", com a não resolução do "problema de Angola" e da ausência da capitalização pública.
"Aceitámos ficar na resolução. Começámos por recusar", explicou o economista, dado que os advogados "chamaram à atenção do que é que a resolução implicava" em termos de separação de balanço e necessidade de vendas rápidas, algo que "não fazia parte" do projeto de Vítor Bento.
No entanto, a equipa também entendeu que não podia "abandonar o banco enquanto ele não estivesse minimamente estabilizado, porque isso além de ser irresponsável, iria agravar a própria situação de instabilidade do banco".
"Acabámos por sair quando o banco já estava razoavelmente estabilizado", mas não "totalmente", disse Vítor Bento aos deputados.
Vítor Bento disse também que "a própria relação de confiança entre as partes ia ficando muito desgastada", sendo "preferível entrar uma equipa que estivesse liberta do lastro" da anterior.
“Houve uma altura em que praticamente já toda a gente sabia mais do que eu”
O antigo presidente do Novo Banco Vítor Bento assumiu hoje que, a certa altura, “praticamente já toda a gente sabia mais” do que ele sobre o futuro do banco, tendo sido surpreendido com os pormenores da eventual venda. O deputado do PS Miguel Matos referiu que, numa Assembleia-Geral do Novo Banco, em 08 de setembro de 2014, o Banco de Portugal se recusou a comentar as declarações de Marques Mendes “sobre a venda acelerada do Novo Banco”, questionando Vítor Bento se este acontecimento esteve na base da decisão da sua saída da presidência do banco, pouco mais de um mês de ter assumido a pasta.
“Não tendo presente os passos intermédios, na carta de resposta do senhor governador [Carlos Costa] à minha carta de 20 de agosto, o senhor governador diz que o processo de venda tem que ser iniciado com brevidade e, entretanto, começa a haver notícias por todo o lado sobre isso. Houve uma altura em que praticamente já toda a gente sabia mais do que eu sobre aquilo que se iria passar”, assumiu.
Segundo o antigo presidente do Novo Banco, em 06 de setembro, Marques Mendes “dá os pormenores da venda toda, como é que ela ia ser processada”, o que deixou a administração surpreendida.
“Nós não tínhamos conhecimento de nada daquilo, pelo menos naqueles termos e obviamente nos deixou bastante surpreendidos”, referiu.
Vítor Bento socorreu-se de uma imagem: “Quando se está à frente de uma embarcação não pode haver dois capitães”.
Perante a insistência do deputado do PS sobre quem lhe tinha confirmado que aquilo que o comentador Marques Mendes tinha dito era verdade, o antigo presidente do Novo Banco foi perentório: “Ninguém me confirmou”.
“Por um mero acaso, na segunda-feira seguinte houve uma assembleia-geral do Novo Banco para aprovar a revisão dos estatutos. No final, eu perguntei ao acionista se o que o doutor Marques Mendes tinha dito no sábado anterior se era verdade porque o Conselho de Administração não conhecia aquela informação”, relatou.
Vítor Bento disse aos deputados que a resposta que obteve foi que o “representante do acionista não comentava comentadores”, algo que considerou então razoável como uma “resposta imediata, para quem é apanhado à queima-roupa”.
“O que esperaria é que eu tivesse posteriormente a resposta, que alguém me tivesse dado essa resposta”, referiu, coisa que não aconteceu.
Não tendo presente qualquer contacto do supervisor sobre o tema, o antigo presidente do banco lembrou que isto aconteceu no dia 08 e a decisão interna da administração apresentar a demissão teve lugar no dia 09 ou 10.
É óbvio que "políticos" tenham repensado garantia dada ao BESA
Vítor Bento considerou hoje "óbvio" que os "decisores políticos" que deram a garantia ao BES Angola (BESA) tenham recuado perante as "complicações" apresentadas na altura da resolução do BES, em 2014.
"Aquela garantia é um ato político. É um documento político que resulta de uma decisão política. É óbvio que havendo, chamemos-lhes, complicações políticas supervenientes, que os decisores políticos, sobre ela, tenham repensado o seu problema", disse Vítor Bento na comissão de inquérito às perdas do Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.
"Ainda por cima tendo todos os instrumentos para lidar com ela na sua própria jurisdição, [é óbvio] que tenham lidado com ela da forma como lidaram", reforçou Vítor Bento acerca da reversão da validade da garantia.
O antigo responsável do Novo Banco referia-se à garantia prestada por Angola, suportada por uma deliberação do Presidente da República angolano de então, José Eduardo dos Santos, sobre a dívida do BESA.
A exposição do BES ao BESA entre 2008 e 2014 passou de 1.700 para 3.300 milhões de euros, sendo correspondente a 47% dos fundos próprios do BES à data da resolução.
Vítor Bento disse também ao deputado Alberto Fonseca (PSD) deconhecer os elementos da garantia, como os devedores do BESA ou de diligências no sentido de executar a garantia.
"A interpretação prevalecente era de que valia. Muita gente que a tinha analisado profundamente, detalhadamente... portanto para mim valia. Era um conjunto de documentos que para ser lida, estudada e discutida com outros, levaria o tempo que eu precisava para atender a muitos outros incidentes que iam surgindo todos os dias na vida do banco", referiu.
Vítor Bento relembrou que "a garantia não foi posta em causa até ao dia da resolução, no dia da resolução foram feitos provisionamentos e daí para a frente aconteceu o que aconteceu", com a sua revogação, dizendo ainda não saber o que aconteceu ao dinheiro envolvido.
No dia 10 de março, o PSD já tinha anunciado um requerimento a solicitar uma "cópia da garantia soberana prestada pela República de Angola a favor do Banco Espírito Santo e de todos os anexos que a integram".
O grupo parlamentar do PSD também pediu que esses documentos sejam solicitados ao BES em liquidação, ao Novo Banco e ao Banco de Portugal.
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