“Existem vários (mas poucos) estudos que mostram que a confiança dos eleitores aumenta em vésperas de eleições e depois "reverte", ou seja, volta a descer para o seu nível normal”, afirmou Susana Peralta, professora da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), em declarações à Lusa.
A análise da evolução da confiança dos consumidores ao longo dos últimos 20 anos mostra que o indicador melhorou nos meses imediatamente anteriores às eleições legislativas e no próprio mês das eleições.
André Freire, professor do ISCTE - IUL (Instituto Universitário de Lisboa), frisou que, “no fundo, é a crença de que as eleições são um momento fundamental do funcionamento do sistema político e da sociedade, de auscultação dos eleitores e tomada de decisões coletivas, de resolução de impasses”, acrescentando que existe “uma esperança, uma expectativa positiva”, associada à “abertura de novas possibilidades de governação, de novas soluções para o país e para a economia”.
O professor catedrático em Ciência Política disse ainda que as eleições são “períodos em que a sociedade e o sistema político ganham um certo refrescamento por via das escolhas que os eleitores fazem e daí resulta, expectavelmente, alguma renovação da sociedade e do sistema político, com novos protagonistas ou com os existentes, mas eventualmente com novas ideias”.
A exceção a esta tendência foram as eleições de junho de 2011, após a chegada da ‘troika’ a Portugal, quando a confiança dos consumidores piorou nos dois meses antes das eleições e no próprio mês do sufrágio.
“Períodos de crise como o que tivemos nessa altura são, por definição, excecionais e por isso mesmo é mais fácil que saiam fora das regularidades que normalmente detetamos nos dados”, explicou Susana Peralta.
No mesmo sentido, André Freire comentou que “o país tinha a soberania condicionada devido à interferência externa” e, naquele contexto, “as possibilidades de renovamento, de desbloqueamento, de geração de novas soluções estavam muito mais limitadas, por um lado”.
Por outro lado, acrescentou o também investigador sénior do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL), naquela “conjuntura altamente problemática”, com descidas dos ‘ratings’ de Portugal pelas agências de notação financeira, subidas dos juros da dívida soberana no mercado e o pacote de medidas de austeridade, “a esperança que as eleições geram sempre estava também limitada”.
No mesmo sentido, Susana Peralta frisou que “estes estudos revelam tendências gerais, mas podem sempre haver exceções”.
“Porque os determinantes da confiança dos consumidores são múltiplos, o que gera dinâmicas que nem sempre conseguimos explicar cabalmente”, afirmou a especialista em economia pública, indagando ainda “se a confiança dos consumidores não teria ido ainda mais abaixo na ausência de eleições”.
“Ela estava a descer por outras razões, de cariz económico, e provavelmente teria baixado ainda mais se não houvesse eleições. Mas isso, nunca saberemos”, concluiu.
Neste sentido, André Freire sublinhou que é preciso interpretar os dados à luz da conjuntura económica em cada período, frisando que “há conjunturas tão problemáticas em que a soberania popular, ou seja, a capacidade de gerar alternativas, é tão limitada – como no caso da altura da intervenção externa – que excecionalmente nem se produz um aumento da confiança, do entusiasmo”.
Questionados sobre se a melhoria da confiança dos consumidores nas vésperas das eleições terá a ver com o contexto que se vive em períodos de campanha, com as promessas eleitorais e com os programas dos partidos, os dois especialistas afirmaram que terá a ver com as expectativas dos eleitores, que são também consumidores.
“Poderá estar ligado ao facto de se esperarem mudanças de política com as eleições, o que tem a ver, obviamente, com a campanha eleitoral e com as respetivas promessas. Também está ligado a quem se espera que ganha”, indicou Susana Peralta.
A professora da Nova SBE adiantou que “estudos nos Estados Unidos mostram que as pessoas que votam/tendem a votar democrata avaliam positivamente a política económica dos democratas e negativamente a dos republicanos, e vice-versa para os eleitores republicanos”.
“Portanto, o facto de se esperar que um partido venha a ganhar, quer dizer que as pessoas que votam nesse partido (e que têm um peso importante na população, senão o partido não ganhava) avaliam positivamente o que este partido está a prometer fazer”, explicou a especialista em economia pública, adiantando que “não há estudos sobre como isto se generaliza para um regime multipartido” como em Portugal, “mas não é arriscado dizer que um fenómeno semelhante se produz”.
Sobre se a subida da confiança dos consumidores terá a ver com as medidas que os governos em funções ‘guardam’ para o final das legislaturas, André Freire comentou que “realmente os governos tomam, muitas vezes, no fim do ciclo eleitoral as medidas mais benéficas ou benévolas, que agradam mais aos contribuintes e cidadãos, como aumentar salários, descer impostos ou outras benesses”. “Chamamos a isso a gestão do ciclo eleitoral”, indicou.
Já depois das eleições, a análise dos dados dos últimos 20 anos mostra que se verifica, tendencialmente, uma melhoria da confiança dos consumidores imediatamente depois dos sufrágios (entre um e três meses seguintes), iniciando-se depois uma tendência de agravamento, com exceção das eleições de outubro de 2015, após as quais o indicador manteve a tendência de melhoria, que trazia desde o mínimo histórico registado em dezembro de 2012 (-46,8 pontos).
“A constante que vemos aí – de subida imediatamente pós-eleitoral – tem a ver com a importância das eleições no sistema político e democrático, e a esperança, a renovação, abertura de possibilidades e geração de alternativas. Significa que os eleitores são sensíveis a isso e isso contagia o índice de confiança dos consumidores”, referiu André Freire, estranhando que a queda após as eleições seja em “período tão curto, independentemente dos contextos específicos”.
Segundo o professor de Ciência Política, em geral, os governos gozam do chamado ‘estado de graça’, em português, a que os anglo saxónicos chamam ‘lua de mel’. “Corresponde ao período pós-eleitoral no qual os governos são alvo de uma expectativa benévola até se verem resultados, mas isso não é uma coisa de dois meses, geralmente é um ciclo um bocadinho mais longo, que vai até ao fim do primeiro ano ou ano e meio, até porque é preciso dar algum tempo para os governos tomarem medidas e se verem alguns dos seus resultados”, explicou.
Os últimos dados do INE, divulgados em 29 de agosto, mostraram que a confiança dos consumidores subiu pelo quinto mês consecutivo em agosto.
São inquiridos mensalmente 2.760 agregados familiares, de acordo com o documento metodológico do inquérito qualitativo de conjuntura aos consumidores do INE.
O indicador resulta da média das respostas a um conjunto de quatro perguntas que o INE faz a uma amostra de agregados familiares, nomeadamente sobre qual a situação financeira do respetivo lar (agregado familiar), nos últimos 12 meses, qual a situação financeira do lar (agregado familiar), nos próximos 12 meses, qual a situação económica geral do país, nos próximos 12 meses, e se o agregado espera gastar mais ou menos dinheiro em compras importantes (como mobiliário, eletrodomésticos, computadores ou outros bens duradouros), nos próximos 12 meses.
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